O Eurogrupo aprovou uma linha de crédito para os países da zona Euro equivalente a 2% do PIB de cada um, noticia-se hoje no Público. Uma pobreza franciscana. Uma cobardia. Esta decisão parte do príncipio que os países da Europa são todos igualmente afectados por esta crise. Uma colossal mentira. Países como Portugal, que mal recuperou da crise de 2008 e da "cura" austeritária que quase o implodiu, são muito mais afectados pela crise do que aqueles que lucraram com a crise e que investiram fortemente no seu Estado Social, caso da Alemanha.
Portugal irá dispor de um montante de 4,2 mil milhões de euros, uma gota de água no conjunto das nossas necessidades. A Europa que virou as costas à Itália e à Espanha e que até ao momento o melhor que conseguiu foi produzir esta miserável proposta.
A Europa tem sido e continua a ser dirigida por políticos menores, sem dimensão, que manifestamente viraram, há muito, as costas aos europeus. Uma oligarquia bem paga que vive faustosamente e que se sabe imune a todas as crises. Crises que agravam com as suas terríveis opções políticas.
O Eurogrupo é dirigido pelo nosso "Ronaldo das Finanças", essa quase-unanimidade nacional que dá pelo nome de Mário Centeno. Centeno foi incapaz de, até ao momento, dizer uma palavra em defesa dos eurobonds. Pese embora a posição adoptada pelo chefe do Governo e pelo Presidente do Banco de Portugal, Centeno nada disse sobre a matéria.
O tempo de Centeno é destinado a louvar o saldo orçamental com que Portugal fechou 2019, produzindo declarações que, neste preciso momento, são de uma insensibilidade política chocante. Afirmou ele que "Nunca o País esteve tão bem preparado para uma crise".
Com o SNS nas últimas, com uma crise sanitária cuja dimensão ainda não conseguimos avaliar, com milhares de cidadãos infectados e com outros milhares a verem as cirurgias por que esperam e desesperam adiadas sine-die, com o número de mortos a disparar, com o pessoal do SNS à beira do esgotamento, com um SNS com a mais baixa percentagem de camas de cuidados intensivos da Europa, como é que Centeno pode vir fazer esta declaração?
Será que ele acredita que nós trocamos o superávit que ele exibe orgulhoso, pelos milhares de médicos e enfermeiros que fazem falta no SNS, pelos milhares de ventiladores em falta, pela ausência de equipamentos de protecção, pelas centenas ou milhares de camas de cuidados intensivos que deviam existir? Não pode estar bom da cabeça.
A crise sanitária tem custos terríveis do ponto de vista das vidas humanas, da paralisação do país, da forma como afecta os jovens e a sua formação - pese embora o esforço colossal, e qualificado, realizado pelos professores, uma das classes profissionais sacrificadas/espoliadas, para que Centeno pudesse hoje exibir o seu troféu - para as pequenas e médias empresas e para os seus trabalhadores.
Os municípios que estavam a recuperar da crise de 2008 e que, erradamente, voltavam a apostar no imobiliário e na colheita das migalhas que lhes estão destinadas na lógica da distribuição dominante, vão-se ver confrontados com a dimensão da crise pós-coronavirus. Não vão poder fazer nada para enfrentar a crise social. Não terão recursos.
Os eurobonds e a entrega de dinheiro directamente às famílias para fazer face a esta crise horrível seriam duas medidas importantes. O impedimento dos despedimentos, dos despejos, o apoio às pequenas e médias empresas, com a suspensão dos pagamentos devidos à SS ou à AT, e apoio financeiro a fundo perdido em função dos postos de trabalho mantidos, medidas do mais elementar bom senso, são fundamentais. O apoio aos municípios para que imediatamente cancelassem a cobrança de IMI e o pagamento das rendas do mísero - em dimensão - parque habitacional que ainda gerem. Infelizmente nada disso irá acontecer. O sistema bancário irá receber injecções de capital para emprestar às empresas e lucrar com a pandemia, através de taxas pornográficas e de todo o tipo de comissões. O costume.
A Europa, a ideia de Europa de que falava Steiner*, não irá sobreviver à pandemia. Não há nenhuma ideia por muito boa que seja que possa resistir à soma de um pandemia desta dimensão à outra que é representada pelos seus tristes dirigentes.
A extrema direita afia as garras e mais cedo do que tarde teremos o continente a ferro e fogo. A falta de coragem e de visão política irá pagar-se muito caro.
ACTUALIZADO -28.03.2020
As declarações de António Costa no final do Conselho de Chefes de Estado, no passado dia 26, merecem o aplauso generalizado.
Repugnantes é a palavra certa para classificar as palavras do ministro holandês das finanças e repugnante é a posição dos países que se opõem à emissão dos eurobonds.
Tenho dúvidas que a posição maioritária na União Europeia venha a prevalecer. Estou convencido que serão disponibilizados apoios aos Estados e que a contrapartida será mais austeridade para acentuar ainda mais a dupla clivagem que corrói a União Europeia:
separação entre países ricos do Norte e países ricos do Sul;
consolidação de um modelo social, nas antípodas do modelo social europeu, construído na base de uma desigualdade extrema.
Infelizmente - espero estar errado - António Costa irá acomodar-se à vontade dos mais fortes. Corre o risco de ter sido primeiro-ministro de um governo suportado por toda a esquerda parlamentar e o primeiro ministro que irá assinar o novo pacto de austeridade, que se seguirá a esta pandemia do covid-19. Austeridade que irá acentuar destruição dos serviços públicos, como os da saúde, cuja estado de degradação antes da pandemia impediu uma melhor resposta às necessidades dos portugueses.
25/03/20
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