«Parece-me no mínimo insólita a assunção de que a União Europeia seria
um bloco monolítico ou que corresponderia fundamentalmente às elites políticas
e económicas que a governam, como se nela não existissem milhões de
trabalhadores igualmente explorados e capazes de materializarem uma alternativa
não apenas à austeridade no curto-prazo como ao capitalismo no médio e longo
prazo. Uma articulação das resistências e dos conflitos sociais à escala
continental — não uma soma de várias lutas nacionais, note-se bem, mas uma luta
conduzida sem fronteiras — produziria desde logo deslocações ao nível da
correlação de forças dentro das instituições europeias, retirando margem de
manobra aos falcões do Banco Central Europeu e outras aves raras do ajustamento
estrutural. Mesmo do ponto de vista de quem não raciocina para lá de uma
solução reformista, haveria todas as vantagens em fazê-lo a essa escala. Mas do
ponto de vista de quem se bate pela superação do capitalismo, a hipótese
nacional-desenvolvimentista é a pior de todas, quando defendida num país de pequenas
dimensões, com uma história secular de dependência face ao exterior e sem
recursos naturais que se conheça.
Desse ponto de vista, a argumentação dos economistas que vêm
defendendo uma solução nacional para a crise tem permanecido no terreno da ambiguidade.
Se uma medida de política económica implicar várias outras — por exemplo, se
uma renomeação da dívida na nova moeda implicar a nacionalização da banca, se
uma política de relançamento implicar intervenções no sector energético, se uma
política de rendimentos implicar o tabelamento de preços, etc — é importante
saber se o bloco nacional-popular de alianças vagamente equacionado a consegue
sustentar. Poucas coisas seriam piores do que um processo destes conduzido aos
solavancos, repleto de hesitações, que nos levasse de volta ao Verão de 1975 e
nos presenteasse uma reencarnação de Vasco Gonçalves a garantir que não há
terceiras vias nem meias medidas e que ou se está com a revolução ou se está
com a reacção. Infelizmente, os discursos de quem defende o abandono da zona
euro não parecem ter plenamente em conta a experiência do processo
revolucionário português e da sua derrota. Bem sei que não existe a esse
respeito qualquer tipo de fatalidade, mas um aspecto permanece actual menos de
quarenta anos depois: o grande problema do socialismo de miséria é que ao fim
de algum tempo só sobra a miséria. A soberania não nos tira deste buraco.»
3 comentários:
exacto.
exacto.
Jean-Paul Fitoussi analisa a crise politico-económica na Zona Euro. Entrevista online no Liberation grátis do dia 23/4. Dados e análises de grande perfomance e coragem. Mais uma peça essencial na mesma altura que os contestários de Rogoff e colega incendeiam as páginas de OP´s do NY Times. Salut! Niet
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