19/02/19

A esperada cisão no Labour. Um serviço prestado aos Conservadores.

Os jornais portugueses noticiam hoje que sete deputados trabalhistas abandonaram o Labour "descontentes com Corbyn". O Expresso é um dos exemplos que se pode citar. Outros seguiram mais ou menos o mesmo padrão noticioso. No caso do Expresso vai-se ao ponto de escrever que 
" A dissidência é fruto de um longo período de agonia por parte dos deputados que sempre se opuseram à estratégia que Corbyn (não) desenhou para o Brexit.
A noticia do Expresso omite o facto de os "dissidentes" terem formado um novo grupo parlamentar a que chamaram "independent group" e de terem, todos eles, decidido manter-se no Parlamento recorrendo a esse "veículo". Mas foi isso que aconteceu. 

Um grupo parlamentar centrista que alinhará com os Conservadores para tentar impedir a vitória dos trabalhistas numa futura eleição. Nem toda a gente concorda com esta actuação, como é o caso de Joseph Harker, o "opinion deputy editor" do Guardian, que assume ter sido um dos eleitores que elegeu Ummuna em 2017, mas que o critica por não se submeter a uma eleição intercalar. 

My Labour MP, Chuka Umunna, who represents the Streatham constituency, and whom I and 38,000 others voted for less than two years ago, has quit the party and set up in centrist alliance with six others. That 38,000 figure is itself 12,000 greater than in 2015: and those extra voters can be attributed directly to the Corbyn effect – the impact of the Labour leader Umunna has always opposed, yet who galvanised support and won an extra 3.5m votes across the country within two years of taking office.


Esta dissidência não tem nada a ver com o Brexit. Ela deve-se apenas e só à viragem à esquerda do partido conduzida por Corbyn. Viragem que aconteceu depois da terceira via de Blair ter tornado o Labour numa anedota política, uma cópia dos partidos da direita austeritária europeia, que conduziu os Conservadores ao poder por um longo período. 

A notícia não recorre sequer à informação disponível online  - recorrendo por exemplo ao The Guardian - para verificar que Chuka Ummuna, o líder deste processo, é uma figura desde sempre na primeira fila da luta contra Corbyn e, sobretudo, contra a viragem à esquerda do Labour. Ummuna, que, como referido atrás, beneficiou da popularidade crescente que o Labour obteve com a nova liderança, para ser folgadamente reeleito no seu círculo eleitoral, com o melhor resultado de sempre. 

Aliás são vários os críticos que vieram desafiar os dissidentes a fazerem aquilo que no Reino Unido é um hábito: submeterem-se a eleições intercalares no círculo pelo qual foram eleitos. Mas não é essa a sua intenção. Têm outras ideias. 

Os deputados que criaram um novo grupo parlamentar estão em adiantadas negociações com os Tories para uma manobra cujo objectivo é claro: criar todas as condições para evitar que o Labour possa vencer as próximas eleições. As negociações já decorrem com deputados dos  Conservadores que aspiram a formar um partido centrista capaz de funcionar como um parceiro dos Conservadores na governação. Trata-se de actuar de forma a manter a mesma política que transformou o Reino Unido num dos países mais desiguais do mundo. 

Atribuir às hesitações de Corbyn no Brexit este desfecho é um disparate e mostra um profundo desconhecimento da realidade política no Reino Unido. A acção liderada por Chuka Ummuna estava escrita nas estrelas e toda a sua actuação ao longo de anos, desde que Corbyn ascendeu à liderança, apontavam nesse sentido. Unmmuna não traiu as suas convicções, traiu o  seu partido e os eleitores que nele votaram. Veremos que resultados irá conseguir por este grande favor prestado aos Conservadores. 

A ideia de um partido centrista promovido por Ummuna tornou-se um dos sonhos, agora tornado realidade, da extrema direita inglesa, que necessita, para se implantar com cada vez mais força, que as políticas seguidas por Cameron e por May  continuem. Corbyn é uma ameaça a políticas que sejam cada vez mais para alguns poucos e sejam cada vez menos para a maioria dos britânicos. 
Esta dissidência representa na verdade a única possibilidade de os Conservadores não serem humilhados nas próximas eleições legislativas. Mas talvez não seja assim que as coisas se vão passar,  pese embora os primeiros sete sejam rapidamente seguidos por todos aqueles que sabem que não irão ser candidatos a deputados nas próximas eleições. Não serão escolhidos pelos seus constituintes, já que não é o líder do partido quem decide quem são os deputados, como acontece aqui no burgo. Mas não serão escolhidos porque não concordam com a orientação política da maioria dos seus eleitores e camaradas de partido. Uma situação normal numa democracia avançada.

Há quem em Agosto de 2018 tenha escrito e reflectido sobre a inevitabilidade da criação deste partido promovida exactamente  por estes deputados, pelas razões que já então eram óbvias: as ambições políticas dos seus promotores e as ideias políticas que defendem. Ambições porque, naturalmente, não seriam escolhidos  - pelos militantes locais das suas secções para novo mandato de deputados - e ideias políticas porque alguns deles até Ed Miliband acusaram de ser demasiado à esquerda e  a Corbyn acusam-no desde sempre de ser anti-austeridade. Nisso têm razão, como se sabe. 

Hoje, no tempo que escolheram para causar o maior dano possível, deixaram cair a máscara e cumpriram a sua missão. O que é que a posição de Corbyn relativamente ao Brexit tem a ver com esta acção política anti-socialista e anti-democrática deste grupo de deputados? 



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