19/01/12

A Política do Cognitariado

a minha crónica do i de hoje

(e por sinal a última)

Bolseiros de investigação, técnicos de som, secretárias de centros de investigação, professores, fotojornalistas, jovens e velhos actores no cinema como no teatro, jornalistas sem e com carteira, na rádio como na TV, doutorandas e doutorandos da Biologia à Sociologia, todas estas espécies laborais, talvez não fizessem mal em agendar um encontro em que discutissem conjuntamente a sua condição profissional.

As espécies referidas partilham algumas características e chegou a altura de reunir forças. A característica partilhada mais evidente é a da extrema precariedade da sua situação, particularmente agravada num contexto de crise em que se diz que o importante é manter o essencial, não se entendendo na maior parte dos casos por essencial nem a ciência, nem a educação, nem a cultura, nem os media. Esta será, aliás, uma primeira questão a levantar: pode ser política e democrática uma economia que não discute o que é e o que não é o essencial?

É bom lembrar que durante os anos 90 e nos primeiros anos do novo século o discurso das elites políticas e económicas deste país deu forma a todo o tipo de chavões relativamente à “paixão pela educação”, ao “progresso do sistema científico nacional”, ao “desenvolvimento da sociedade mediática” ou à “criatividade cultural das nossas cidades”. Agora, em tempos de crise, é como se tudo ameaçasse retroceder e temos de organizar forças para vencer a crise.

Vencer, mas não para defendermos simplesmente o anterior estado de coisas, que nos permitiu chegar onde chegámos. É desde logo importante recusar os chavões que ontem nos ofereceram. Há que começar a discutir para construir uma linha que se liberte da linguagem de pau de expressões como “importância da escola”, “investimento na ciência”, “defesa da cultura” ou “valor da sociedade mediática”. Nós, trabalhadores da educação, da ciência, da cultura e dos media, andámos demasiado tempo a falar pelo redondo vocábulo de Guterres, de Gago, de Carrilho e de Balsemão. Precisamos de construir uma linguagem política nova sobre educação, ciência, cultura e media.

Para este processo de construção queria apenas começar por sinalizar os caminhos por onde me parece que não devemos seguir.

Em primeiro lugar, não devemos trilhar os caminhos do discurso geracionalista, que reduz os precários da educação, da cultura, da ciência e dos media às figuras do jovem professor, da jovem bolseira, do jovem artista ou do jovem jornalista. Um discurso geracional, por mais que se inspire em diferenças de facto, esquece que os rendimentos se dividem desigualmente por todas as idades, sendo essa desigualdade que deve ser posta no centro do nosso combate.

Em segundo lugar, não devemos fazer valer o discurso qualificacionista. Boa parte dos novos precários terão graus académicos – de licenciaturas a pós- -graduações e doutoramentos – que outras espécies laborais não têm, mas esta diferença não deve servir de base a qualquer reivindicação. O licenciado não tem mais direito a não ser precário que o não licenciado.

Em terceiro lugar, não daremos voz à conversa aristocrática própria de alguns cientistas, professores, artistas e jornalistas, que julgam a sua actividade investida de um qualquer valor superior. Ou seja, devemos recusar as críticas primárias dos que entendem que o trabalho nas áreas da ciência, da cultura e dos media, porque não lida nem com o ferro nem com o fogo, nem tão pouco produz o pão e o automóvel, não é trabalho; mas também devemos rejeitar as presunções elitistas que medram ainda nos meios intelectuais e artísticos em que nos movemos. Desdenhemos tanto a tia que pergunta ao bolseiro “e tu quando é que deixas de estudar e começas a trabalhar?” como o cineasta que julga a sua actividade mais nobre que a do operário ou o professor que reivindica para si a tarefa de educar o povo ignaro.

Quem sabe se estas questões que aqui deixo na que é a minha última crónica neste jornal, ficam para ser discutidas um destes dias, numa reunião perto de nós.

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