14/01/16

Uma troca de mails com o João Bernardo: o multiculturalismo e o politicamente correcto

On 16/01/14 13:17, "João Bernardo" wrote:

Caro,
Olha só o que encontrei no verbete da Wikipedia sobre David Duke:

British National Party
In 2000, Nick Griffin  (then leader of the British National Party  in the United Kingdom ) met with Duke at a seminar with the American Friends of the British National Party .[112]  This meeting, as well as a quote from Griffin where he said:

Nick Griffin - Wikipedia, the free encyclopedia
en.wikipedia.org
Nicholas John Griffin (born 1 March 1959) is a British politician who represented North West England as a Member of the European Parliament (MEP) from 2009 to 2014.

instead of talking about racial purity, we talk about identity ... that means basically to use the saleable words, as I say, freedom, security, identity, democracy. Nobody can criticise them. Nobody can come at you and attack you on those ideas. They are saleable.

—Nick Griffin[113] [114] [115]
This was widely reported in the media of the United Kingdom, as well as the meeting between Duke and Griffin, following electoral successes made by the party in 2009.[113] [114] [115]


Abraço do
João Bernardo

De: Miguel Serras Pereira
Enviado: quinta-feira, 14 de janeiro de 2016 15:22
Para: João Bernardo
Assunto: Re: Multiculturalismo e politicamente correcto


Caro,

Pois é. Há quem aprenda mais do que a esquerda fracturante com o que a esquerda fracturante diz. Esta corre o risco de ser mater et magistra da extrema-direita. E, por exemplo, a propósito dos incidentes de Colónia, ainda não ouvi ninguém à esquerda dizer que, se são resultado de uma identidade cultural diferente, então, a cultura e a identidade em causa devem ser combatidas.

Abraço

miguel


16:17, "João Bernardo" wrote:

Caro,

Uma vez li uma entrevista que uma feminista da Usp tinha feito no México a um dirigente de uma rádio activista dos indígenas de Chiapas, se não me engano era este o distrito. A menina perguntara acerca da situação das mulheres indígenas e o sujeito da rádio dissera que elas cuidavam da casa e dos filhos e assim por diante. Eu coloquei um comentário perguntando se o feminismo se resumia às brancas da Usp e se descrescia com o aumento da taxa de melanina, isto antes de intervenções minhas estruturadas contra o feminismo pós-moderno, mas bastou aquele comentário para assinar a minha sentença junto às meninas da Usp.
Noutra ocasião vi um vídeo em que o cacique de uma comunidade índia do Brasil, não me lembro qual, falava da luta do seu povo, e era sempre ele quem falava, mais ninguém intervinha, enquanto em pano de fundo se viam mulheres a preparar a comida. Eu critiquei esse vídeo, perguntando se seria aceite de bom grado a difusão de um vídeo sobre uma greve em que só falasse o dirigente do sindicato enquanto, por detrás, se veriam as esposas dos sindicalistas a tratar dos farnéis. Notei que a minha observação não foi recebida com entusiasmo. Entretanto, há algumas semanas atrás, no norte da Nigéria, o Boko Haram atacou um autocarro e, como de costume, ordenou que os passageiros muçulmanos se separassem dos cristãos, devendo os cristãos ser mortos. Sucede que os muçulmanos se recusaram a fazê-lo e alguns emprestaram mesmo aos cristãos certos trajes que assinalam a religião islâmica. Os facínoras do Boko Haram tiveram de ir embora não matando ninguém. Da próxima que isto acontecer, suspeito que matem todos. É pena que os multiculturalistas não extraiam a lição de coisas assim. E, a propósito, creio que sabes o que significa Boko Haram. É um bom exemplo de Epistemologia do Sul.

Até breve e um abraço do

João Bernardo

6 comentários:

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Peço perdão mas julgo que estão os dois a atirar ao lado :

1/ Até ver, não conheço ninguém que defenda que os acontecimentos de Colonia são aceitaveis, ou que a "cultura" ou as "tradições" poderiam ser invocados como desculpas aceitaveis para os justificar. Pode haver quanto muito, mas em contextos muito diferentes deste, quem considere que a cultura, ou alias a falta dela, podem servir como atenuantes, na medida em que privam uma pessoa da compreensão da regra, mas isso não tem rigorosamente nada a ver com o que se passou na Alemanha. Julgo evidente que, neste caso, toda a gente condena os comportamentos, sem qualquer hesitação, e sem que isso possa servir como fundamento para estigmatizar uma comunidade no seu todo, nem alias para esquecer que o problema dos refugiados não se limita às dificuldades ligadas aos comportamentos selvagens que alguns deles possam ter. Como é obvio, se houve, e aparentemente houve, reticência em fazer alarde à volta do incidente, não foi porque a policia pensou com os seus botões "não ha crise, são apenas mulheres, elas que aguentem", mas porque o contexto presta-se a estigmatização e instrumentalização. O procedimento foi infeliz, e criticado como tal, mas a preocupação é perfeitamente legitima.

2/ Quanto à questão da forma como se encaram as reivindicações identitarias de povos que têm outra historia do que a nossa, também acho muito curto o raciocinio. Somos todos a favor da igualdade e da dignidade, mas ela começa pelo respeito, que implica uma adesão interna aos valores. E' obvio que isso acarreta dificuldades com sociedades que vivem de uma forma que nos é completamente estranha. So que esta dificuldade, nos dias de hoje, levanta-se em ocorrências tão raras que são desprovidas de qualquer relevância politica. Isto porque, ao querermos civilizar à força selvagens, acabamos de facto por extermina-los quase todos, e como sabemos o respeito da igualdade é universalmente acatado entre os mortos. A relação entre este problema e as reivindicações identitarias das comunidades emigradas nos paises ricos é nenhuma. Que eu saiba, estes ultimos aderem completamente aos principios que subscrevemos, incluindo a igualdade entre os sexos. Pelo menos não vejo ninguém, em Portugal ou em França, que ponha em causa este principio. Alias, aqueles que se batem contra as discriminações fazem-no principalmente em nome da igualdade...

Abraços

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João Viegas,

quanto ao primeiro ponto, alguma coisa te escapou. Em todo o caso, não é essa a minha percepção.
Quanto ao segundo ponto, é evidente para mim que os usos e costumes devem ser aceites na medida em que não sejam contrários, digamos, aos direitos e liberdades fundamentais duramente conquistados na Europa. E SE (repara no condicional, que já usei no post) me disseres que alguns desses usos e costumes se baseiam em crenças e princípios culturais profundos, então, lamento muito, mas mantenho que devem ser combatidos do mesmo modo que o foram — e não havia alternativa — os que, na Europa, lhes são comparáveis. Não vejo por que razão deveremos tolerar ou atenuar a pretexto de serem elementos de outra "cultura" ou "identidade" que não toleramos e condenamos sem atenuantes nas nossas sociedades. Como sabes, há muitas "culturas" ou versões religiosas do mundo nas quais a superioridade da lei divina e dos seus intérpretes autorizados é um princípio inegociável que deve ser imposto pelos governantes. Devemos ou não combater e recusar semelhantes princípios, negando-lhes o direito de cidade? Devemos ou não exigir que aqueles que, professando-os, vivem connosco se abstenham de os pôr em prática sob a forma de imposição ou constrangimento dos demais? E tal como impomos aos cristãos que não nos queimem se caricaturamos Cristo ou blasfemarmos, não teremos o direito e o dever de impor aos crentes de outras fés a mesma parcimónia e regras de convivência? Será isto impor aos outros princípios culturais que lhes são estranhos ou que a sua cultura não admite? Talvez — depende da interpretação que dermos a certos termos —, mas, se sim, tanto pior para essa cultura, cujo reforço só pode significar um enfraquecimento da extensão da democracia.

Um abraço

miguel

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Ha dois pontos muito diferentes no teu comentario.

1/ O primeiro é a questão da hipotética tolerância que poderiamos ter em relação a comportamentos como os que ocorreram em Colonia. Quanto a este ponto, repito, não vejo como possa haver a minima tolerância. Não vi ninguém defender semelhante tese, mas admito ter passado ao lado de alguns textos mais infelizes. Seja como for, é obvio que acho perfeitamente estupido, e alias profundamente inconsequente caso venha de pessoas que se reclamam do "multiculturalismo", defender-se que deveriamos ter a minima complacência em relação a este tipo de actos a pretexto de que seriam "culturais" ou comportamentos normais para os muçulmanos. Alias a asneira começa precisamente neste ultimo ponto : é mais ou menos tão errado defender que se trata de um comportamento normal para um muçulmano, como defender que queimar hereges é um comportamento normal para um cristão, escravizar africanos um comportamento normal para um português ou exterminar judeus um comportamento normal para um alemão...

O meu comentario anterior prende-se alias com este ultimo aspecto. Não confundamos reacções de complacência com reacções que pretendem evitar que se façam amalgamas e que se conclua da selvajaria dos imbecis de Colonia à selvajaria do Arabe e do Africano em geral. Julgo que concordaras que o risco de amalgama esta longe de ser nulo, de forma que a preocupação em evita-lo parece legitima...

2/ Outro problema, muito interessante, é a questão do relativsimo moral. Julgo que ela não tem a ver com os factos aludidos acima. Com efeito, os muçulmanos que vivem nos paises europeus e que se vêem obrigados a organizar-se contra as discriminações - que são aqueles que são muitas vezes apontados como "identitarios" - não têm problemas com os principios fundamentais das sociedades em que vivem. Aceitam perfeitamente a igualdade republicana. Alias não fazem mais do que reivindicar a sua aplicação em seu beneficio. A fantasia de uma "islamização" das sociedades europeias não corresponde a nenhuma realidade, tirando casos anedoticos perfeitamente isolados, quando não atiçados ou mesmo fomentados pela propagando da extrema direita.

Mas a questão do relativismo moral não deixa de levantar-se noutros contextos. O relativismo moral choca com a nossa preocupação natural de procurar assentar as nossas convicções éticas (e politicas) em principios firmes, que gostamos de acreditar universais e absolutos. Esta forma de ver as coisas tem muito que se lhe diga de um ponto de vista filosofico. Vou procurar escrever um post sobre o assunto e, se quiseres, continuaremos o debate por la.

AForte abraço

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João,
fico a aguardar as reflexões que anuncias sobre o relativismo com expectativa e un brin d'impatience. No entanto, as objecções que formulas a certas posições não me parece que se apliquem ao conteúdo da minha troca de mails com o João Bernardo. Só isso.
Robusto abraço para ti

miguel(sp)

Anónimo disse...

fará parte de alguma variante da cultura muçulmana o ataque organizado de homens em manada a mulheres? ou o que aconteceu terá outra origem e logo outra leitura, menos básica?

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo das 9 e 28, 17-01

Nem o João Bernardo nem eu próprio, tanto quanto consigo ver, acusámos qualquer "variante da cultura muçulmana" do ataque às mulheres de Colónia. Por mim, pois não estou mandatado para falar pelo JB, o que acuso é a posição "multiculturalçista" daqueles que agora se calam ou tentaram antes atribuir as culpas do massacre dos membros da redacção do Charlie Hebdo, etc. às vítimas e ao seu desrespeito pela cultura muçulmana. Mantenho a conclusão que enuncio no post: " … SE são resultado de uma identidade cultural diferente, então, a cultura e a identidade em causa devem ser combatidas" — e, do mesmo modo, penso que o Miguel Madeira põe o dedo na ferida no post que aqui escreveu sobre o mesmo assunto.

Saudações democráticas

msp