05/04/16
Corrupção versus Desigualdade: quem determina o quê?
por
José Guinote
No post anterior o Miguel, coloca em confronto o combate à corrupção com o combate à desigualdade. A tese de que o combate à corrupção, por si só, permitiria legitimar a desigualdade existente, escapa-me à compreensão, devo dize-lo. O que eu tenho percebido ao longo de anos é o facto de a corrupção funcionar como um mecanismo de construção e de radicalização da desigualdade. A transferência de bens públicos para mãos privadas, agudiza as condições de desigualdade pré-existentes, sendo que as sociedades mais corruptas são aquelas nas quais a desigualdade é maior, como mostram os estudos de Richard Wilkinson ou de Stewart Lansley. Por isso combater a corrupção - e não estou seguro que, tal como afirmei aqui, o processo do Panama Papers, se traduza num processo de combate à corrupção - nas sociedades de economia de mercado, como a nossa, é uma forma eficaz de combater a desigualdade, impedindo que ela se agudize e possibilitando até a sua regressão. Eu devo dizer que considero a desigualdade o quarto D da revolução do 25 de Abril. O D negro, inexistente nos objectivos iniciais, mas dolorosamente presente no dia-a-dia de todos nós. Acho, ao mesmo tempo, que a desigualdade chocante com que nos confrontamos hoje em dia, é o resultado de um longo processo de construção política, liderado pela direita, é certo, mas a que a esquerda não foi estranha. [Acho, aliás, patéticas as tentativas de construir uma retoma económica sem enfrentar em primeiro lugar as condições da desigualdade] A eficácia deste processo, foi muito facilitado pelos níveis chocantes de corrupção que caracterizam a nossa sociedade. Posto isto eu diria que este combate à corrupção e à desigualdade não admite nenhum tipo de hierarquia temporal. Deve decorrer ombro a ombro.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
Caro José Guinote, se não me engano muito, comecei o meu post por dizer que não deveríamos subestimar o alcance revelador dos Panama Papers. E, do mesmo modo, não escrevi que, por si só, em si mesmo, ou (menos ainda) necessariamente, combater a corrupção fosse legitimar a desigualdade. A minha ideia foi só recordar aos distraídos, ou aos interessados na distracção dos demais, que um dos traços fundamentais, uma condição sine qua non, da economia política dominante é a desigualdade. E também que esta desigualdade, juntamente com a organização hierárquica do poder, são as razões seminais da corrupção. Assim, deste ponto de vista, o regime oligárquico que nos governa pode fazer sua — com maior ou menor hipocrisia iu sequer verosimilhança — a bandeira do combate à corrupção. Mas o mesmo NÃO vale para a (des)igualdade. Daí que seja à minha compreensão que escapa que razões poderás ter a objectar-me. Querer e reivindicar a democratização das relações de poder, avançar na direcção da cidadania governante, não se limita a reivindicar oligarcas insuspeitos de corrupção, mas terá de visar o fim da oligarquia.
Abraço
miguel(sp)
Miguel não me parece que o regime oligárquico a que te referes faça sua a bandeira do combate à corrupção. Mesmo admitindo a hipocrisia e inverosimilhança a que referes, as oligarquias não chegam a tanto. Concordo contigo que de todo não combatem a desigualdade. Mas também aí, nesse particular, podemos encontrar a mesma hipocrisia puramente retórica.
O regime talvez não combata a corrupção — ou fá-lo, pelo menos, menos do que a alimenta e engendra. Mas pode denunciá-la verbalmente e terá, tant bien que mal, de a conter dentro de certos limites, sob pena de decomposição. O mesmo não se passa com a desigualdade de rendimentos e de poder: a economia política dominante tem nela condição necessária, tanto prática como conceptualmente e o mesmo vale para os seus aparelhos de Estado, que requerem a distinção estrutural e permanente entre governantes e governados.
miguel(sp)
Urge não esquecer e de forma capital e incontornável realçar o papel da burocracia -grupo social particular que exerce a dominação económica e politica agravando as cruciais assimetrias do "sistema", quer "socialista" quer capitalista - como sublinhou Castoriadis nesse texto essencial e premonitório de 1978 sobre " O Regime Social da Rússia". " As relações de produção na Rússia são relações antagónicas, que dividem e opõem dirigentes e executantes.Implicam a exploração dos produtores ( operários, camponeses, trabalhadores dos serviços) e também a sua servidão a um processo de trabalho e de produção que escapa inteiramente ao seu controlo.(...). Na Rússia( como nos países de Leste da Europa,na China, etc), é a burocracia( das empresas, da economia, do Estado e sobretudo do PCUS), que dispõe colectivamente dos meios de produção , da gestão do horário laboral e dos resultados da produção. Sob o disfarce da forma juridica da " propriedade nacionalizada( estadual), ela gere o jus fruendi, utendi et abutendi. Desse dispositivo, a etatização e a planificação burocrática constituem os meios adequados e necessários. A burocracia dispõe dos meios de produção e da produção " estaticamente " a todos os instantes.Faz a partir disso o que quer, fisica e economicamente, tanto ou mais que um capitalista faz o que deseja do " seu " capital.Mas sobretudo, dispõe desses meios de uma forma dinâmica. Decide a forma e os meios pelos quais a mais-valia é extraida da classe trabalhadora, da respectiva taxa de mais-valia e da sua afectação( da sua repartição entre consumo burocrático e acumulação, assim como da orientação dessa acumulação).(...) Esta natureza das relações de produção, e do regime social, está inscrita na materialidade dos meios de produção e agenciada por eles. Como instrumentos de trabalho- pela forma e o conteúdo que imprimem ao processo de trabalho -, esses meios visam a assegurar a servidão dos produtores ao processo de trabalho, quer pela natureza do trabalho que impõem, quer pelo tipo de organização do trabalho e da empresa que erguem. Como instrumentos de produção - pela natureza dos produtos que devem produzir- incarnam a orientação imprimida à vida social pela burocracia, os seus fins especificos, os valores e as significações que subjugam a própria burocracia ", C. Castoriadis: La société bureaucratique, pags 555/6/7. O.C.Tome V. Niet
A corrupção, é a meu ver, um fenómeno generalizado de apropriação da riqueza social por parte da elite política e burocrática que desempenha um papel fundamental para as submeter aos interesses das classes dominantes. Mas o que se está demonstrando no Brasil é que a corrupção desempenha também um papel central na integração da esquerda que chega ao Poder nos mecanismos de redistribuição do Sistema neutralizando a sua capacidade, e possibilidade, de transformar radicalmente a sociedade. Isto vale também para o que aconteceu em África com os antigos movimento de libertação.
Não deixa de ser curioso ver a ambiguidade como este fenómeno é tratado pela esquerda tradicional que substima a sua importância já que permanece presa aos seus modelos marxistas de análise económica. A questão do Estado e do Poder continuam em aberto no campo anti-capitalistas desde os debates na AIT, no século XIX e nas primeiras décadas do século XX...
A burocracia partidária institucional nas democracias representativas hodiernas funciona como a "sede" do verdadeiro poder politico. E como este se encontra em correlação( onde controla e superintende) com o executivo, o legislativo/ judiciário, que geram uma mediação sucessiva positiva ( ou totalitária) no exercicio do poder governamental, ai se focalizando a erupção dos fenómenos de corrupção. Tudo isto, como o Libertário deve saber, são questões imensas, e que eu costumo dizer que só eventualmente se poderão esclarecer, com uma análise social-histórica multidisciplinar, onde a obra de Castoriadis pode e deve servir de guia...para a acção, claro. Niet
Enviar um comentário