Um dos pressupostos que atravessa a discussão que tem acontecido, aqui e noutros lugares, a propósito da natureza política do futebol é a de que a competição é incompatível com o desejo de igualdade que caracteriza a Esquerda. Parece-me que em grande parte este equívoco resulta da confusão entre diferença e desigualdade. Somos todos diferentes, mas não precisamos de ser desiguais. Isto é, apesar de termos diferentes características e capacidades, a nível individual, daí não resulta que devamos ter diferente poder, a nível político e económico-social. Para a Esquerda devemos ser iguais, apesar de diferentes, enquanto que para a Direita devemos ser desiguais porque somos diferentes (e portanto uns merecem mais do que outros).
Toda a competição tem como objectivo central a diferenciação dos concorrentes, hierarquizando-os de acordo com sua performance. No entanto, se a competição revela a diferença, não impõe a desigualdade. Esta só resulta da competição se houver quem pretenda dela tirar ilações sobre quem mais merece poder, político e económico-social. Obviamente, não havendo possibilidade de competir, torna-se significativamente mais difícil gerar desigualdade, dada a dificuldade acrescida em identificar quem mais merece (poder). No entanto, acho que a Esquerda não deve temer a diferença, e portanto não deve seguir a via da proibição da competição para obstar ao aparecimento e desenvolvimento da desigualdade. O que a Esquerda deve fazer é defender que da constatação da diferença não resulte acesso desigual ao Poder. Na prática, o que defendo parece-me não ser muito distinto do que foi dito pelo Zé Neves, que distinguiu o futebol enquanto jogo lúdico, sem consequências para o estatuto social dos intervenientes, e enquanto competição com o objectivo de identificar quem de entre os intervenientes merece mais um superior estatuto económico-social. Algo de semelhante se passa no que respeita ao mercado. Os malefícios do Capitalismo não resultam da existência de mercados, onde os produtores competem pela atenção dos consumidores, mas sim da utilização dos resultados dessa competição para criar e determinar uma hierarquia económico-social profundamente desigual.
P.S. Este post estava prontinho a sair quando dei conta que o Miguel Serras Pereira tinha acabado de publicar este post. Parece-me que concordamos no essencial.
09/07/10
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2 comentários:
Muito interessante, embora algo genérico, Pedro.
Admites hierarquias? Admitirias que um aluno teu determinasse a investigação da tua equipa? Se fosse um contínuo?
A este respeito leste um texto que eu escrevi há uns tempos sobre o caso República?
http://esquerda-republicana.blogspot.com/2010/05/o-caso-republica-aos-olhos-de-hoje.html
Mudando de assunto: alguma vez pensaste sobre a influência da força de Coriolis no sentido dos turbilhões?
Caro Filipe,
Admito hierarquias democraticamente escolhidas. Ou seja, admito que alguém possa ser eleito para tomar decisões (sobre questões que apenas dizem respeito aos seus eleitores). Mas todas as decisões assim tomadas são passíveis de reversão pelos eleitores em causa em qualquer altura.
Não tenho qualquer problema em aceitar que alunos, maiores de idade, participem na eleição dos corpos dirigentes das instituições a que se encontram ligados e na definição da sua estratégia. O mesmo afirmo relativamente a quaisquer outras pessoas que contribuam para a existência e funcionamento duma instituição. Não tenho qualquer problema em conversar com um contínuo, tentando-o convencer do interesse da minha investigação. Se as pessoas neste país, contínuos incluídos, não acham a minha investigação interessante, que direito tenho eu de exigir o seu financiamento pelo Estado português?
Li o post sobre o caso República, e pelo que acabei de dizer, claro que apoiaria o direito dos tipografos a fazerem as exigências que bem entendessem. E a fazerem greve, se achassem necessário. Quem não concordasse que os tentasse convencer a agirem de outro modo.
Quanto à força de Coriolis, não posso dizer que seja um assunto sobre o qual tenha reflectido recentemente. Qual é a dúvida?
Um abraço,
Pedro
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