“Depressão” recorda-me sempre Tiziano Terzani e o seu maravilhoso Disse-me um Adivinho: “Não é de admirar que a depressão seja hoje um mal tão comum. É quase reconfortante. É sinal que no íntimo das pessoas ainda resta o desejo de serem mais humanas”.
Os meus amigos conheciam o livro mas comentaram que não se devia exagerar. A crise era internacional e, fosse como fosse, a Europa mantinha-se o melhor sítio para se viver. Eu disse que talvez, mas.
Que seria bom não esquecer que ainda há 66 anos a Europa provocara uma razia no mundo e que os seus líderes actuais me faziam perigosamente pensar na piada de Lewis Black: “In my lifetime, we've gone from Eisenhower to George W. Bush. We've gone from John F. Kennedy to Al Gore. If this is evolution, I believe that in twelve years, we'll be voting for plants” (e já passaram quase 12 anos…), e também na frase de Groucho Marx em Duck Soup: “Ele pode parecer um idiota e falar como um idiota mas não se deixe enganar, ele é realmente um idiota”.
Após a fase das piadas voltámos a falar a sério — da recente obsessão pelas fronteiras, dos imigrantes magrebinos afogados no Mediterrâneo, da e.coli dos pepinos que era coisa dos PIGS espanhóis, da implosão dos Impérios, da dívida americana, da extrema-direita francesa, da desorientação generalizada da esquerda, dos chineses… O costume.
E depois aconteceu o massacre na Noruega.
Um homem louro, um homem nórdico, alto, de olhos azuis, praticamente um património, um baluarte da Europa civilizada, praticamente uma Claudia Schiffer de calças, como diria Caco Antibes, matou quase uma centena de pessoas. Antes de passar à acção terá tido tempo para escrever “2083, A European Declaration of Independence”, um longo manifesto em defesa de uma nova Cruzada contra os perigos do Islão e do marxismo. Não, “as humanidades não humanizam”. Mesmo. Como dizia o raio do Steiner e eu não me canso de repetir.
15 comentários:
Ana,
quando a tua história se aproxima do fim, fica-se com pena que esteja a acabar, como acontece com certos livros cuja leitura habitamos - ou nos habita - mais intimamente.
O único senão, talvez motivado por um desfecho talvez objectivamente prematuro - e não só prematuro à luz do sentimento que nos causa vermos aproximar-se do fim qualquer coisa que gostaríamos que se prolongasse por muito, muito mais tempo -, será talvez a fórmula da conclusão. Porque, se as humanidades não bastam para humanizar e podem até conhecer usos cúmplices da desumanização, a perda delas desumaniza radicalmente - ideia que, de resto, uma "leitura bem feita" de Steiner, não deixará de descobrir nos seus livros, nunca formulada em termos tão lapidares como a que citas, mas não menos insistente do que ela. De resto, que as duas teses se completam, é o que compreendemos melhor perante uma terceira, que tem uma das suas expressões mais altas em Real Presences, quando Steiner nos diz que a poesia é a linguagem em condição de liberdade e que é por isso que nos diz "Muda a tua vida" - ou seja, tal como eu o leio e talvez radicalize, dá à tua vida a liberdade da criação, torna-a criação de liberdade.
Agraço grande, ainda que pobre coisa para tão bela crónica
miguel(sp)
És um paternalista do pior Miguel.
Agraço grande
Como dizia Steinbeck
Quem acredite em encarnações do mal que as combata
Quem acreditar que há mais fome no humanismo que humanismo na fome
que a convoque
Morre-se e mata-se por coisas materiais e imateriais
Pelo Humanismo dos outros
só morrem hebefrénicos promovidos a santos
Miguel, a falta das humanidades desumanizar não surpreende; o contrário, sim. E de que maneira.
Anónimo, julgo que seja uma private, por isso passo.
OLHA AS COMBOIADAS, se fossemos santos, era tudo muito mais fácil
Ana, inteiramente de acordo, claro.
Quanto àquilo a que chamas uma private joke, deve ser, na rrealidade, tão privada que só o seu autor a alcança, tendo, de resto, a precaução de salvaguardar os recessos da sua intimidade por meio do anonimato.
miguel(sp)
Miguel vai dar uma curva e perde a mania de defenderes as damas e de ter sempre a ultima palavra. Se nao gostas de anonimos restringe-os
Tem toda a razão o anónimo anterior. O Serras Pereira tem mania que é o Papa e o papá desta gente. Se fosse camarada de blogue chateva-me com ele. Como não sou que vá cavar batatas ou traduzir, visto que não gosta de praia.
exijo(?!) um post sobre a vergonhosa prestação do ministro da economia na entrevista de ontem à noite na rtp. aquilo é pior que ter "horror a pobre" aquilo é não ter noção nenhuma do que é ser pobre. já agora os meus parabéns ao entrevistador, que foi bem melhor que judite de sousa ou rodrigues dos santos.
desculpem lá o offtopic, mas ainda estou em estado de choque...
Anónimos vários,
pelos vistos, circulam por aí pouco fidedignas informações sobre os meus gostos, usos e costumes, etc. Mas, não sendo isso matéria directamente relevante para o debate em curso, pouparei tempo, abstendo-me de desmentidos.
Quanto à dama aqui em causa, não precisa de defensores menos hábeis do que ela, pelo que não me passou pela cabeça que outras houvesse tão distorcidas que por defesa da dama tomassem a admiração que ela me inspira.
Entendidos?
msp
restringir os anónimos? oh anónimo, tás-te a passar?!
Anónimo das 11.01, não tenho televisão
Miguel, thanks
Cara ACL, é, como bem diz aqui o caríssimo MSP, um excelente texto e "quando a tua história se aproxima do fim, fica-se com pena que esteja a acabar"
Ana, não ter televisão não é desculpa... e escrever bem, outra característica sua e que indubitavelmente está relacionada com a que a primeira, também não!
Informe-se mulher!
hum uma tertúlia....
Justiano, obrigada e um esclarecimento: o texto não podia ser maior;
Anónimo, às vezes prefiro não me informar... é uma das razões para não televisão;
comentador com um boneco esquisito, será uma tertúlia mas, infelizmente, não se come nem se bebe nada
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