27/07/18

Empregos mínimos garantidos?

Uma ideia que parece estar a ganhar tracção (p.ex., é umas das propostas de Alexandria Ocasio-Cortez, a autoproclamada socialista que ganhou as primárias Democratas para ser candidata pelo "14º distrito" - parte do Bronx e de Queens - de Nova Iorque, contra um dos supostos líderes do partido) é a do "job guarantee", isto é, um sistema em que qualquer pessoa poderia ter um emprego no Estado se assim o desejasse (significando que quem não conseguisse ou não quisesse arranjar um emprego no sector privado poderia sempre ir trabalhar para o Estado). Neste momento, essa ideia parece-me a grande rival do Rendimento Básico Incondicional na categoria "novas ideias para adaptar o estado social às condições do mundo de hoje".

A respeito dessa ideia, temos aqui um artigo ("Basic Income, not Basic Jobs: Against Hijacking Utopia") de Scott Alexander criticando-a e outro de Paul Krugman mais ou menos a defendê-la.

Mas há uma crítica que vi há uns anos que me parece relevante - do que a "job guarantee" não passa de "glorified workfare",  isto é, apenas uma versão com um título mais positivo daquelas ideias de "pôr os desempregados e os beneficiários do RSI a limpar as matas". E no fundo a diferença parece-me muito de "framing"; e nem precisamos muito de ir mesmo para a questão do "job guarantee" para ver como uma pequena diferença de vocabulário pode alterar quem simpatiza em que discorda de uma proposta: compare-se A) o já referido "deveríamos pôr os desempregados e os beneficiários do RSI a limpar as matas"; e B) "deveríamos fazer um projeto de obras públicas - p.ex., uma grande limpeza de matas - para criar postos de trabalho; e quase se pagaria a sí próprio, já que parte do dinheiro que se gastaria em salários seria poupado em subsídios de desemprego e em RSI" - não me admirava que grande parte dos defensores de B) seja contra A) e vice-versa, mas o conteúdo concreto não é assim tão diferente.

Parece-me que supostamente a principal diferença entre "empregos mínimos garantidos" e "pôr os desempregados a limpar as matas" é que no primeiro as pessoas receberão um ordenado, e no segundo recebem o subsídio de desemprego ou o RSI, eventualmente com uma bonificação, mas na prática ess diferença pode ser muito pequena (até porque nem é certo que o ordenado no primeiro caso seja maior que o subsídio no segundo), sobretudo se o programa de "empregos garantidos" vir a cair nas mãos de um governo hostil (que piore as condições e mantenha os ordenados congelados); outra potencial diferença poderá ser que no sistema "pôr os desempregados a limpar as matas" está implicita um obrigação, com o fim do subsídio se se recusarem, mas nem sei se isso será uma diferença, já que nem me parece muito claro se num sistema de "empregos garantidos" continuariam a haver subsídio de desemprego.

Há muitos anos vi um episódio de uma série de ficção científica (não me lembro qual - tinha a ideia que fosse na Quinta Dimensão, mas tive a ver a lista dos episódios e não o achei) em que as pessoas para receberem subsídios de desemprego tinham que passar a vida a conduzir camiões (penso que vazios) de um lado para outro, e creio que teriam que fazer um mínimo de quilómetros; receio que os "empregos garantidos" (sobretudo, repito, sob um governo hostil ao "estado social") possam facilmente degenerar nisso.

0 comentários: