24/09/12

O estranho caso da notícia não-aparecida

Na passada sexta-feira, dia 21 de Setembro, o jornal Público apresentou na sua página 6 um excelente trabalho jornalístico, elaborado por João Ramos de Almeida, intitulado "Taxa de 0,3% sobre o património financeiro "paga" redução da TSU dos empresários" (acesso integral só para assinantes do Público). O resumo descreve de forma clara as conclusões: "Há outra forma de responder à exigência do Tribunal Constitucional. Em vez de cortar 7% nos salários para estimular a competitividade das empresas, a riqueza financeira detida em Portugal pode contribuir". Ora, o Público, ao longo dum dado dia, disponibiliza no seu website alguns dos trabalhos jornalísticos que publica na versão impressa do jornal desse dia. Supondo que tais trabalhos não são escolhidos de forma aleatória, esperaria que fossem seleccionados aqueles cuja qualidade sirva para exemplificar o trabalho jornalístico que se faz no Público, e com suficiente interesse para aumentarem o número de leitores do website do Público. Dado que o trabalho jornalístico acima mencionado claramente preenche tais requisitos, só posso concluir que terá havido quem se tenha sentido incomodado pelas suas conclusões, e assim decidido que o melhor seria minimizar a sua divulgação. É que a notícia demonstra claramente como o governo poderia facilmente obter financiamento para não só reduzir a TSU para as empresas, algo que parece que deixou de estar em cima da mesa na sua forma mais abrangente, como para diminuir o défice do Estado sem ir ao bolso de quem trabalha. Fica provado que o Tribunal Constitucional tinha razão ao afirmar que o corte dos subsídios de férias e Natal aos funcionários públicos pode ser substituído por uma efectiva tributação do Capital, até agora inexistente. No mesmo sentido, vão as recentes propostas apresentadas pela CGTP. Como acho que a informação veiculada no trabalho jornalístico em causa é de grande interesse público, aqui deixo as partes mais importantes:

"Se o Governo insiste em reduzir a taxa social única (TSU) das empresas de 23,75 para 18%, pode fazê-lo sem agravar a TSU dos trabalhadores. Bastaria tributar em 0,3% o património financeiro detido em Portugal (sem depósitos bancários), uma taxa semelhante à taxa mínima de IMI paga pelos donos de imóveis e que daria a receita de 2500 milhões de euros que o Governo espera com a polémica medida. 

(...) O Governo tem dois problemas: responder à exigência do Tribunal Constitucional (TC) de uma maior equidade na repartição dos esforços de quem paga a austeridade; e estimular a economia, para evitar a espiral recessiva que as medidas de austeridade implicam. Para o Governo, a única resposta ao TC é alargar aos assalariados do sector privado a desvalorização salarial. Mas há opiniões, onde se inclui a do bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, que defendem o seu alargamento ao capital.

Ora, uma das medidas possíveis seria considerar o património financeiro em Portugal, isto é, depósitos bancários, títulos, acções, unidades de participação em fundos de investimento, reservas técnicas de seguros e outras. Tributar a riqueza financeira não é uma ideia nova. Na actualidade, o património encontra-se, sobretudo, em bens financeiros.

(...) Para evitar a tributação das pequenas poupanças (presume-se que as maiores estejam já fora do país) e como forma de evitar uma corrida aos depósitos bancários, optou-se por retirar dos cálculos os 262,2 mil milhões de euros que, segundo o Bando de Portugal, existiam em 2011 em depósitos bancários e que representavam 22% do património financeiro. Retirou-se também os activos das administrações públicas (74 mil milhões).

Mesmo assim, o total de activos brutos representava aproximadamente 847,3 mil milhões de euros. Os grandes grupos repartiam-se por empréstimos (43%), acções e outras participações (22%) e títulos vários, incluindo derivados financeiros (18%). Quem detinha estes activos? Sociedades financeiras (61%), os particulares (26%) e as sociedades não financeiras (13%). 

Foi dessa base que o PÚBLICO partiu. Imagine-se dois cenários (ver infografia). No primeiro, o Governo mantém a redução da TSU para as empresas (de 23,75% para 18%), mas elimina o agravamento da TSU dos trabalhadores (de 11% para 18%). Essa opção custa 2500 milhões de euros, incluindo os 500 milhões para reduzir o défice. 

Há várias alternativas. Primeiro, uma tributação dos activos financeiros brutos em 0,3%, uma taxa igual à taxa mínima do IMI. Essa receita teria de ficar consignada na lei como receita da Segurança Social. Pode alegar-se que esse património não é real, porque pode ter sido adquirido nomeadamente por empréstimos. A solução seria tributá-lo pelo valor líquido (diminuído dos empréstimos). Mas essa opção seria já uma benesse face à tributação de imóveis: o IMI incide sobre o valor da avaliação do imóvel, sem contar com os empréstimos contraídos pelos compradores. E teria outro problema: apenas os particulares têm activos financeiros líquidos positivos. As sociedades, tanto financeiras como não financeiras, devem mais do que possuem. Mesmo assim, se o Governo optasse por tributar só os particulares, a taxa seria de 6,4% do património financeiro líquido (sem depósitos).(...)"

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