28/09/12

Um editorial do "Passa Palavra" e as suas perspectivas de antecipação de "outro carreiro"

Aqui fica a conclusão de um editorial do Passa Palavra, assinado pelo colectivo da revista, cuja discussão nunca será demais recomendar hoje mesmo, se quisermos evitar que o "outro carreiro", que alguns nos propõem como palavra de ordem, faça mais do que um rodeio que nos reconduza ao mesmo formigueiro.

Pelo meu lado, solidarizando-me com a perspectiva "autogestionária" e radicalmente democrática proposta pelo documento, limitar-me-ei para já a deixar uma questão de ordem geral, ainda que não sem consequências práticas, que uma perspectiva de inspiração idêntica não deve esquivar: creio, com efeito, que, quando se fala da "raiz económica dos problemas que afectam as condições de vida e de trabalho", seria necessário especificar mais claramente que essa raiz económica é produzida e criada pela organização política, pela organização das relações de poder, do conjunto da sociedade, e que é tendo-o presente, e assumindo-as como questão política fundamental, que melhor poderemos agir democraticamente em vista da sua transformação. 


O rumo dos acontecimentos políticos respeitantes à classe trabalhadora depende sempre do choque entre a sua auto-organização e a possibilidade de reconstituição das hierarquias dentro da classe. No caso dos manifestantes de 15 de Setembro existem inegavelmente ambiguidades nos discursos que se ouviam aqui e ali e nos cartazes que exibiam. À incompreensão da raiz económica dos problemas que afectam as condições de vida e de trabalho soma-se um desejo de ajustar contas com os “políticos”, chegando nalguns casos a desejar-se a substituição do actual elenco ministerial por governantes impolutos e competentes.

Mas se as ambiguidades do seu discurso são evidentes, a sua prática efectiva de tomar as ruas mostra um aspecto politicamente audaz e espontâneo, sem o qual não há lutas sociais possíveis. Em termos ideais, seria mais “fácil” superar essas ambiguidades políticas se a esquerda também não as tivesse. A existência de vanguardas nas lutas sociais é até certo ponto inevitável e, em termos estritamente de dinamização política, até pode ser necessária. Como sempre sucede nas lutas sociais, o mais importante é que as vanguardas […] nunca se cristalizem e se burocratizem e, por outro lado, que o movimento de consciencialização política e de definição de relações solidárias extravase sempre os sectores mais activos e mais dinâmicos e vá diluindo progressivamente as fronteiras entre a vanguarda e a classe.

Por isso, em termos práticos, e face ao actual panorama de recuo de uma esquerda anticapitalista e antinacionalista em Portugal, a breve prazo só a manutenção de uma disponibilidade para lutar e para sair à rua poderá funcionar como uma escola mínima de aprendizagem para os trabalhadores que têm aderido a estes protestos. Se a crítica que fazem à prepotência do governo e da troika tiver alguma ressonância nos locais de trabalho e se o movimento mantiver uma certa autonomia relativamente às tentativas de enquadramento dos vários partidos, sindicatos e grupos de esquerda, já não será coisa pouca.

1 comentários:

Anónimo disse...

" A Comuna de Paris entusiasma os corações, não pelo que realizou mas pelo que promete efectivar um dia ",sublinhou P. Kropotkine num texto ditirâmbico sobre a " Grande Revolução " do séc.XIX.
Ando há horas intermediadas a tentar dar pano a este apontamento do MSP sobre uma magnifica e produtiva analise do " Passa Palavra ", tudo em torno do alto significado da manif. de 15 Setembro p.p em Lisboa e em várias cidades do país. Pensei alinhavar algumas teses do "Commenwhealt", de Negri e Hardt, que me parecem muito pertinentes e não andam muito longe da autogestão preconizada por Castoriadis e Vaneigem, apesar da multiplicidade teórica implicita na sua assunção militante. Ora vamos lá depressa( que se faz tarde):" A política tradicional é sempre a razão de Estado. Para a matar, é preciso acabar comn o sistema espectacular-mercantil e a sua organização de protecção, o Estado. Não existe parlamentarismo revolucionário como não existe nem existirá Estado revolucionário. Entre os regimes parlamentares e os regimes ditatoriais, não existe a diferença senão entre a força da mentira e a verdade do terror. Como toda a ideologia, como toda a actividade separada, a política recupera as reivindicações radicais para as estilhaçar e as transformar no seu oposto. Por exemplo, a vontade de mudar de vida torna-se nas mãos dos partidos e dos sindicatos, uma reivindicação de salário, uma reclamação de Tempo Livre e outras medidas de sobrevivência, que não
fazem senão aumentar a "chatice ", tornando-a mais ou menos confortável..."( R. Vaneigem/ Ratgeb). Salut! Niet