17/01/14

O futuro da miséria é o futebol


Uma maneira de começar o ano positivamente é saborear a ultima invenção da garotada brasileira de que nos fala este amigo.
Porque, como diz a nova sabedoria popular, "Quando não há futuro, temos o tempo todo !" (ouvido, em dezembro 2013, no mercado de Olhão), variação da máxima do grande pensador algarvio Antonio Aleixo, "A boa vida quer paciência".

PS. Enquanto os desempregados portugueses choram e riem com as sagas dos magnates da bola, aqui mesmo ao lado, os vizinhos de Burgos opõem-se na rua (e nas escolas) à logica especulativa do capitalismo moderno. Mesmos tempos, lugares proximos, outra energia !

http://www.diagonalperiodico.net/global/21473-pp-burgos-decide-continuar-con-obras-gamonal.html

http://politica.elpais.com/politica/2014/01/11/album/1389399999_055139.html#1389399999_055139_1389529497

Na gíria popular brasileira, "dar um rolê" significa passear por lazer,
flertar com garotas.
Agora, os pobres das periferias criaram um movimento chamado "Rolezinho":
consiste em milhares de jovens de periferias e favelas marcarem pela
internet, pelo facebook e whattsapp, verdadeiros passeios de massas dentro
dos shopping centers. Resultado, eles entram aos milhares nestes lugares
um tanto elitizados (no Brasil apenas a classe média e os abastados
frequentam shopping centers) e isso provoca o pânico da classe média e dos
comerciantes.
O mais engraçado: eles não saqueiam, não depredam, não agridem ninguem.
Ficam a passear, paqueras de moças e rapazes, ouvem música Funk (funk
carioca cheio de palavrões) em celulares e caixinhas, e afugentam a
clientela do shopping. E, claro, desejam sapatos e tenis caros, ficam a
babar nas vitrines.
Agora a justiça tem ordenado e a Policia Militar invade os shoppings,
prende os jovens, bate neles, usa bombas de gás. Uma liminar na justiça
estabelece multa de 10 mil reais para quem for pego fazendo "rolezinho".
Na minha cidade os pobres dum bairro periférico tentaram fazer
um "rolezinho" numa praça pública e levaram sovas e balas de borracha da
polícia.
É claro, os "rolezinhos" surgiram porque os governantes estavam a proibir
o "pancadão" - bailes de rua, que tocam o nada adorniano funk carioca em
alto falantes enormes de carros, bailes com droga, sexo e favelados a
dançar. Com a repressão aos "pancadões" e bailes funk, os pobres começaram
a invadir shopping centers e praças. E agora a violencia e a repressão
correm soltas.
Certamente, nos rolezinhos não há um discurso anticapitalista. Há a
revolta dos jovens pobres, que escutam funks misoginos e funk
"ostentação", ou seja, pseudomusica de péssima qualidade, lixo da
industria cultural, com letras bem pornográficas ou de idolatria do
consumo. Os jovens são impedidos de organizar suas festas, e de consumir.
Logo, invadem os shoppings. Um fenomeno social muito significativo e
surpreendente.
Uma matéria sobre os "rolezinhos".
 
 http://coletivodar.org/2014/01/rolezinhos-o-que-estes-jovens-estao-roubando-da-classe-media-brasileira-por-eliane-brum/

2 comentários:

Conclusão interessante disse...

Essa crítica pode vir inclusive de certa classe média mais intelectualizada e mesmo com ideias políticas progressistas, mas que acha que sabe o que é melhor para os pobres. Aí fazem a crítica, a partir dos seus ipads e iphones, ao que entendem como um consumo irracional dos mais pobres, que deveriam poupar ao invés de gastar com produtos que não seriam para o nível econômico deles. Enfim, tem aí um jogo de perde e ganha e também de busca de satisfações individuais que envolve o roubo do direito de alguns ao consumo, que é preciso aprofundar para entendermos melhor essas dinâmicas contemporâneas. Todos têm o direito a consumir o que quiserem hoje? E seria viável, hoje, todos consumirem em um alto padrão? Que implicações ambientais teríamos? E se não é sustentável ou viável que todos consumam em tamanha intensidade, por que incentivamos tal consumismo? Com isso, o que quero dizer é que não se pode pensar a relação entre crime e consumo apenas entre os pobres, mas creio que precisamos também olhar para as classes médias e altas e para os crimes que, historicamente, têm sido cometidos contra os mais pobres e o meio ambiente para proteger o consumo dos ricos.

Ricardo Noronha disse...

Caro Jorge, a propósito do teu post-scriptum, um ou dois comentários que me parecem pertinentes.
Acho que nem os desempregados portugueses podem ser resumidos a esta imagem («choram e riem»?) nem os vizinhos de Burgos se opõem ou deixam de opor em bloco à lógica especulativa do capitalismo moderno. Porquê então este tipo de generalizações, no fundo essencialistas, uma vez que tudo se resume à diferença de «energia»?
Parece-me, pela amostra possível (que são os meus amigos que estão desempregados ) que alguns desempregados choram por causa do Cristiano Ronaldo, outros riem por causa do Cristiano Ronaldo e outros ainda estão-se perfeitamente a cagar para o Cristiano Ronaldo. E há ainda a possibilidade - que me parece a mais plausível - de que aquilo que os desempregados fazem ou deixam de fazer politicamente nada tem que ver com o que pensam acerca do Cristiano Ronaldo.
Sinto que essa imagem faz parte de uma representação cristalizada de Portugal, como um sítio que gira sempre apenas e só em função do futebol, que por sua vez é sempre apenas e sobretudo uma forma de alienar as pessoas e impedir que elas pensem na sua condição social e se revoltem.
Ora bastaria constatar que o Passos Coelho resolveu ir ao velório do Eusébio e foi o único gajo a ser assobiado à saída para perceber que é tudo imensamente mais complicado.

Que as formas de luta desenvolvidas neste canto do mundo estão longe de responder às necessidades, é algo em que estamos perfeitamente de acordo. Que isso se possa explicar por uma diferença de energia ou pela alienação do futebol é que já me parece bem mais complicado. O estádio do Barcelona enche a cada duas semanas com milhares de pessoas que também fazem greves e manifestações.

Um abraço para ti (parece que nos vemos dentro em breve aí pela França).