24/01/12

Ainda sobre a Hungria

Mais um texto de G.M. Tamas:

A questão é saber qual a postura das forças de oposição ditas – ou não – de esquerda e/ou liberais em relação às pressões com origem no estrangeiro (Ocidente e grandes potências). A resposta não é evidente. Em certa medida, a destruição das instituições democráticas (um facto quase consumado) poderia, tendo em conta o poder esmagador da direita antidemocrática, justificar a intervenção ocidental em favor da democracia.

No entanto, além de pretenderem que sejam mantidos um regime de tipo representativo e constitucional e a separação dos poderes, as potências ocidentais – e, sobretudo, a Comissão Europeia – desejam que a Hungria adote uma política económica que não serve necessariamente (e isto é um eufemismo) os interesses do povo magiar.

Desapontado em várias ocasiões, o povo húngaro talvez encare a "causa democrática" apenas como um ornamento colocado sobre medidas de austeridade cada vez mais pesadas, impostas por potências ocidentais interessadas na estabilidade financeira. Se a proteção das instituições democráticas tiver de caminhar a par do empobrecimento contínuo do povo húngaro, não é de espantar que os cidadãos húngaros não se sintam entusiasmados face ao binómio restabelecimento da democracia liberal/miséria.


A maior parte das críticas que o Ocidente faz ao Governo são justas mas não são expressas pelo eleitorado húngaro. Os cidadãos da Hungria não deram, nem podem dar, um mandato às potências ocidentais para estas mudarem a política do seu país. Impor a democracia por meios antidemocráticos com origem no exterior não se justifica e a experiência mostra que não é eficaz.

Este dilema torna extremamente perigosa a posição da oposição democrática húngara. Por um lado, apoia uma política económica e social que ela mesma combateria, se esta fosse conduzida pelo Governo húngaro. Por outro, seria solidária com procedimentos antidemocráticos – logo, em contradição consigo mesma – sem sequer evocar o facto de que estaria a ser acusada de traição.
Este texto acaba por abordar uma questão parecida com uma que me tinha ocorrido. Imagine-se o seguinte cenário - o governo nacional-conservador húngaro recusa alterar a sua nova Constituição; a União Europeia recusa-se a apoiar financeiramente a Hungria; a Hungria entra em incumprimento, suspendendo o pagamento da dívida ao FMI e à banca internacional; em resposta, o FMI e a UE impoem sanções à Hungria.

Que posição deverá a esquerda europeia assumir perante um "filme" desses? Temos aqui pano para mangas para os já famosos debates entre "imperialismo"/"internacionalismo"/"soberania nacional". A resposta simples é, claro, "não apoiar nem o lado nem outro"; mas como essa posição se implementa na prática pode ser muito duvidoso (p.ex., sempre que se votar uma resolução no PE sobre a Hungria, qual será o sentido de voto - e a votação na especialidade, alínea a alínea - que equivale a essa posição?).

1 comentários:

Anónimo disse...

Uma coisa que não vi ainda ninguém de Esquerda a escrever é que se, ao invés de um governo nacionalista de direita na Hungria, fosse eleito um governo de esquerda radical (motivado não por alterar a constituição, mas por nacionalizar grande parte da economia, etc.), é provável que também a UE agisse exactamente do mesmo modo (ameaçasse que fosse fechar a torneira) e com isso inviabilizasse qualquer mudança significativa.