05/12/10

Luta e nojos

Recarrego no tema colocado pelo Pedro Viana. Cujo interesse maior, julgo eu, é estudar-se e ter-se em conta como se forma o juízo público sobre uma greve “radical” praticada por um sector assalariado “bem remunerado”. Para o centro e a direita, a greve “selvagem” dos controladores aéreos espanhóis foi um despautério pois violou as regras do correcto relacionamento social, incluindo em situações de conflito laboral. Além de ter perturbado a boa ordem de circulação universal, de que as auto-estradas aéreas são a base. Para uma certa (e larga) esquerda de toque miserabilista, misturando meia dose de Marx e outra igual de Madre Teresa de Calcutá, os gordos salários e mordomias dos controladores espanhóis choca com o sentido das equidades que os devia inibir de lutar pelo quer que seja. Aos primeiros, pois que sim, deixá-los falar pois eles falarão hoje contra as greves “selvagens” (quando estas se praticam) e amanhã contra todas, incluindo as que sejam precedidas de um pré-aviso de mês e meio. Os outros, os da esquerda repugnada, género político imitativo do bife mal passado, os assalariados “bem pagos”, sobretudo quando em tempo de crise, deviam por-se a jeito perante o patronato para purgarem a “vergonha pelas regalias”. Os “empregadores” bem podem torcer-lhes os direitos, prolongar-lhes a jornada de trabalho, tirarem com uma mão de surra uma parte do que entregam na transferência salarial. Ao fim e ao cabo, vergastando e vergando os “privilegiados”, os patrões estão, à sua maneira, a contribuírem para a justiça social, a nivelarem a terra sem amos nem diferenças, dirão os esquerdistas constitucionalistas. Proletários que envergonham o proletariado, merecem, pois, que os militarizem e obriguem a retomar o trabalho de pistola apontada. E, no entanto, parecendo que perderam na refrega, os controladores espanhóis ganharam, e todos nós com eles, ao evidenciarem como perante gente, governo e empresários, que passa a vida em abuso selvagem, roubando salários, direitos e regalias, se põe de repente em pânico e a vestir a farda à pressa quando do outro lado se explora o efeito de surpresa e que dói. Face à desregulação completa das condições sociais de quem trabalha ou trabalhou, à sangria de direitos laborais, e da missa das intenções ainda só conhecemos metade, o “estado de alerta” não só já está declarado como se transformou em rotina social. Querem calminha e respeito escrupuloso pelos procedimentos conformes? Umas vezes dá, outras não. Com carpideiras enojadas pelo caminho? Claro, é da vida.

(publicado também aqui)

3 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

Gosto de ler gente que não vai em cantigas. As reacções à greve foram um nojo. Por parte da esquerda, claro. Por parte da direita, já se esperava.
Um abraço

Pedro Viana disse...

Excelente post. Com que, obviamente, concordo na totalidade. Parece que há gente à Esquerda, que eu caracterizaria como muito ingénua, que não vê que o discurso contra os pretensos privilégios de certos grupos de assalariados não é mais do que uma estratégia de divisão de quem trabalha. Uma tentativa de colocar trabalhadores contra trabalhadores, consoante o seu nível de rendimento e de segurança contratual (é habitual ouvir certas carpideiras a lançar lágrimas de crocodilo pelos pobres dos desempregados, que só não possuem emprego porque há uns trabalhadores privilegiados que são difíceis de despedir).

aquiles disse...

A greve dos controladores prejudicou a economia de quem?