Como já foi assinalado, por exemplo pelo Miguel Cardina e pelo Youri Paiva, foram aprovadas as 4 propostas referendadas em Itália durante os últimos dois dias. Neste país é possível pedir directamente ao Tribunal Constitucional a convocação dum referendo, desde que se consiga reunir 500 mil assinaturas de eleitores italianos. Mas, em Portugal, um referendo só pode ser convocado pelo Presidente da República, após proposta da Assembleia da República e consulta do Tribunal Constitucional. Está na altura de alterar esta situação, e permitir a apresentação de propostas de referendo directamente ao Tribunal Constitucional, sem passar quer pelo Presidente quer pela Assembleia da República. No mínimo, deveria existir a mesma situação que em Itália, onde os referendos por iniciativa popular só servem para rejeitar leis já aprovadas pelo parlamento, e só se tornam vinculativos (no caso de referendos sobre leis ordinárias) se mais de 50 por cento dos eleitores votarem (como em Portugal). Idealmente, deveria ser possível propõr a aprovação por intermédio de referendo de leis ordinárias e alterações à Constituição, como na Califórnia desde 1911 (e em vários outros Estados dos EUA).
Num contexto de grande desconfiança perante o sistema político-partidário, creio que a defesa do referendo por iniciativa popular conseguiria obter um apoio transversal na sociedade portuguesa. Em particular, seria uma causa que conviria ao Bloco de Esquerda apoiar, e fazer dela um dos pontos principais do seu programa político. Entre várias razões, porque permitiria ao Bloco de Esquerda expandir a sua influência política, através da dinamização da oposição popular a leis aprovadas na Assembleia da República, e o diferenciaria dos outros partidos, todos desconfiados da participação directa dos cidadãos na tomada das decisões que os afectam. Seria um excelente modo para pôr os portugueses a aprender, a discutir e a construir a sua Democracia, na senda do que o Miguel Madeira propôs recentemente: "(...)parece-me que o melhor caminho para defender a linha 3 (a tal do "poder popular"(...)) é o da "aprendizagem pela acção" - se grupos de cidadãos se mobilizarem e organizarem por uma causa especifica (e sobretudo se conseguirem ganhar a sua luta...), vão pouco a pouco adquirindo o hábito de tentarem influenciar directamente as decisões políticas, em vez de se limitarem a votar de "x" em "x" anos (x<=4)."
14/06/11
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7 comentários:
Estive há uns tempos a ler discussões sobre o sistema californiano, que levanta alguns problemas. Nomeadamente, o de ser fácil revogar por maioria simples leis que definiam direitos conquistados (toda a polémica sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, um vai-e-vem interminável). Teria que haver um vínculo maior em certas leis, que obrigaria à sua segurança a longo prazo.
Por outro lado, há também (e isto é uma análise mais minha que outra coisa) a questão da verdadeira representatividade da população. Intervenção popular nas leis apenas fará sentido quando todos os visados possam ter algo a dizer sobre isso - o que inclui, proponho modestamente, o voto de quem não está nacionalizado. O caso californiano, mais uma vez, é paradigmático: a vaga imigrante é fortíssima (na ordem da dezena de milhões) e não participa na democracia, assim como, em menor grau, as centenas de milhares no sistema penal (presos e "parolees").
Seriam coisas a ter em conta numa democracia verdadeiramente participativa.
Segundo a Lei Orgânica do Regime do Referendo (http://www.portaldoeleitor.pt/Documents/DecretosLei/lei-organica-regime-referendo-e2007.pdf), este "pode resultar de iniciativa dirigida à Assembleia da República por cidadãos eleitores portugueses, em número não inferior a 75 000, regularmente recenseados no território nacional."
"A iniciativa popular é obrigatoriamente apreciada e votada em Plenário."
"Da apreciação e votação da iniciativa em Plenário resulta a aprovação ou a rejeição do projecto de resolução que incorpora a iniciativa popular."
Os cidadãos também podem ter iniciativas legislativas. Neste caso necessitam de 35 mil assinaturas.
Há uma iniciativa legislativa a decorrer neste momento, na fase de recolha de assinaturas: Lei contra a precariedade. Vejam neste link: http://www.leicontraaprecariedade.net/
Aliás, pedia aos autores do blogue que divulgassem esta iniciativa legislativa.
Obrigado!
Caro Daniel Maciel,
A resposta mais habitual à primeira questão que coloca é dada através da existência de constituições apenas alteráveis através duma maioria de 2/3. Tal não acontece na Califórnia, que apenas requer em geral uma maioria simples para alterar artigos da sua constituição. Mas é possível aprovar leis regulares e artigos da Constituição com uma provisão que exige uma maioria de 2/3 para as revogar. É o que acontece com a famosa proposição 13 passada em 1978.
Quanto à segunda questão que coloca, obviamente que numa verdadeira democracia o direito a voto deve estar associado ao local de residência habitual e não (apenas) à nacionalidade. No que se refere à representatividade, devo dizer que até prefiro a decisão por intermédio de júris de cidadãos do que através de referendos, pois nos primeiros quem acaba por votar e decidir é frequentemente mais representativo da população do que quem vota num referendo. Para além de ser possível informar, sobre o que está em causa no que concerna uma dada decisão, muito melhor os votantes no primeiro caso do que no segundo caso.
Cumprimentos,
Pedro Viana
"Nomeadamente, o de ser fácil revogar por maioria simples leis que definiam direitos conquistados (toda a polémica sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, um vai-e-vem interminável). Teria que haver um vínculo maior em certas leis, que obrigaria à sua segurança a longo prazo."
Todas as leis definem "direitos conquistados" na perspectiva de alguêm.
O caso da casamento entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia é peculiar porque aí não é referendo vs. lei do parlamento, mas sim referendo vs. sentença judicial (de um juiz que acha que a proibição do casamento homossexual é incostitucional) - no caso de referendos relacionados com a constituição, realmente o lógico seria aplicar a mesma regra que face à revisão constitucional via parlamento (maioria qualificada e só de X em x anos).
"Por outro lado, há também (e isto é uma análise mais minha que outra coisa) a questão da verdadeira representatividade da população. Intervenção popular nas leis apenas fará sentido quando todos os visados possam ter algo a dizer sobre isso - o que inclui, proponho modestamente, o voto de quem não está nacionalizado. "
Mas isso aplica-se tanto aos referendos como às eleições para o parlamento, logo não é um problema especifico dos referendos.
Entretanto vejo que o PV já disse o que eu queria dizer.
Caro anónimo,
Infelizmente, o que interessa é que é a Assembleia da República que tem a última palavra sobre o que é ou não referendado. Ou seja, não sendo do interesse duma dada maioria conjuntural na AR haver referendo sobre dado assunto, bem que 1 milhão de pessoas pode assinar uma iniciativa popular em apoio de tal referendo, que ele não irá para a frente. É para isso que chamo a atenção no meu post. Em Itália, o parlamento não tem o direito de veto sobre que leis são ou não submetidas a referendo.
O mesmo se passa com iniciativas legislativas Efectivamente não passam de petições que a AR, magnanimamente, aceita que os broncos cidadãos submetam aos ilustres deputados para que eles depois decidam se aceitam ou não legislar em favor dos peticionários. É melhor do que nada, mas é muito, muito pouco.
Cumprimentos,
Pedro Viana
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