Durante décadas o país desinvestiu no serviço Nacional de Saúde. Esse desinvestimento foi acompanhado de um reforço das transferências de dinheiros públicos para financiar projectos privados da área da saúde. As Parcerias Público Privadas desempenharam aí um papel relevante.
Na discussão deste Orçamento de Estado o investimento na saúde foi considerado prioritário para poder recolocar o SNS em níveis minimamente aceitáveis. Assumiu-se que o desinvestimento tinha sido a orientação política dominante, um dos consensos - envolvendo os partidos do arco da governação - não assumidos da política portuguesa.
A opção pelo enfraquecimento do SNS foi uma opção política. Uma opção política, como outras na área das políticas públicas com expressão social, que visou diminuir a despesa pública e o peso do estado na economia. O SNS que temos hoje, apesar do progresso tecnológico, apesar da qualificação dos profissionais de saúde, é bastante pior do que era no final da década de noventa. É menos universal, dificulta o acesso aos mais desfavorecidos, é menos eficaz, com listas de espera enormes, apenas justificadas pela falta de recursos, é mais injusto com as opções terapêuticas a discriminarem os cidadãos, é mais injusto do ponto de vista territorial, com unidades entretanto construídas fora dos grandes centros urbanos sub-equipadas, com falta de recursos humanos e mesmo com total ausência de médicos em áreas fundamentais.
Com este SNS empobrecido, debilitado, estamos pior preparados para enfrentar uma pandemia como aquela que nos ataca neste momento. Mas, sejamos sérios, não fosse o SNS e iríamos assistir a uma razia, a uma perda de vidas insuportável. Um massacre. É ao Estado que os portugueses recorrem para proteger a sua saúde. É no Estado que confiam. O Mercado, orientado pelo lucro, despacha doentes complicados para os hospitais públicos, que é onde eles podem ser bem tratados. O Mercado nesta batalha tem andado calado e os seus apóstolos limitam-se a balbuciar algumas banalidades, subitamente atacados de amnésia.
Os portugueses devem aproveitar esta provação que enfrentam para mudarem a exigência que colocam aos políticos que nos governam: apostar no SNS, reforçar as suas condições de eficácia e de prestação de um serviço de qualidade aos portugueses é uma condição não negociável. Quem não o fizer deve ser punido. Eleitoralmente, não podemos continuar a eleger quem desaparece nos dias das dificuldades e aparece quando o tempo está calmo a clamar por Menos Estado e Mais Mercado.
Não faz sentido que confrontados com uma ameaça desta dimensão não existam ventiladores, não exista material de apoio, não existam profissionais em número e disponibilidade para assegurar uma resposta o mais eficaz possível. Não faz sentido que para fazer face a esta ameaça o SNS tenha que atrasar as operações e a recuperação de milhares de portugueses que aguardam em listas de espera que agora vão ser deferidas.
Viver em sociedade, numa sociedade democrática, numa coisa a que se chama democracia, implica que todos tenham o seu lugar e o seu papel. Há, no entanto, uma regra inviolável e inegociável: o interesse público, a sua defesa e promoção é a primeira e mais importante obrigação do Estado. Conta para isso com o dinheiro dos contribuintes que deve aplicar com rigor e com eficácia de uma forma eficiente e justa.
Se daqui para a frente for esta a opção política, na próxima crise estaremos melhor preparados para a enfrentar e com menos custos humanos. Somos nós que temos que colocar essa exigência na ordem do dia, em vez de nos limitarmos a vir à varanda bater palmas.
15/03/20
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