11/06/10

Da "justa repartição dos sacrifícios"

Ao tomar conhecimento de que, no seu discurso de 10 de Junho, Cavaco Silva apelara à "repartição justa dos sacrifícios" necessários ao restabelecimento e consolidação de uma economia portuguesa, cujo funcionamento assenta numa repartição extremamente desigual  e cujos critérios de saúde excluem qualquer concepção democrática de justiça, comecei a pesquisar na rede materiais que me pudessem servir para um breve post sobre o assunto. E, em boa hora, dei por acaso com um texto do Pedro Viana, publicado a 2 de Junho de 2008, na caixa de comentários de um post do João Rodrigues, nos Ladrões de Bicicletas, que substitui com vantagem o que eu poderia escrever analisando a natureza política concepção repartitiva de Cavaco. Eis, pois, como, com dois anos de antecedência, o Pedro escreveu a sua magnífica análise do discurso ontem proferido pelo Chefe de Estado.

A postura perante o conceito de igualdade é a chave da diferença entre Esquerda e Direita. Todas as variantes de Esquerda defendem a igualdade, umas mais do que outras, dando ênfase a diferentes vertentes, podendo ir ao extremo de defender a igualdade de resultados (i.e. independentemente do que cada um faça, todos devem ter numa sociedade o mesmo poder político-económico-social). Nada horroriza tanto a Direita. Todo o edifício ideológico da Direita assenta no conceito de que existem pessoas que merecem mais do que outras, e portanto devem ter mais poder político-económico-social. No limite, há variantes de Direita que defendem a superioridade à nascença, por via da "raça", sexo ou "religião/etnia". Esta atitude perante a igualdade explica porque à Direita, nomeadamente na Direita "Liberal" se convive tão mal com o conceito de Democracia política: esta permite a "pessoas que merecem menos condicionar as opções de pessoas que merecem mais". Nada divide tão claramente a Esquerda da Direita como a questão da Igualdade. A razão porque a Direita às vezes parece "confusa" sobre o assunto é porque sabe que numa Democracia é suicídio em termos argumentativos e políticos a defesa de que há pessoas que merecem (muito) mais do que outras. O artigo de opinião de Rui Ramos no Público de dia 28 de Maio é exemplo dessa "confusão", a que eu chamaria antes pura cobardia. Esta passagem ilustra bem o que quero dizer: "O Estado social e o liberalismo não são receitas técnicas para diminuir a desigualdade ou para aumentar a riqueza. Não existem essas receitas - se existissem, não haveria debate, porque todos escolheríamos imediatamente o que nos garantisse maior conforto e maior igualdade".  Completa mentira. Rui Ramos mente ao dizer que apoiaria uma "receita" que garanta maior conforto e igualdade. Ele sabe muito bem que obviamente tal "receita" a existir implicaria a transferência obrigatória de substanciais recursos (ex. via impostos) dos que mais "merecem" para o que menos "merecem", o que é obviamente para ele um anátema ideológico. Basta ver o que ele diz no parágrafo anterior: "(...) cada um assuma as responsabilidades e enfrente as consequências das suas opções - embora possa haver instituições para impedir sofrimentos".  Para ele apenas importará mitigar a pobreza absoluta, não a desigualdade.

2 comentários:

Pedro Viana disse...

Na mesma onda, aproveito para recomendar a leitura do artigo de opinião de António Vilarigues que hoje aparece no Público, intitulado "A pulhice humana". É frontal, e chama os bois pelos nomes!

Um abraço,

Pedro

Anónimo disse...

Meus caros: A questão do fomento da Igualdade- que faz tríptico com a Liberdade e a Fraternidade- é das mais complexas e difíceis da Ontologia Revolucionária. Tempo que Castoriadis data da gestação e subida dos movimentos democráticos e igualitários a partir do séc. XVII, e sobretudo a partir do séc. XVIII. Tarefa de Sisífo,portanto, mas que nos pode afastar da facilidade e do oportunismo histórico e teórico...Do meu ponto de vista, a Igualdade tem que lutar contra o Estado, poder político e económico concentrado e gerador incessante do máximo de Desigualdades, e a lógica do Partido-fétiche, centralista, centralizador e hierarquizado até à medula, que se projecta no Estado e em todos os instrumentos de discriminação, manipulação e dominação. Castoriadis vai mais longe, e sublinha: " A ideia de igualdade social e política substantiva dos homens não é, nem pode ser, nem uma tese científica nem uma tese filosófica. Assume uma significação imaginária social, e mais precisamente uma ideia e um querer político, uma ideia que engloba a instituição da sociedade como comunidade política. É propriamente uma criação histórica e uma criação, se assim se pode dizer, extretamente improvável ". Niet