- Manutenção do valor em euros dos depósitos na banca lusa. O Estado honraria as suas dívidas em euros. Esta garantia seria dada pelas autoridades nacionais e comunitárias, em conjuntoEu, quando escrevi que "[p]oderemos discutir se a austeridade-via-desvalorização é melhor ou pior que outras formas de austeridade (e eu consigo pensar tanto em razões para ser melhor, como em razões para ser pior)", realmente ocorreu-me que uma vantagem que, efectivamente, a desvalorização teria sobre a descida de salários é que, se os salários baixarem, os assalariados que tenham dívidas (e hoje em dia suponho que a maioria as tem, nem que seja para a habitação) ficam ainda mais endividados (se o salário baixa e a dívida fica na mesma, a divida em proporção do rendimento aumenta); já com uma desvalorização da moeda, tanto o valor real dos salários como das dividas baixa, logo pelo menos não há um aumento do endividamento.
- Preservação do balanço dos bancos: os créditos a famílias, empresas e Estado aumentariam na nova moeda em função da desvalorização desta
- Evitar o incumprimento generalizado à banca: o Estado substituir-se aos devedores no montante em que o aumento da dívida em moeda nacional resultasse da desvalorização. Um acréscimo de dívida pública interno e financiado através de empréstimos junto do Banco de Portugal
- Manutenção da nova moeda numa banda de flutuação de 15% em relação a uma taxa de referência face ao euro
- Cooperação europeia: novo empréstimo a Portugal para honrar a dívida do Estado e sustentar a balança de pagamentos até a desvalorização cambial ter efeitos positivos no reequilibrio das contas externas. O BCE renovaria durante algum tempo a dívida dos bancos portugueses e criaria uma facilidade especial, temporária, de crédito aos bancos, para reagir de imediato a qualquer sintoma de pânico na transição
No entanto, o esquema de JFA nem sequer tem essa vantagem que poderia ser atribuída à desvalorização - ele propõe que o valor das dívidas à banca se mantenha constante em euros (ou seja, se o escudo desvalorizar, a dívida aumenta). É verdade que ele propõe que os aumentos do valor das dívidas resultante da desvalorização do "escudo" seja assumido pelo Estado (em vez de recair sobre os devedores), mas assim a proposta de JFA é um imenso criador de dívida pública:
- Já à partida, o valor da dívida pública do Estado português em euros manteria-se, logo a desvalorização do escudo iria fazer aumentar o valor real da dívida (se o escudo desvalorizar 30%, é de esperar que a divida pública passe de 120 para 170% do PIB)
- Como a ideia dele é o Estado assumir também os aumentos da dívida aos bancos resultantes da desvalorização, então ainda mais dívida iria ser gerada para isso: imagine-se alguém que deve 40.000 euros ao banco; o seu ordenado é convertido em escudos, que depois são desvalorizados em 30% - assim, para o devedor não ficar a dever mais por causa da desvalorização, o Estado teria que assumir 12.000 euros da dívida. Agora imagine-se isso multiplicado por milhões de famílias e a adicionar à divida pública que já iria em 170%...
JFA propõe que o aumento da dívida para assumir as dívidas privadas seja feito através do Banco de Portugal - o que me parece implicar imprimir dinheiro; mas facilmente se corria o risco de cair-se num ciclo vicioso, em que se imprimia escudos para o Estado assumir dívida privada, gerando uma maior desvalorização do escudo, obrigando assim o Estado a assumir mais dívida, para o qual teria que imprimir mais moeda e desvalorizando ainda mais o escudo.
Em última instância, todo o plano de JFA para sair do euro parece-me ter por base que a União Europeia e BCE iriam emprestar-nos dinheiro em quantidade e num prazo suficientemente amplos para sustentar o brutal aumento da dívida, e provavelmente que iria comprar escudos nos mercados internacionais para não os deixar desvalorizar muito mais que os 30% previstos.
Mas, se o resto da UE estivesse disposta a fazer uma tão grande transferência de dinheiro para Portugal (e provavelmente também para a Grécia, Chipre, Espanha e sabe-se lá que mais...), estaríamos sequer a discutir a hipótese de sair do euro?
[Noto que me estou a basear só no artigo do Expresso; é possivel que no seu livro JFA aborde melhor a questão e até responda aos pontos que aqui levantei]
5 comentários:
Excelente artigo Miguel! Creio que a conclusão política fundamental a tirar é que a saída do euro não é alternativa à austeridade mas é um prolongamento e um aprofundamento da mesma. E que a esquerda deve, na minha opinião, concentrar esforços na luta contra a austeridade no contexto menos nocivo (e que já é nocivo que chegue), e não transferir esforços dessa luta cada vez mais necessária para pretensas alternativas que não o são.
Abraço!
João,
sublinho a conclusão: "Mas, se o resto da UE estivesse disposta a fazer uma tão grande transferência de dinheiro para Portugal (e provavelmente também para a Grécia, Chipre, Espanha e sabe-se lá que mais...), estaríamos sequer a discutir a hipótese de sair do euro?"
Para mim, é clara como água.
Abraço
miguel(sp)
Já está tudo dito...
«Na união económica e monetária, o poder integracionista de cada Estado encontra-se diminuido. Cada governo, cada partido político, cada sindicato nacional, encontra-se na situação embaraçosa de ter de lutar em duas frentes: simultâneamente, tem de manter-se no Poder do seu país (porque as ordigens do Poder são exclusivamente nacionais) e de dominar conflitos sociais que ultrapassam as fronteiras nacionais...A união económica e monetária não diminui apenas os meios de acção nacionais, afecta também os próprios fundamentos do Poder nos diversos Estados. Na união económica e monetária, os governos já não podem seguir uma política autónoma e traduzir, pelos seus actos, a vontade nacional. Tornam-se necessários processos internacionais de conciliação e ajustamento. Esta situação volta a pôr em causa as relações de fidelaidade entre os indivíduos, os grupos e o Estado. Os eleitores escolhem uma representação nacional; se esta se for tornando manifestamente incapaz de executar a vontade assim expressa, o voto do eleitor perde todo o sentido, o que traz consequências. Na união económica e monetária, o poder político dos Estados, está, pois, enfraquecido e fragmentado, escapa à democracia; já não corresponde por conseguinte às exigências socioeconómicas..»
Consequências duma União Económica e Monetária, Heinz Kuby, 1972
Eu acho um pouco leve ignorar logo à partida a questão essencial do que é uma moeda e qual a sua função dentro de uma sociedade. O euro é uma preverção monetária em vários sentidos. A sociedade europeia não está tão integrada e nem é possível tal acontecer sem que haja mais destruição, i.e., a solidificação entre centro e periferia. Diga-se todos os sistemas monetários tendencialmente provocam centralização, e muito do desengano está em acreditar que melhores vias de comunicação possam impedir isso, o que impede são as barreiras geográficas e os clusters económicos.
A panaceia do mais Europa, política fiscal uniformalizada e federação política iria provocar a desertificação de todos os países mais fracos economicamente, ou sem recursos para ancorar os investimentos. Se os salários baixos até hoje não conseguiram garantir investimentos também não o farão no futuro, pois é óbvio quem tiver qualificações partirá para o centro aumentanto a produtividade potencial desses lugares centrais. Fala-se do dolar como moeda de vários países a diferença é que os sistemas monetários desses países não têm as regalias do Sistema da Reserva Federal, e se acontecer algo ficam por sua conta, por outro lado são sempre economias distantes, e demasiado pequenas para sustentar os custo de uma moeda própria.
Sistemas monetários há muitos e as soluções para os implementar saidos dum uma aberração como o euro serão algo caricatas. Fico supreendido com as soluções algo amadoras de JFA, mas eu creio que ele simplifica a converça, na verdade haverá perderes, os bancos principalmente, mas terão de ser compensados. A meu ver as grandes perdas dos bancos têm de ser entendidas como um mal menor, manter-se no sistema euro significa o desaparecimento de alguns mega bancos portugueses. Só por inocência ainda não se percebeu o movimento cada vez mais evidente de concentração bancária a nivel europeu, institucionalmente assistido. O MEE vai fechar bancos. Os estados soberanos serão forçados a aceitar o facto sob pena de ficarem sem financiamento instutional, e os depositários serão confiscados em parte do valor. E quem julga que os 100 mil euros serão garantidos está muito enganado. E mesmo os depositantes de bancos sólidos serã chamados ao confisco.
Leia-se a última paranóia alemã de difundir ressentimento com o argumento de que os alemães sejam os mais pobre em depósitos na Europa e estejam a ser obrigados a pagar mais pela crise. E um "génio" acessor de Merkel já disse sexta que os ricos do sul é que deveriam pagar a factura.
Não saimos do euro, não haverá país para fazer o miénio de existência...
O mercado cambial do novo escudo não deverá nos primeiros tempos ser operacionalizado pelo Mercado Secundário mas directamente pelo Banco de Portugal. Segundo não existe pelos dados actuais da balança comercial e sem um pico de pagamento de dívida (2018 será o inferno)nada que anteveja uma queda de desvalorização abaixo dos 15% por isso mesmo teria de se efectuar uma desvalorização quase artificial. Por isso é preciso gratificar os depósitos em escudos durante algum tempo. O aumento da massa monetária deve ser apenas para investimento em projectos de industrialização e não de obras públicas ou pagamento da dívida interna. Uma desvalorização de 20% provocará uma inflação de 5% a 8% ao final de 2-4 anos. O que será um grande incentivo para a produção de muitos produtos importados. deve-se manter muito baixo o cédito ao consumo privado para desincentivar o consumo de produtos de luxo importados, tanto quanto a balança pagamentos se mantenha positiva. SÓ COM UMA BALANÇA DE PAGAMENTOS POSITIVA os credores acreditam que Portugal paga e existe investimento. DEve-se procurar investimento intramuros mais que do exterior.
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