Em cavalgada suave em cima da crise e da austeridade, para já em ritmo de passeio, aproximam-se as ofensivas fundas contra os direitos sociais, nomeadamente os de âmbito laboral.
Obviamente que as empresas, as que vivem (só ou também) do mercado interno, sabem que as baixas consideráveis nos rendimentos em ordenados, reformas e subsídios, com aumento das contribuições fiscais, vão levar em linha recta à retracção aquisitiva e, portanto, a uma menor circulação de mercadorias e serviços. Logo, facturação a cair à vista. Se assim está decidido, por uma pretensa fatalidade da lógica de esbulho fiscal em tempo de crise indomável, o patronato e a burocracia eurocrata avançam com imaginação na perspectiva de formas em que as certas e seguras dificuldades para as empresas sejam “devolvidas” aos “responsáveis” pela retracção das compras (os trabalhadores-consumidores). Ou directa e descaradamente em termos de rendimentos laborais enquadráveis em estratégias à medida de retracção de custos, ou, talvez sobretudo, aproveitando a onda de fatalidade psicologicamente adquirida, tentando atingir antigos alvos na fragilização laboral dos trabalhadores. E, na regressão de direitos, o grande alvo é a liberalização dos despedimentos individuais (e de que Passos Coelho já tinha dado um cheirinho no seu projecto de revisão constitucional mal chegou ao comando do PSD). Um burocrata eurocrata veio avançar com o “conselho” da baixa no valor das indemnizações nos despedimentos. Agora, o banqueiro Fernando Ulrich colocou, preto no branco, com a pretensa coragem dos quebradores de tabus, a defesa não da baixa das indemnizações mas a atribuição do absoluto poder arbitrário do patronato para despedir quem quiser e quando quiser e sem sequer indicar as (eventuais) razões.
A fragilização laboral pretendida por Ulrich, e naturalmente que este senhor – reles senhor – é apenas o mais descarado de um vasto grupo de pressão, atingiria não só a segurança como a marca de identidade que liga o trabalhador a um posto de trabalho. Ou seja, colocaria cada um no máximo patamar da precariedade, a de trabalhar sem qualquer rede nem raízes. Qualquer trabalhador seria, assim e automaticamente, mais precário que até o contratado a prazo, pois o prazo de cada um seria o do dia (ou hora) do momento. E, claro, a menos que possuído pela coragem dos temerários, incapaz de reivindicar, sindicalizar-se, defender-se, seguindo uma pauta de comportamento laboral que não se guiaria por contrato ou códigos de conduta mas indo até à decifração muito fina e apurada dos humores dos mandantes (do chefe até ao patrão), pois a esta rede de poder, às suas deliberações mais íntimas, competia saber se cada um é uma “boa” ou “má” “companhia na companhia” (usando a terminologia do celerado Ulrich).
Dá que pensar o facto de este pico de ofensiva antilaboral seguir-se imediatamente a uma “greve geral”. O que significa que o patronato mais agressivo não se assustou. Antes, pelo contrário, soube ler as debilidades da ligação sindical aos trabalhadores e a incapacidade de se articular e integrar as formas de luta, principal demonstração e consequência daquela jornada.
(publicado também aqui)
03/12/10
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4 comentários:
Talvez a luta do tipo sindical – greves, palavras de ordem e manifestações - já tenha passado à história. Talvez o novo tipo de luta deva ser levado a cabo por grupos resolutos e com alvos bem definidos.
O Ulrich faz parte duma oligarquia que dura há mais de um século e que durante esse tempo só se assustou uma vez, que eu saiba: foi a seguir ao 25 de Abril, e por pouco tempo.
Há uma coisa que Ulrich sabe muito bem: Portugal tem recursos suficientes para sustentar a oligarquia predadora, improdutiva e parasitária de que ele faz parte, ou para sustentar um Estado Social. O que não tem, é recursos para sustentar as duas coisas ao mesmo tempo. Portanto, a sacrificar uma das duas coisas, tem que ser o Estado Social, não é?
BOA MALHA!
Caro Diogo,
os "grupos resolutos e com alvos bem definidos" têm um papel importante - de exemplo, desafio à imaginação, etc. Mas não podem substituir o conjunto dos cidadãos nem as formas de intervenção colectivas e comuns. A democratização das instituições e do poder político, bem como dos aparelhos económicos e produtivos, só pode ser levada a cabo e garantida pelos interessados - ou seja, a imensa maioria das mulheres e dos homens, que, destinatários evidentes do projecto de autonomia, terão de ser também seus actores e autores.
Saudações republicanas
msp
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