05/07/10

Os Seres Humanos em geral e o PCP em particular

Se eu fosse cientista político, um dia fazia uma tipologia intitulada “Os Seres Humanos em Geral e o PCP em Particular”. Inventariaria então vários tipos, aqui alinhados de modo algo aleatório: a) os seres humanos que são membros do secretariado do Comité Central do PCP; b) os restantes dirigentes do PCP; c) os militantes do PCP que não são dirigentes; d) os eleitores da CDU que não são militantes do PCP; e) os que não são do PCP mas são comunistas; f) os que não são comunistas mas não são anti-comunistas; g) os ex-militantes do PCP que votam no PCP; h) os ex-militantes do PCP que odeiam o PCP; i) os que votam no PS ou no BE porque o PCP será demasiado provinciano; j) os que votam no PCP porque apesar de tudo no PCP ninguém rouba; k) os que gostam do PCP porque o gajo do sindicato é chato mas mais vale ele existir do que ele não existir; l) o José Pacheco Pereira; m) alguns pequenos negociantes, como um meu ex-vizinho, que era incapaz de não sorrir no dia do funeral do Cunhal; n) o povo anti-comunista em geral, como o gajo que passou por mim num Renault 5 no dia do funeral do Cunhal e começou a chamar nomes a uns camaradas que levavam consigo uma bandeira vermelha; o) os militantes do PCP que não querem uma aliança com o PS mas que não fazem disso uma questão de princípio; p) os militantes do PCP que jamais quererão uma aliança com o PS; q) os militantes brejnevistas; r) os militantes estalinistas; s) os militantes que se estão a cagar para a História da URSS; t) os militantes de Os Verdes; u) o grande capital, mas também o médio e o pequeno; v) os esquerdistas em geral, embora com diferenças importantes entre si; w) os jornalistas em geral, e neste caso digo bem quando digo em geral; x) os dirigentes comunistas chineses (já alguém se perguntou o que eles pensarão acerca do PCP, que lugar lhe reservam no quadro das suas relações internacionais?); y) a direcção do jornal Avante!; z) eu próprio, é claro, que isto de fazer tipologias com a vida dos outros é demasiado fácil.

Além do abecedário, há ainda os tipos que, de tanto se quererem identificar com o PCP, acabam por dele se desviar num estilo cada vez menos confundível. No pequno jardim blogoesférico em que me movo, há dois casos do género: o primeiro é o caso de Carlos Vidal, que agora se lembrou de achar que lhe seria indiferente que fosse um nazi ou outro tipo qualquer a dizer mal do Sócrates, porque o valor jurídico do que se diz não se mede por quem o diz. Esquece, e nisso é surpreendentemente secundado por outros camaradas de blogue, que o problema jurídico é apenas e só um problema jurídico. A mim, sinceramente, não é algo que me preocupe por aí além. A política pode também passar por aí, mas não passará, seguramente, apenas por aí. A política é também outras coisas e algumas delas obrigam qualquer comunista, próximo ou não ao PCP, a traçar uma linha de fronteira absolutamente rígida entre si e um nazi. Aqui, não há que poupar na ortodoxia. O segundo caso é o do jovem intelectual comunista marxista-leninista do PCP João Valente Aguiar (está bem assim?), que por mais do que uma vez insiste em vir a este blogue lembrar os nossos três leitores diários que eu não sou comunista, entre outras coisas porque não defendo a ditadura do proletariado. O Miguel Serras Pereira, sobre isto, já escreveu um post em relação ao qual pouco tenho a adiantar. Mas não queria deixar de dizer o seguinte: nem eu defendo a ditadura do proletariado nem o PCP defende a ditadura do proletariado. É questão de ler os documentos do partido. Não custa, aprende-se alguma coisa, consta que é um dever do militante e ainda conseguimos evitar incorrer no chamado friendly fire. Porque de uma coisa o PCP não precisa: é de dirigentes e militantes que fujam à linha decidida de modo democrático (ainda que de modo centralista) pelo colectivo partidário. E essa linha tanto critica o camarada Estaline como abandonou qualquer ideia de ditadura do proletariado. Haja respeito. (E escrevo-o sem ponta de ironia).

13 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Bem postado, camarada Zé Neves. Infelizmente, contudo, não é uma novidade na tradição histórica a que o PCP pertence, ou num dos seus veios, a utilização "táctica" dos serviços do inimigo fascista ou nazi. Fazes bem em não baixar a guarda perante estes ensaios do pior: senão um destes dias, teremos de novo "comunistas" que, em vez de "apenas" se servirem de documentos fornecidos pelos fascistas, entregarão aos fascistas, para que sejam estes a justiçá-los, os "reformistas", "esquerdistas" ou outros "anti-partido".

Abraço

miguel sp

João Valente Aguiar disse...

Fico feliz por saber que terna e docemente esses vultos do movimento comunista internacional Miguel Serras Marx e José Engels me dedicam tantos posts neste blog. Estou sem palavras perante tanto amor e carinho. Qual PEC, qual capital, o João Valente Aguiar é mto mais importante do que essas minudências.

Agora a sério. Não fui eu que vim cá parar do nada mas foram vocês aqui no antro de facto que foram buscar comentários meus no 5dias. Sei que o PEC e os ataques do capital aos trabalhadores não são algo de mto interessante e importante para abordar neste blog, mas daí a eu ser abordado directamente em para aí 4 ou 5 posts é, de facto, inédito. Se eu fosse dado a essas coisas de orgulho sentir-me-ia idolatrado e até lançaria uma petição a ver se me canonizariam como padroeiro deste blog. Mas como não sou dado a essas coisas, só posso ficar estupefacto como gente tão inteligente se perde em querelazinhas e menos em escrever sobre o que, de facto, importa: a crise do capitalismo, o PEC como resposta política do grande capital e os caminhos possíveis da luta para parar a ofensiva de classe e mudar o estado de coisas. E por mtas tipologias bonitas e carinhosas para com a minha esbelta e querida pessoa que se façam o problema central mantém-se de pé.

Para terminar, meus caros e estimados admiradores. Não se esqueçam de enviar um ramo de flores. Ou então, se estiverem mais folgados financeiramente, um cheque-prenda da chicco para comprar mais uns brinquedos para a minha filha.

Boas férias meus caros e inigualáveis admiradores

Zé Neves disse...

joão valente aguiar,

o post não é dedicado a si, embora não tenha nenhum problema em reconhecer que é interessante discutir consigo.

mas no essencial o post diz respeito a um problema que há em torno do pcp: existem uns poucos militantes do PCP que insistem em não respeitar os estatutos e as orientações fundamentais do pcp. eu não sou do pcp e por isso a coisa não me preocupa assim tanto. agora era bom que começassem a bater a bota com a perdigota.

já agora: o capital não é uma "coisa", é uma relação de poder. De modo que não sei bem o que é isso de falar "sobre" o capital.

bruno peixe disse...

zé,

diria que acabas por ser vítima do mesmo erro que denuncias. não podia estar mais de acordo contigo no que dizes: o político não só não se reduz ao jurídico, como o mais importante da política não passa sequer por aí.

mas quando remetes o teu interlocutor para os documentos do partido, o que estás a fazer senão a colocar a questão no termos de uma fidelidade à letra da lei?

bem sabes que nestes tempos inscrever a ditadura do proletariado como objectivo num programa partidário seria suicídio político e o PCP pode ser tudo, menos um bando de idiotas puros. ainda bem que não o são. o que não impede que os militantes continuem fiéis a essa ideia, mesmo que o partido não a possa adoptar explicitamente. de resto, não concebo a luta política fora de uma inteligência estratégica.

não sei onde caberia na tua tipologia, mas vejo-me em muitos lugares dela. não faço parte do PCP, nem poderia. não subscrevo muitos dos conteúdos do partido - acho que o PCP se demitiu de pensar o esgotamento da sequência histórica revolucionária, e que cedeu demasiado ao pragmatismo político, o que o leva a ser mais uma roda no sistema. estas duas condições estão ligadas.
sintomático disto é a resposta do João Valente Aguiar, e a já gasta acusação de que há coisas mais importantes a discutir – as privatizações, a ofensiva da direita, como se estivéssemos condenados a uma eterna reacção à agenda do inimigo.

mas não consigo deixar de achar que, apesar de tudo isto, o PCP é, neste momento, a mais aceitável das propostas do cardápio demo-parlamentar. é o único à esquerda que não cede às insuportáveis contrições pela experiência soviética, e só isso já é bom. e, de certa forma, não encontras no parlamento um partido mais próximo do que enuncias como princípio: o de que a dimensão jurídica não esgota a política. é por isso também que o PCP foi o partido que menos demagogia fez com a crise. também a fez, mas creio que se ficou pela estritamente necessária - sem carregar demasiado na tecla da corrupção, dos gestores e dos salários. Penso que em mais nenhum partido está tão enraizada a ideia de que o problema não é de ética - dos gestores ou das empresas, ou do capitalismo. que se os gestores fossem todos gente exemplar e os governantes também, nem por isso o capitalismo seria defensável.

por último, acho que o PCP é portador de uma ideia que se torna cada vez mais rara à esquerda radical, que é a ideia de que há fins na política – de que o caminho não se faz só caminhando, mas com uma direcção, e de que a luta não é a nossa condição permanente. se a história é luta de classes então a luta de classes tem de por um fim na história. e isto é cada vez mais necessário contra uma metafísica do antagonismo que, numa linguagem quase sempre poética-libertário, nos encerra numa jogo semi-lúdico da luta sem fim.

um abraço,
bruno

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Bruno,
se me permites que entre na discussão um tanto avulsamente, aí vai.
1. Quanto à ditadura do proletariado remeto-te para o meu post , "Contra a Divisão do Trabalho Político" e sua caixa de comentários. Acrescento apenas que a ideia de a ter na manga sem a declarar para não espantar o eleitorado equivale a uma concepção da política como caça aos pobres tolos que acabarão por fazer aquilo que nós, o Partido, sabemos ser o seu papel contanto que a gente (do Partido) não os deixe apreciar a peça inteira nem o desfecho da acção. Pura engenharia social, pura reificação do sujeito histórico e da transformação revolucionária.
2. O problema não é o da contrição no que se refere à "experiência soviética". O que é necessário é analisar em termos de relações de poder o regime que se consolidou na URSS nos anos seguintes ao fim da Guerra Civil: supressão da democracia política, do controle operário; separação entre os produtores e meios de produção; primado do "partido de classe" sobre a classe "empírica", etc. E trata-se de ver que só por antífrase se pôde chamar socialista a um tal regime. Ou como se lê nos "pontos de partida" do Passa Palavra: "Os regimes de tipo soviético, onde a propriedade aparecia como pública mas onde os trabalhadores estavam completamente afastados da organização da produção, da administração das empresas e da direcção política, mostraram-se uma alternativa tão nociva como o capitalismo privado".
3. Não são fins ou direcções pré-determinadas (pela natureza das coisas ou a "estrutura do real" - signifiquem uma e outra seja o que for) que fazem a história, a luta de classes e o resto, mas os fins, direcções, etc. são fazer humano ou criação humana, e a ideia de pôr fim a tal fazer é desprovida de sentido. De resto, é porque é posição de fins originais, sem modelo, poiesis, que a história não é finalizada, não conduz a uma forma de organização final cuja verdade a ciência ou a teoria possam determinar. É porque a história é posição de fins que não há fim da história, por um lado, e que a autonomia é, por outro, concebível e praticável. E aqui encontra também os seus limites a engenharia daquilo a que chamas "pensamento estratégico" científica ou teoricamente fundado. Ou seja, a autonomia, a vontade ou projecto de autonomia, é irredutível às suas condições anteriores, não pode ser causalmente deduzida de um conjunto de razões (ou condições) suficientes. Em termos filosóificos - por uma vez -, é criação ontológica irredutível ou não é nada. O porquê e o como da autonomia instituinte são um querer e um fazer que criam, não totalmente sem dúvida, mas em medida incalculável, embora a partir do que já lá está, as suas próprias condições (excedendo o já sabido e o já sido do seu ponto de partida).

E, de momento, meu caro, creio que basta: precisei as divergências de fundo, esperando tê-lo feito suficientemente para que a discussão avance. Vamos ver se interessa, por estas bandas, a mais alguém.

Abraço libertário

msp

brunopeixe disse...

Miguel,

és sempre bem vindo. devias era mudar as saudações libertárias para literárias. vale sempre a pena ler-te não só pelo que escreves, mas também como o escreves.
quanto ao conteúdo do teu comentário, não podia estar mais de acordo com o teu ponto 2. repara que no meu comentário apontava para a insuficiente meditação dos partidos comunistas da 3ª internacional acerca do esgotamento da sequência socialista. e isso passa por reconhecer que o estalinismo foi um termidor, uma contra-revolução.

agora a ladainha humanista acerca das vítimas de Estaline por quem dá vivas aos regimes parlamentares do ocidente, isso, é preciso dizê-lo, é pura hipocrisia. o estalinismo não é pior do que aquilo que fomos tendo no ocidente nas últimas décadas, ou foi apenas pior para os próprios soviéticos. a questão é que quem paga a factura do capitalismo não são os que dele beneficiam. a factura do socialismo, essa, foi inteiramente paga pelos povos que o suportaram.

quanto à questão dos fins, repara que eu não disse que eles eram postos pela ciência nem encontravam qualquer garante no real ou na História. esses fins são propriamente políticos e se falo num fim da História, é justamente de uma história entendida como luta em aberto. é o fechamento dessa abertura que deve ser postulado como horizonte orientador da luta.

onde nos separamos, definitivamente, é nessa crença numa irredutibilidade ontológica do sujeito autónomo, marca de todos os idealismos. o teu pressuposto é profundamente kantiano, ou aristotélico-kantiano - de resto o único autonomista de jeito é mesmo o Kant. mas sustento, contra Kant, que o sujeito não se antepõe ao real, bem pelo contrário, constitui-se do real e nele intervém e a ele o transforma, mas esse real antecede-o sempre. por muito que isso nos abra uma ferida narcísica, não é a nossa praxis que constitui o real.

abraços materialistas,
bruno

Nuno Ramos de Almeida disse...

Zé,
Um nazi tem tanto direito a denunciar um crime, como um não nazi. A justiça tem que analisar a denúncia de um nazi como de um não nazi. Isto não é apenas uma questão jurídica. É uma questão política. É mesmo uma das questões políticas que separa os nazis dos não nazis.

Anónimo disse...

Arre gaita! Ou oito, ou oitenta!

Deixem-me lá ser, desta vez, um bocadinho demagógico-populista. Então vocês não sabem falar dessas coisas de uma forma mais simplezinha? Para o bom povo perceber?

Se eu não tivese já andado a esbracejar no "Ser e Tempo" (Martin Heidegger)não tinha percebido patavina disto (... e mesmo assim percebi pouco). E passaria a vir aqui apeas de quando em vez, para ler alguma anedota de algum dos bons humoristas da casa.

nelson anjos

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Bruno,
correndo o risco de desagradar ao Nelson. vou ter de te responder sobre o sujeito: este é uma criação social-histórica e não uma entidade exterior ou transcendente à sociedade e à história. É irredutível porque é um acontecimento que excede as suas "condições de possibilidade", faz ser o que o "todo" não continha, faz ser o que sem o fazer não seria assim.
Em termos políticos: se há um fim predeterminado desde o início da história ou da "pré-história", se a "sociedade sem classes" antes de o ser já o é como a pescada, então - argumento banal, mas incontornável -, é deixar andar porque tudo, seja como for, irá lá ter. E a política, o fazer e a acção são ilusões, representações enganadoras: Auschwitz, Estaline, Pol Pot, o movimento operário, a linguagem, a música (a música copia o quê? é semelhante a quê? com que forma anterior se parece? de que causalidade suficiente releva?) e o teu comentário de ontem já estavam feitos, desde sempre e para sempre, não fazem diferença nem acrescentam ou alteram nada. Não são, muito ou pouco, determinantes.
Pode ser que a tua acusação segundo a qual o meu "paradigma" ou modo de pensar é "poético-libertário" seja politicamente um elogio: pelo menos não sucumbe ao primado do "teórico-especulativo" e tenta ser pensamento da acção na acção.
Sobre este último ponto, o melhor que posso fazer é deixar-te aqui um excerto de "A Questão da História do Movimento Operário", datado de 1973, que Castoriadis publicou como introdução a L'expérience du mouvement ouvrier I - Comment lutter?, Paris, UGE, 1974. É um bom ponto de partida para a discussão da autonomia:
"… não é simplesmente (…) o axioma capitalista do primado do económico que está aqui em jogo (…), mas sim o axioma (…) da soberania do teórico-especulativo. 'Não se trata do que este ou aquele proletário, ou até o proletariado inteiro, se representa como fim num determinado momento. Trata-se do que é o proletariado e daquilo que, de acordo com o seu ser, será historicamente obrigado a fazer', escrevia Marx, e o jovem Marx (A Sagrada Família). Mas então quem conhece e possui teoricamente, por cima dele, 'o que é' o proletariado? Onde está esse 'ser' do proletariado, que o 'obriga historicamente a fazer' aquilo que tem a fazer? (…) 'O que este ou aquele proletário, ou até o proletariado inteiro, se representa', o 'imediato' (…) mascara também aqui, como em toda a parte, o ser ou a essência, inseparável, como é de regra, da necessidade, (…) objecto de um conhecimento por razões necessárias. A esta essência (…) a teoria, e só a teoria, dá acesso. Só ela permite reconhecer se, ao fazer isto ou aquilo, o proletariado age sob a influência de simples 'representações', ou sob a coacção do seu ser. Em que momento se poderá então falar de autonomia ou de criatividade do proletariado? Em nenhum, e menos do que nunca no momento da revolução, uma vez que esse é precisamente para o proletariado o instante da necessidade ontológica absoluta, em que a história o 'obriga' enfim a manifestar o seu ser - que ele até então ignora, mas que outros conhecem em seu lugar. Será que (…) [o 'teórico marxista'], ao dizer isto, é autónomo? Não, é servo de Hegel, Aristóteles e Platão:: ele vê (theorei) o ser (eidos) do proletariado, inspecciona a sua factura, descobre nele a potência escondida (dunamis) que se transformará necessariamente em acto revolucionário. As consequências práticas d[esta] postura especulativa [primado da teoria] seguem-se naturalmente: (…) o filósofo-rei de outrora acabará por ser o chamado corifeu da ciência revolucionária".

Um abraço para ti

msp

Zé Neves disse...

nuno,

percebo o que dizes, mas não concordo inteiramente. acho que à esquerda há uma sobrevalorização das questões jurídicas e acho que isso também acontece no combate a Sócrates. Isto é: ele deve cair mas não por ter cometido ou ter deixado de cometer crimes.

***

bruno,

em primeiro lugar, os documentos de uma organização partidária não são os documentos que fazem a sua lei. só uma parte deles é que são assim. e nem todas as regras têm que ser entendidas como leis. o pcp tem regras, não tem leis.

em segundo lugar, creio que não tens razão no mais importante. tu e o joão valente aguiar e mais uns quantos maduros podem entender que a ditadura do proletariado é uma fórmula que deverá ser mantida. o pcp não entende. dizes que é meramente táctico. não é. pelo menos, meramente. tornou-se constitutivo do pcp uma pedagogia da democracia, gostes ou não. e é preciso respeitá-la. pelo menos, os seus militantes devem-no fazer, em respeito ao centralismo democrático (contra o qual estou, por certo, mas sobretudo pela parte do centralismo, não pela parte do democrático; e isto não é um jogo de palavras, porque continuo a achar que, em relação aos outros partidos, o pcp não deve nada em termos de funcionamento democrático, em muitos aspectos até pelo contrário)

abç

Nuno Ramos de Almeida disse...

Zé,
Vamos por partes, aceito o teu desvio, em relação à discussão anterior, e coloco-te as seguintes questões:
1- As pessoas devem ser condenadas por crimes?
Ou apenas todas as pessoas menos o Sócrates?

2- Os nazis podem denunciar crimes ou deve ser-lhe dada a categoria de homo sacer? No fundo,concretizando para os nazis a política nazi para os seus opositores (comunistas, judeus, etc...).

3 - A política do Sócrates deve sofrer uma condenação e uma derrota política, de acordo. Resta saber se os "crimes" que são imputados ao Sócrates, são espúrios à sua política? Olhando, para as práticas das classes dominates portuguesas e para o aumento das práticas corrupção associadas aos vários poderes, não poderemos concluir que a corrupção é uma forma particular que o capitalismo assume em Portugal e em outros países?
Apesar, de ao contrário de ti, eu defender que o jurídico é uma instância do político, não podemos dizer que por maioria de razões, em Portugal, a luta contra a corrupção extravasa a mera questão política para entrar no cerne do político. IE a forma particular como o capital se reproduz em Portugal?

Anónimo disse...

Não, Caro Miguel, não me desagradou.

E, para além de ter percebido, julgo que o essencial, do que disse, percebi também o esforço de generosidade pedagógica para com a plebe do intelecto.

Obrigado. Um abraço.

nelson anjos

Miguel Serras Pereira disse...

Caro camarada Nelson.
a minha entrada era uma brincadeira. De qualquer modo, acrescento a seguinte alínea ao seu comentário: os "intelectuais" são ou devem fazer-se cidadãos como os outros, não devem portanto ser excluídos do debate democrático e da sua reflexão não-profissional, ainda que isso às vezes implique começarmos a conversa recorrendo à gíria profissional do grupo, tal como fazemos no debate em que nos cidadanizamos com os membros de outras profissões.
Acresce que a filosofia nasceu e fez nascer precisamente como uma reflexão não-profissional e não religiosa (Sócrates), abrindo uma interrogação ilimitada e uma concepção democrática da verdade - ainda que muito cedo, com o mesmo Platão através do qual conhecemos o Sócrates-moscardo, que incita à reflexão, nem mestre nem sacerdote, tenha acabado por consagrar a "theoria" como acesso a uma verdade imutável acima do diálogo, reduzindo o papel deste a um expediente pedagógico do sábio ou cientista, dotado de direitos governantes superiores e disciplinadores da gente comum. O resto já você sabe: libertar a filosofia da sua configuração "discipinar", dos seus privilégios, cúmplices da ordem classista e da razão hierárquica, que a restringem e colonizam, pondo-a ao serviço de uma divisão política do trabalho e de uma divisão do trabalho político que reproduzem a desigualdade e a não-liberdade do grande número, é um momento da afirmação dessa reflexão não-profissional, integrada na acção e na intervenção governante no espaço público, que faz, por seu turno, parte das condições necessárias da cidadania democrática.
Abraço para si

msp