30/07/11

A via subversiva da Democracia

O caminho do Bloco de Esquerda (BE) sempre foi estreito. A sua capacidade de crescimento eleitoral encontra-se espartilhada devido à existência de PS e PCP, dois partidos com forte implantação social e cultural. Durante os primeiros anos da sua existência, o BE cresceu devido à sua aposta em propostas de ruptura com o modelo cultural conservador em que assentava a legislação portuguesa. No entanto, o BE acabou por ser vítima do seu próprio sucesso, ao conseguir que as suas propostas legislativas mais emblemáticas, como a interrupção voluntária da gravidez e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, fossem aprovadas. Com a irupção da actual crise económica e financeira, a atenção da esmagadora maioria dos portugueses foi desviada definitivamente na direcção das políticas económicas e sociais. É portanto nestas áreas que o BE tem agora de afirmar-se como uma alternativa ao PCP e ao PS, sendo vital encontrar uma via distinta da preconizada por estes dois partidos. De outro modo, dificilmente uma fracção significativa dos portugueses encontrará razões para apoiar, eleitoralmente e não só, o BE. Não será fácil, entre um PCP que apenas resiste e um PS que sempre capitula, perante a ofensiva daqueles que vêem na actual conjuntura uma oportunidade para aumentarem as suas taxas de lucro, através da exploração e subjugação da maioria.

Os indícios do que pode ser uma política alternativa à Esquerda encontram-se hoje antes de mais em Itália. Sufocados por uma Direita descredibilizada, mas omnipresente no espaço mediático e dotada de maioria parlamentar, os italianos têm utilizado vias alternativas à militância nos partidos que compõem a Esquerda institucional, para a qual olham com descrença e desconfiança, para exprimirem a sua opinião. E são as vitórias, bem documentadas no Dossier 149: Referendos em Itália publicado no esquerda.net, que assim foram alcançadas, que permitiram o renascer da esperança numa outra maneira de fazer politica, numa outra sociedade, mais aberta e solidária. Os mecanismos que permitiram tais vitórias foram a existência de eleições primárias para a escolha dos candidatos que a Esquerda apresentaria em eleições municipais e regionais, e a possibilidade de referendar legislação aprovada pelo parlamento italiano. O que é comum a estes mecanismos é o envolvimento da população no processo de decisão política, a efectiva implementação do conceito de democracia participativa. O desejo de participação directa no processo de decisão sobre o que nos afecta não está, como seria de esperar, restrito à Itália. Neste últimos meses, tal anseio irrompeu um pouco por toda a costa Mediterrânica, e se a Sul derrubou regimes autoritários, a Norte colocou em causa a real representatividade de parlamentos como o espanhol e o grego.

Sem descurar a apresentação de propostas que continuem a questionar quer o conservadorismo cultural quer o neo-liberalismo sócio-económico (evitando os arcaísmos ideológicos do PCP), o BE devia constituir-se como porta-voz deste interesse crescente na possibilidade de participação directa no processo de decisão política. Devia fazê-lo quer através de propostas passíveis de concretização imediata, por exemplo defendendo eleições primárias à Esquerda para a escolha das candidaturas autárquicas, quer argumentando em favor de medidas mais difíceis de implementar, como uma alteração constitucional que retire a possibilidade quer à Assembleia da República quer às Assembleias Municipais de impedir a realização de referendos vinculativos apoiados por mais do que um certo número de eleitores. Ao tornar-se um defensor e facilitador da expressão da opinião pública, o BE irá seguramente ver crescer a sua influência social e política, até para além do eleitorado que vota tradicionalmente à Esquerda e no seio daqueles que habitualmente votam em branco ou se abstêm. Estas propostas permitiriam ainda ao BE apresentar-se como distinto de PCP e PS, desconfiados, por razões distintas, de tudo o que possa diminuir o poder dos aparelhos partidários.

No actual contexto social e político, não há nada mais subversivo do que devolver às pessoas a capacidade de decidirem colectivamente o seu próprio futuro.

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Contribuição para o fórum Debate Aberto no esquerda.net

13 comentários:

Banda in barbar disse...

é mais falta de diferenciação do PCP

e falta de credibilidade como partido político

em tempos de vacas gordas vota-se neles porque são folclóricos

em tempo de vacas magras não temos fé

na força do BE

Joana Lopes disse...

Gosto muito do teu texto, Pedro, mas julgo que pregas no deserto.

Pedro Viana disse...

Obrigado, Joana. Acho que todas as ideias minimamente apelativas têm o seu momento histórico, quando, por vezes repentinamente, recebem apoio suficiente para a sua implementação se tornar possível. Isto ocorre tanto à escala dum país, como no interior dum movimento ou partido. Não sei se vivemos esse momento histórico no que respeita às ideias que apresentei. Mesmo que não seja ainda o tempo certo para uma ideia, antes dele chegar tem de haver quem a mantenha viva no imaginário. Tento fazer por isso.

LAM disse...

Essa "via" atrai-me. O apelo à participação direta dos cidadãos, fora dos espartilhos e rasteiras habituais dos aparelhos partidários, pode dar certo e este é um bom momento para o começar a pôr em prática. Importa, para já e para lhe dar contornos mais precisos, concretizar as batalhas em que isso poderia ser posto em prática e em relação a quê. ("por exemplo defendendo eleições primárias à Esquerda para a escolha das candidaturas autárquicas" isto quer dizer o quê e a que esquerda se refere? ao próprio Bloco? é curto; a outra esquerda fora do Bloco? é impraticável).

Miguel Serras Pereira disse...

Bravo, camarada Pedro.

Abraço fraternal

miguel(sp)

Joana Lopes disse...

Completamente de acordo com a tua resposta, Pedro.

Pedro Viana disse...

Caro LAM, o que eu sugiro é que o BE assuma publicamente que sozinho terá muito dificuldade em eleger qualquer presidente de câmara nas próximas eleições autárquicas (em 2013). No entanto, o voto dos que habitualmente apoiam o BE poderá ser decisivo para que sejam eleitos presidentes de câmara quer próximos do PS quer do PCP. Portanto, a direcção do BE manifestaria quer ao PS quer ao PCP abertura para com eles iniciar um diálogo, ao nível das estruturas locais, com vista à identificação de manifestos comuns, sem entrar em demasiado detalhe. Ao mesmo tempo, seria proposto a estes partidos que caso haja acordo num manifesto comum, havendo assim potencial para a constituição duma coligação eleitoral local, o primeiro nome da lista conjunta, candidato a presidente de câmara, seja escolhido através dum processo eleitoral. Nestas eleições primárias qualquer pessoa poderia concorrer, desde que conseguisse mais do X assinaturas de apoio e concordasse com o manifesto da potencial coligação. Ainda, qualquer pessoa poderia votar em tais eleições primárias, desde que procedesse a um registo prévio (suponho que os militantes dos partidos envolvidos não teriam de o fazer). Quem ganhasse as eleições teria então de negociar com os partidos envolvidos os detalhes das propostas e a composição das listas eleitorais. Só no final de tal negociação se saberia se iria ou não haver coligação eleitoral.

Caso nem PS nem PCP aceitem a proposta de eleições primárias, existiriam duas alternativas. Ou as estruturas locais do BE decidem então negociar da maneira habitual a constituição duma coligação eleitoral. Ou essas estruturas decidem apresentar-se sozinhas às eleições, e então abrem um processo de eleições primárias para escolher o primeiro nome da lista eleitoral. De qualquer maneira, tornar-se-ia então clara a diferença entre BE por um lado e PS e PCP por outro, entre a abertura à sociedade e o aprofundamento da participação democrática, e o enquistamento partidário e o dirigismo do aparelho.

Momento a mu minto disse...

Acho que todas as ideias minimamente apelativas têm o seu momento histórico,mas acho que este já se finou.
Tanto a falta de momento (inérci al)
Como o restante temporal

Ah e as ideias

Não era a isto que se chamavam os sovietes?

duraram até 1917 ....

alguns pensam que duraram até 1919

são momentos muy curtinhos

é por estas e por outras disse...

o voto dos que habitualmente apoiam o BE é coisa que não existe

sempre foi um neo-PRD

nunca se diferenciaram é só isso

poderá ser decisivo para que sejam eleitos presidentes de câmara quer próximos do PS quer do PCP

repare-se que nem sequer se fala de apoiar independentes

apoia-se todo o déspota regional desde que seja da cor certa

Pedro Viana disse...

Quem escreveu o último comentário não deve ter lido a minha resposta ao LAM: as eleições primárias, quer restrictas ao BE quer no âmbito duma proto-coligação, deveriam (na minha opinião) ser abertas a qualquer pessoa que dê a sua concordância ao manifesto pré-eleitoral local, seja independente ou filiada em outro partido.

LAM disse...

Pedro Viana, compreendi melhor e acho que foi das opiniões mais viáveis que vi até agora, quer sobre o BE (instrumento) quer sobre o papel que a esquerda pode ter numa nova etapa da democracia, e que resulta duma leitura lúcida dos tempos que correm.
Parabéns e oxalá não caia em saco roto porque só esses caminhos que aponta podem tirar a esquerda do gueto onde insistem (os fora e os de dentro) mete-la.

Anónimo disse...

A evolução da ideologia politica de Pedro Vieira esbarra com um impasse trágico e consecutivo, enredando-se numa pragmática assustadora em torno da ocultação da hipótese Reforma/ Revolução; e que se acampanha por uma gongórica " construção " repleta por sequelas pífias da democracia representativa adstritas...Como dizia a Rosa Luxemburg, " A Reforma Social tem por função não limitar a propriedade capitalista, mas, pelo contrario, protege-la. Não constitui - economicamente falando - um ataque à exploração capitalista, mas numa tentativa de a proteger ".Confesso que fiquei estupefacto com a sua preocupação eleitoralista e municipalista...Niet

Anónimo disse...

As ideias aqui enunciadas podem reconduzir-se todas ao "Aprofundamento da democracia participativa", que é uma expressão que tem barbas no vocabulário político do PCP. Recordo-me que o Luís Sá era um fervoroso adepto do princípio. Se isso tem tido consequência nas práticas de uns e outros, são outros quinhentos. Quer-me parecer que não tem tido.

Mas a ir por aí, ao BE seria exigido mais do que ser um PCP-II sem sindicatos e autarquias. O BE cresceu eleitoralmente à sombra de um PS forte. Agora a cantiga é outra. Vamos ver que perfil terá o BE quando o PS voltar a crescer.
renegade