13/09/15

A Vitória de Corbyn. Ecos. (actualizado)

A vitória de Corbyn , absolutamente previsível desde há um mês, suscitou as primeiras reacções nos jornais e nos seus comentadores. O Público opta por enfatizar as divisões que se anunciam no Labour. Refere o diário que “Oito ministros –sombra não perderam tempo e depressa afastaram a hipótese de uma presença na primeira linha da luta política”. No entanto quem acompanhou as eleições, através da cobertura entre outros do "the Guardian", sabe que o afastamento de parte dos membros do Governo Sombra estava desde há muito decidida. Lá como cá existe o partido e os seus militantes e existe o Partido Parlamentar e o seu Governo Sombra, construído a partir dos deputados e da sua teia de assessores, que determinam a actuação partidária à revelia dos seus militantes. Isso não acontece apenas no PS, é uma característica que outros partidos à esquerda também evidenciam. Corbyn propõe-se alterar este estado de coisas. Quer os militantes e os cidadãos empenhados na construção das políticas. A declaração que fez em 27 de Agosto deu o mote para a forma como pretende conduzir o partido.

I don’t think we can go on having policy made by the leader, shadow cabinet, or parliamentary Labour party. It’s got to go much wider. Party members need to be more enfranchised. Whoever is elected will have a mandate from a large membership

Enfatizava-se o facto de o novo líder ser visto com preocupação entre os deputados. Preocupação natural, diga-se, já que eles não o apoiaram e não partilham das suas ideias. Tenha-se em atenção que, por exemplo, na recente aprovação do pacote do Governo para reduzir os apoios sociais em 12 mil milhões de euros ao longo da legislatura, os trabalhistas optaram pela abstenção. Corbyn, no entanto, mais alguns poucos, votou contra.

O Público faz eco ao mesmo tempo de uma pretensa posição indecisa sobre o posicionamento face à União Europeia. Esta leitura de uma indefenição de Corbyn perante a posição a adoptar no dossier UE é partilhada por outros comentadores. Mas não tem qualquer adesão à realidade. Desde os primeiros dias da sua candidatura que o novo líder manifestou o seu apoio à permanência do Reino-Unido na União Europeia. Apenas por distracção ou wishful thinking se pode continuar a bater nesta tecla. Corbyn quer o Reino-Unido na Europa mas quer uma Europa sem austeridade. Uma Europa dos cidadãos .Corbyn não exita em afirmar que a Europa no seu estado actual não o satisfaz. Para a generalidade do maisntream político isso corresponde a uma declaração anti-europeia.

“Labour should set out its own clear position to influence negotiations, working with our European allies to set out a reform agenda to benefit ordinary Europeans across the continent. We cannot be content with the state of the EU as it stands. But that does not mean walking away, but staying to fight together for a better Europe.”

No PS, o seu sector mais radicalmente à direita, no qual pontifica o ex-comunista Vital Moreira, prevendo esta eleição já a tinham criticado por representar uma "uma guinada à esquerda", coisa que os aterroriza. Vital tem o mérito de, num pequeno texto, sintetizar o programa que fascina a direita blairista e que os leva a imaginar horrores com gente como Corbyn. Assusta-os a ideia de não poderem chegar ao Governo. Acham que só virando à direita poderão lá chegar. Esse é o seu objectivo. Aquilo para que o Governo serve, as políticas que vai aplicar, isso é uma irrelevância. O que interessa é chegar lá.

Hoje a habitual comentadora de asssuntos europeus, Teresa de Sousa, escreve um chorrilho de baboseiras sobre a eleição do que ela depreciativamente apelida de "camarada Corbyn" um "pacifista" com que os conservadores, infelizmente segundo ela,  deixaram de poder contar. Caso para lhe perguntar: E isso é mau?

"Sinal dos tempos, o Labour acaba de eleger para a sua liderança uma figura da “pré-história” que nos remete para os anos 80, quando o Labour atravessou 18 anos de oposição, defendendo uma linha radical que Jeremy Corbyn foi retirar a um baú do qual já ninguém se lembrara."

Pretendendo reflectir sobre o drama da social-democracia europeia exibe uma confrangedora parcialidade na forma como olha para as razões que determinaram o seu declínio  a partir do final dos anos setenta do século passado. Lendo-a fica-se a saber que com Blair e a sua terceira via a social-democracia tinha encontrado o seu caminho para a felicidade. As consequências dessa terceira via traduzidas num desemprego crescente, no aumento exponencial da desigualdade, na diminuição do papel do Estado na economia , na degradação da qualidade dos serviços públicos e na crescente negação da universalidade do acesso, escapam-lhe de todo. Afinal se a terceira via possibilitou o tal acesso ao poder que tanto preocupa Vital como é que gente de bem se pode preocupar com as consequências do exercício desse poder. De certo modo a colunista imita a posição de Gordon Brown, citado por Tony Judt, que "reagindo a um relatório de Janeiro de 2010 sobre a desigualdade económica no Reino-Unido, que confirmava o fosso escandaloso entre ricos e pobres que o seu partido tanto fizera para exarcebar, disse que ele "dava que pensar" e reconheceu que havia "ainda muito a fazer". Faz lembrar o capitão Renault em Casablanca: "estou chocado, chocado".
(A propósito alguém poderá enviar-lhe o "Ill fares the land" de Tony Judt - publicado entre nós pelas edições 70.)

Mas a eleição do novo líder também suscitou opiniões favoráveis. Como aqui e aqui. Destaque para o artigo de Francisco Louçã no Público. Louçã salienta as razões que permitiram a eleição de Corbyn. Concordo  com as razões que indica de que destacaria  a degradação da democracia social. Mas acho que ele ignora uma outra razão: o facto, que já aqui referi, de um deputado com o perfil de Corbyn poder continuar a sê-lo, porque depende sobretudo dos eleitores e muito menos da direcção do seu partido. A menos que seja disso que fala quando refere "a tradição popular na política britânica".

Actualização - 16.09.2015

O Público dá hoje conta do facto - pelos vistos inesperados para o jornal - de Corbyn ter sobrevivido ao primeiro debate com Cameron. Debate em que o novo líder colocou um conjunto de questões recebidas directamente dos cidadãos. Questões sobre habitação social, cuidados de saúde e outros que preocupam os britanicos. O jornal da Sonae não esconde a sua oposição à nova liderança. A velha social-democracia europeia é para estas empresas de comunicação social uma inaceitável associação de perigosos radicais anticapitalistas.
 

 

1 comentários:

joao disse...

Magnífico post.
Partilho inteiramente a sua opinião.
Pena é que não possamos ler artigos assim nos jornais que ainda se dizem de referencia.
Parabens