12/07/19

Sugestão: quotas para escolas em vez de para etnias

Tem se começado a discutir a possibilidade de quotas para negros e ciganos para a entrada na universidade (mas, de qualquer maneira, não será para já). Eu acho (como já escrevi há uns tempos) que seria melhor ideia um sistema como o da Universidade do Texas (o Texas, esse bastião do politicamente correto), em que os alunos nos 10% de topo de cada escola têm assegurada a entrada na universidade (isto é, um aluno de 12 numa escola em que todos os outros tenham 10 fica à frente de um aluno de 15 numa escola em que quase todos tenham 18). Eu digo 10% como poderia dizer 7% ou 18,23% (o que interessa os x% de melhores alunos de cada escola), mas ao longo do post vou falar em "10%".

É verdade que transpor esse sistema para uma situação como em Portugal, em que há um concurso nacional em que os alunos concorrem a várias universidades, precisaria de adaptações - dificilmente poderia ser algo como "os 10% de melhores alunos de cada escola têm entrada garantida na universidade e curso que coloquem em primeiro lugar" (arriscava-se a que alguns cursos ficassem com 10 vezes mais alunos do que vagas), mas talvez algo do tipo "os 10% de melhores alunos de cada escola têm prioridade, e só depois destes estarem colocados é que se vai buscar os outros" (provavelmente os cursos mais procurados ficariam cheios com alunos dos tais 10%, e só nos menos procurados é que os outros provavelmente conseguiriam entrar). Também teria que se ver como isto se aplicaria por disciplinas e cursos (os melhores 10% de cada escola teriam prioridade para qualquer curso, ou ficaria melhor algo como "os 10% com melhor média conjugada de economia, contabilidade e matemática de cada escola têm prioridade para o curso de economia"?), e se o que interessaria seria os melhores 10% na nota da escola, os melhores 10% em exames ou uma combinação qualquer.

Esta sistema provavelmente combateria as desigualdades no acesso ao ensino superior derivadas da pertença a meios sociais e/ou culturais desfavorecidos, já que frequentemente o meio social vem associado à escola (as escolas dos subúrbios e das zonas rurais tendem a ter estudantes desfavorecidos em comparação com os das escolas do centro das grandes cidades); suponho que a situação mais injusta aqui seria a da classe média das pequenas cidades, cujos filhos ficariam efetivamente beneficiados - como nas pequenas cidades não há grande segregação social entre escolas secundárias, esses alunos teriam dois privilégios: o privilégio que já têm agora, de pertencerem à classe média urbana, e mais o privilégio de frequentarem escolas em que a maior parte dos alunos pertencem a classes desfavorecidas (tornando mais fácil aos da classe média ficarem no top dos 10%); e ainda por cima eu pertenço a essa classe social, pelo que poderão sempre questionar se eu não estou é a querer defender os interesses da minha classe com esta conversa...

[Sim, sim, vão me dizer que não há uma relação necessária entre classe social e resultados escolares. Já agora, digo que um dos meus melhores amigos do tempo de adolescente deveria ser a pessoa mais pobre da nossa turma e era um dos 3 ou 4 melhores alunos, e atualmente parece-me uma pessoa muito mais bem sucedida na vida do que eu - mas uma correlação não ser igual a 1 não significa que não seja maior que zero]

 Porque acho esse sistema preferível a quotas étnicas:

- Como já disse, beneficia todos os grupos desfavorecidos, em vez de potencialmente os pôr uns contra os outros

- Consegue ser formalmente igualitário (o que, até em termos de opinião pública - ou até de alegações de inconstitucionalidade -, tem muitas vantagens). As quotas por género também são igualitárias (já que embora sejam frequentemente chamadas de "quotas para mulheres", o que normalmente dizem é "o género menos representado não pode ter menos que x%", podendo o género menos representado serem homens ou mulheres conforme as ocasiões), mas é muito mais difícil fazer isso para as minorias étnicas; como as diferentes etnias representam proporções diferentes da população (ao contrário das mulheres e homens, que representam ambos perto de 50%) não é possível aplicar uma forma genérica e simples, com uma regra do tipo "cada etnia tem que ter pelo menos z% do total dos escolhidos" (claro que se poderia ter uma regra do tipo "cada etnia tem que ter no mínimo uma representação equivalente a 70% da sua representação na população total" mas isso começa a ser de aplicação bastante complexa).

- Não tem o problema de ter que definir a que etnias as pessoas pertencem, o que não é tão simples como tudo isso.

Possíveis desvantagens:

- Este raciocínio tem implícito que há uma ligação significativa entre pertencer a um grupo desfavorecido e frequentar uma escola em que os alunos venham esmagadoramente de grupos desfavorecidos, o que não é necessariamente verdade (ver o que escrevo atrás sobre a classe média das pequenas cidades).

- Ligado ao ponto anterior, haveria o risco de algumas escolas simplesmente adotarem (como muitas vezes já fazem) um regime de apartheid interno - criarem uma turma de elite, e porem os alunos com piores resultados nas outras turmas (e pronto, grande parte dos alunos da tal turma de elite ficavam nos 10% de melhores alunos dessa escola); diga-se, aliás, que uma das recomendações do tal relatório sobre o racismo foi de acabar com a prática de criar turmas quase só para alunos de minorias étnicas (já agora, nunca vi as pessoas que estão sempre a reclamar do "multiculturalismo" porque "as minorias têm que se integrar", a dizerem que são contra quotas porque o Estado deve tratar todos por igual, etc. etc. a reclamarem da segregação racial e social de facto na elaboração das turmas escolares)

- Poderia criar má relação entre os alunos em cada escola; hoje em dia, mesmo havendo competição para entrar na universidade, os colegas da mesma turma/escola ajudam-se uns aos outros, estudam em conjunto, se calhar até deixam copiar, etc. Parte da razão é que a probabilidade de eu deixar de entrar no curso que quero porque foram os meus colegas de turma que entrou é quase nula. Já num sistema de prioridade para os 10% de melhores alunos daquela escola, a competição e a rivalidade seriam mais acesas, já que há mesmo uma hipótese significativa de eu não ficar nos 10% porque os meus colega ficaram.

De qualquer maneira, muita gente irá objetar a esta proposta com a conversa do "mérito", mas basta ver a atenção com que se olha para os rankings escolares divulgados anualmente ou as guerras para conseguir ter os filhos colocados em certas escolas para se concluir o desempenho escolar não depende apenas do mérito individual (aliás, as pessoas que estão sempre a falar do "mérito" parecem-me ser também as que mais importância dão aos rankings escolares, numa contradição aparente), e de qualquer maneira os resultados individuais continuariam a contar (quer para ficar nos 10% de melhores alunos de cada escola, quer para a atribuição das vagas restantes).

Ainda a respeito do "mérito", algo que implicaria uma reflexão é qual o porquê de atribuir as vagas na universidade aos alunos com melhores notas; parece óbvio e intuitivo, mas exatamente por isso se calhar ninguém pensa seriamente qual é o motivo para tal. Eu consigo imaginar pelo menos 3 motivos, que têm implicações diferentes:

a) Escolher os melhores alunos porque estes têm mais bases e portanto vão ter melhor desempenho no curso e na vida profissional posterior. Se o motivo for esse, aí faz efetivamente sentido escolher os alunos com melhores notas.

b) Escolher os melhores alunos porque estes provavelmente são mais inteligentes e/ou mais esforçados e/ou mais interesados e portanto vão ter melhor desempenho no curso e na vida profissional posterior. Esta explicação difere da anterior porque não requer que o que os alunos aprenderam no secundário tenha alguma utilidade real na licenciatura/mestrado/profissão, é apenas uma maneira de selecionar os mais inteligentes/esforçados/interessados (para medir inteligência ou esforço nem será necessário que a matéria do secundário tenha alguma coisa a ver com a matéria da licenciatura, mas acho que para medir interesse já o será). Se o motivo for esse (avaliar mais a personalidade do candidato do que os seus conhecimentos) aí faz todo o sentido um sistema de dê prioridade aos alunos de meios em que é mais difícil ter bons resultados escolares: quase por definição, para um aluno de uma "má" escola conseguir um 18 num exame, precisa de mais esforço/inteligência/motivação do que um de uma "boa" escola (e se não for assim, quer dizer que os pais que andam a pagar fortunas para os filhos ficarem numa "boa escola" privada ou a meter cunhas para eles ficarem numa "boa escola" pública estão a ser vítimas de uma burla em larga escala).

c) Escolher os melhores alunos é uma forma de levar os alunos no secundário a se esforçarem (e os país a obrigá-los a esforçarem-se) e a aprenderem o que lhes é ensinado - mesmo que grande parte não vá para a universidade, o que aprenderam vai ser útil tanto a eles como à sociedade em geral (e atenção que com "útil" não me estou a referir apenas ao aspeto económico). Mas aí também não vem mal ao mundo se se introduzir um sistema qualquer de compensação a quem venha de meios desfavorecidos, já que o entrar ou não na universidade continua, naquilo que o individuo pode controlar, a depender do seu esforço (como escrevi acima, quer para ficar nos 10% de melhores alunos de cada escola, quer para a atribuição das vagas restantes).

1 comentários:

the revolution of not-yet disse...

e têm entrada em que cursos, se é para ir para os politécnicos estão lixados na mesma