13/04/16

A estranha aliança que apoiava Dilma

Hoje é notícia que a presidente do Brasil perdeu mais um aliado: "Partido Progressista bate com a porta - Presidente perdeu o seu maior aliado no Congresso a poucos dias da votação que pode decidir o seu futuro"; antes o principal aliado era o PMDB, do vice-presidente, que passou para a oposição há umas semanas.

Ora, o Partido Progressista era a antiga ARENA - o partido dos governos militares, que desde 1979 anda a mudar periodicamente de nome; já o PMDB era o antigo MDB, o único partido da oposição que era autorizado pela ditadura.

Esta aliança do PT com o PMDB e com o PP (e creio que mais uma carrada de partidos) parece-me reveladora da autêntica caldeirada ideológica que consistia a base de apoio de Lula e Dilma; e a crise atual é provavelmente consequência disso, por duas razões: por um lado, a falta de coerência ideológica dos governos do PT obrigava-os a "subornar" (literal ou metaforicamente) deputados para eles continuarem a apoiar o governo (e daí aos esquemas de corrupção que estão agora a ser desvendados vai um saltinho); e por outro essa falta de coerência levou a que a coligação se tivesse desfeito em três tempos, deixando Dilma vulnerável a ser destituída pelo parlamento.

4 comentários:

Libertário disse...

Ainda bem que algumas pessoas da esquerda portuguesa começam a entender um pouco mais da complexidade da situação política brasileira. Lula governou aliado a alguns dos partidos mais conservadores e corruptos, incluindo o PMDB, onde estão muitos dos ex-apoiantes, como Sarney, da ditadura não obstante ter sido o partido da oposição legal durante a dita.
A aliança do PT com Sarney, Collor e Maluf foi pornográfica e só pode ser explicada à luz de um maquiavelismo político grosseiro. Quando alguns argumentam com os deputados e senadores corruptos que são favoráveis à destituição de Dilma, esquecem que até agora a maioria deles fazia parte da base governista e que o PT fez da corrupção um meio de manter esses aliados desde 2002...Agora, como disse Maluf, está acontecer o «efeito manada», já não há controle possível, ganhe ou não o impeachment...
Podemos dizer, sem risco de errar, que um governo que tem como ministra da agricultura Katia Abreu, um mulher ligada aos grandes proprietários e aos agro-negócios, nunca podia ser um governo de mudança social no Brasil! Por isso mesmo a Reforma Agrária nunca avançou ao longo destes anos de Lula-Dilma no Poder. Podemos falar também do abandono das principais reformas prometidas, da militarização das favelas, da repressão nas ruas, da falta de compromisso com as terras indígenas, do abandono das causas ambientalistas etc., etc.
Dito isto sobram alguns programas sociais assistencialistas que ajudaram alguns dos sectores mais pobres da sociedade a sobreviver face a um sistema absurdamente injusto.

Niet disse...

O PIB brasileiro caiu quase 5 por cento em 2015, ao mesmo tempo que o volume do desemprego e a inflação disparavam quase para o dobro em relação à média da década anterior. Por outro lado, como explicou Pierre Salama no Libération, o sinistro plano dos anos 90 de " reprimarização " erguido pela direita,o antigo PR. F. Henriques Cardoso e o seu partido PSD,desarmou a economia carioca pelo agravamento da desindustrialização, lançando virus portentosos no estado comatoso da economia. Que, como F.Henriques Cardoso o incentivou, se distinguiu pela criação de um mirifico país exportador de matérias primas, que a crise de 2008 veio a laminar e agravar. O que parece, além do renascer de uma burguesia latifundiária muito de direita no consulado de F.H. Cardoso, é que Lula e Dilma deixaram correr o marfim e foram confundidos com a miragem sinistra de uma economia sem estruturas nem competividade industrial para fazer face aos grandes desafios do dealbar do séc. XXI. Niet

Anónimo disse...

Sem pretender assumir um conhecimento especializado da economia que não tenho, sou de opinião que a economia brasileira está a sofrer com a crise global e com algumas das suas especificidades, de que fala Niet, de ser um grande exportador de matérias primas e produtos agrícolas. No entanto, o Brasil é também uma grande economia industrial que tem problemas fundamentais de não ter criado ainda muitas das infraestruturas básicas, e não ter desenvolvido um um mercado interno à sua escala. Tudo isto relaciona-se também com uma estrutura estatal monstruosa pré-moderna que delapida recursos públicos significativos, que são desviados pelas classes dominantes e elite política. Sem mudanças sociais significativas no que se refere à propriedade rural, um sistema tributário que obrigue as classes dominantes a pagar impostos e um combate decisivo à corrupção e à apropriação dos recursos públicos, o Brasil continuará a ser uma sociedade de futuro incerto. Mas estas mudanças, só irão ocorrer se forem impostas pela sociedade às classes dominantes e aos partidos. A todos eles...

Ricardo Antunes disse...

“A degradação institucional brasileira chegou ao seu ponto mais agudo”

por Ricardo Antunes [*]
entrevistado por Raphael Sanz e Valéria Nader [**]

Correio da Cidadania: Qual sua avaliação da crise política acentuada a partir do último dia 4, com a condução coercitiva do ex-presidente Lula à Polícia Federal, a nomeação de Lula para a casa Civil e a sequência do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff? Podemos falar de uma espécie de golpe parlamentar, como você sugeriu em entrevista para este Correio em novembro de 2015?

Ricardo Antunes: De fato estamos vivendo uma situação brasileira muito diferente e profundamente crítica se compararmos com o cenário que estávamos vivendo desde meados dos anos 80, quando começou o processo da chamada “abertura” e, depois, com as eleições diretas em 89, que levaram ao início de um período relativamente democrático no Brasil. O quadro se acentuou profundamente nesse último ano por três ou quatro elementos que vale a pena serem aqui indicados.
O primeiro elemento fundamental é que se encerrou o ciclo do governo do PT, que começou com Lula em seus dois primeiros mandatos, seguiu com o mandato primeiro da Dilma e agora este segundo mandato dela. Pouco mais de um ano e alguns meses do início do segundo mandato, a crise chega ao seu ponto mais profundo.
E por que chegamos a essa crise do governo do PT? Primeiro porque todo o projeto de governo foi construído em cima de uma arquitetura, de uma engenharia política elaborada por um mestre da conciliação brasileira, o Lula. Aquela ideia de que esse país só avançaria se ele fosse capaz de organizar, vincular e aliar os dois polos da tragédia brasileira. Em um polo, os setores da alta burguesia financeira, agroexportadora, industrial, comercial e de serviços; uma burguesia, por suposto, predatória, que há décadas vem acumulando riquezas através da penúria, da exploração e até mesmo da super exploração da classe trabalhadora brasileira.
Esse projeto sustentado em uma engenharia política fundada na conciliação entre classes visava beneficiar os mais ricos, minimizar o pauperismo dos mais pobres e levar a um ganho relativo das camadas médias. Essa foi a engenharia do Lula que de certo modo o faz ser o único político brasileiro, no que concerne à conciliação, a ser comparado a Getúlio Vargas no passado. Vargas foi por excelência um homem da conciliação, ainda que o desfecho dele tenha sido trágico com seu suicídio em 1954. E isso aconteceu porque naquele momento sua política de conciliação entrava em uma fase crítica.
Por que essa atual política poli-classista, de conciliação de polos opostos de extrema riqueza e extrema pobreza, faliu? Por alguns elementos. A incapacidade do PT de perceber a profundidade da crise econômica, que começou em 2008 e que chegou de modo devastador aos BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China –, e também à Venezuela e vizinhos sul americanos, com mais intensidade a partir de 2013, até tornar-se uma crise profunda, como estamos vendo agora a partir 2015. Além dessa crise econômica que tem componentes globais, ela é uma crise desigual e combinada, ocorre com mais ou menos intensidade em regiões e espaços nacionais. Começou no norte do mundo – Europa, Estados Unidos e Japão –, mas acabou chegando ao sul e aos países intermediários da periferia.
Essa crise solapou e fez ruir o mito petista da conciliação e do equivocadamente chamado “neodesenvolvimentismo”. Este mito neodesenvolvimentista ruiu a partir das rebeliões de junho de 2013, quando o PT estava comemorando o seu aniversário de 10 anos do governo Lula. A degradação pública da saúde, da educação e do transporte coletivo, somada a outras, começava a vazar pelo ralo, mostrando que o mito de um país neodesenvolvimentista que caminhava para o primeiro mundo era uma ficção desprovida de qualquer lastro material.

[…] O original encontra-se em www.correiocidadania.com.br/