08/03/19

Sobre o "hiring gap" entre homens e mulheres

A respeito da questão "porque há mais mulheres/homens do que homens/mulheres em certas profissões?" (nomeadamente na segunda variante) costuma haver uma grande discussão sobre se a causa é discriminação ou diferentes inclinações entre homens e mulheres para certas profissões.

À partida, uma forma de testar isso seria comparar o "hiring gap" com o "wage gap" - se o motivo porque há poucas mulheres numa determinada profissão é por via da procura (os empregadores preferirem contratar homens), é de esperar que nessas profissões as mulheres ganhem menos do que os homens (se os empregadores preferirem contratar homens, em principio só contratarão mulheres se puderem pagar-lhes menos); pelo contrário, se for uma questão de haver poucas mulheres a querer ir para essa profissão, é de esperar que as poucas mulheres lá ganhem mais ou menos o mesmo que os homens (suponho que talvez não fosse difícil pegar nos dados deste estudo e fazer um teste - se os setores em que houver menos mulheres a trabalhar forem também os com maior diferença salarial entre homens e mulheres, estará confirmada a hipótese da discriminação).

Independentemente disso, há algo que indicia que alguma discriminação deve existir - o facto de haver muita gente que acha que essas diferenças não tem a ver com discriminação mas com diferenças de interesses e aptidões entre a maior parte das mulheres e a maior parte dos homens; sim, à primeira vista isto parece um bocado alucinado - basicamente, eu estou a dizer que haver muito gente que diz que não há discriminação é um indício de que discriminação; o meu raciocínio - se há muitas pessoas que consideram que há diferenças significativas na distribuição das vocações e aptidões entre homens e mulheres, então também haverá pessoas a pensar assim entre as que são responsáveis pelas contratações; ora, na maior parte dos casos, quem está a contratar um futuro empregado não sabe qual é verdadeiramente o seu potencial profissional, logo tem que se guiar por uma série de pistas que usa como proxy para avaliar a personalidade e capacidades da pessoa que está ali à sua frente - habilitações académicas, "paleio" na entrevista, expressão facil, etc, etc. Ora, se alguém acha que há diferenças relevantes de personalidade entre homens e mulheres, provavelmente também usará o sexo do candidato como uma dessas pistas (estilo "tenho dois candidatos que parecem igualmente qualificados para trabalharem do gabinete de reclamações dos clientes; na dúvida, é mulher contratar esta Patrícia B. em vez deste Miguel R., que as mulheres costumam ser mais simpáticas"), o que conduzirá a alguma discriminação sexual nas contratações (nuns casos a favor dos homens, noutros das mulheres).

Possíveis contra-argumentos:

a) Mesmo que alguém ache que em média as mulheres gostam menos de programar computadores ou mais de atender clientes do que os homens, isso não significa que, num processo de seleção, vá preferir homens ou mulheres por causa disso; afinal, se uma mulher está a concorrer a um trabalho de programadora informática ou um homem ao de atendedor(?) de clientes, isso quer dizer que essa mulher ou esse homem específicos gostam desse trabalho, logo não faz sentido aplicar a eles a regra "pessoas de determinado sexo tendem a não gostar deste trabalho". Mas este contra-argumento não se aplica num mundo em que as pessoas precisam de trabalhar para ganhar dinheiro e em que não há pleno emprego, logo é possível que mesmo alguém que está a concorrer a um emprego não goste verdadeiramente dele (nota - eu já concorri a empregos na área comercial, ramo para o qual sou  e sei que sou manifestamente inadequado), pelo que continua a ser razoável esperar que recrutadores que acreditam em diferenças de personalidade entre os sexos usem essas diferenças como critério de seleção (no mínimo, para "desempate")

b) Em muitos sítios, os departamentos de recursos humanos até são maioritariamente femininos - irrelevante, já que não estamos a falar de uma conspiração intencional para manter as mulheres subordinadas aos homens, mas sim de pessoas simplesmente a contratarem, influenciadas pelas suas premissas prévias, a pessoa que supõem sinceramente que é o melhor candidato.

Uma nota final - grande parte dos campos onde as mulheres têm progredido mais (entrada na universidade, administração pública, justiça - pode não parecer por algumas sentenças, mas penso que grande parte dos juízes e quase todo o Ministério Público são mulheres - etc.) parecem-se ser em áreas em que o ingresso é feito largamente com base em critérios objetivos (como notas de curso) sem grande margem para escolhas subjetivas dos decisores (bem, na Justiça, não faço ideia de como é...);  isso também pode ser visto como um indicio de discriminação - as mulheres estarem mais representadas nos meios em que é mais difícil discriminar à entrada (isto, aliás, deveria dar que pensar aos iluminados que acham diminuir o peso das notas no acesso à universidade iria aumentar a diversidade).



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