07/05/12

Partidos-muleta

O Tiago Mota Saraiva escreve, comentando os resultados das eleições gregas, que a Esquerda Democrática "mais não fez do que retirar a possibilidade da esquerda ganhar as eleições. Bastava que 1/3 dos votantes nesta “Esquerda Democrática” tivesse votado no Syriza (130 mil votos) para que estivéssemos, de facto, a discutir a possibilidade de um governo de esquerda".

No entanto, é óbvio que o Tiago esquece que discutir "de facto" a possibilidade de um "governo de esquerda", seja lá o que for que isso signifique, ainda que os tais 130 000 votos tivessem ido para o Syriza, implicaria que o KKE abandonasse a sua intransigente posição de princípio sobre o euro e a sua intrasigente oposição de princípio a qualquer tipo de avanço fedralista na Europa. O que me parece altamente improvável. Com efeito, já depois das eleições e com o escrutínio quase completo, o KKE deixou, uma vez mais, clara a sua opção estratégica: "Em comunicado, o KKE já veio rejeitar a proposta [de plataforma anti-troika] do Syriza, classificando esta força de social-democrata e acusando-a de servir para impedir a radicalização da sociedade grega. Para a secretária-geral Aleka Papariga, o resultado do partido não foi uma surpresa, mas a distribuição dos votos indica que o KKE não conseguiu mobilizar o sentimento antitroika do povo grego desta eleição, nem mesmo nos tradicionais bstiões eleitorais comunistas, perdendo votos nas zonas urbanas, onde disputa deputados com os neonazis" — discutindo com eles a representação legítima e o estatuto de vanguarda da "independência nacional".

É por isso que, assim como assim, e para falarmos de cenários hipotéticos e contra-factuais, seria menos inverosímil sustentar que, se a Esquerda Democrática tivesse obtido uma quantidade mais significativa de votos (em prejuízo do PASOK e do KKE), então, sim, haveria possibilidade efectiva de um governo alternativo ao da coligação ND-PASOK ou ao de qualquer fórmula de "salvação nacional" dentro dos mesmos parâmetros.

 Se deixarmos de parte estes cenários contra-factuais, e considerarmos as ameaças que neste momento pesam sobre a Grécia, torna-se evidente que a linha de "resistência num só país" e as posições ultra-nacionalistas do KKE, em relação à Europa e ao euro, correm o risco de abrir caminho ao pior — quer dizer, o risco de abrir as portas ao fascismo, ou de servir, suicidariamente, de partido-muleta aos neo-nazis.

3 comentários:

Marco disse...

Quatro questões:
A) A “fé” inabalável na União Europeia nalguns círculos começa a ser aflitiva. Quem acredita que as elites vão renunciar a um modelo que lhes é conveniente? Quem acredita que as massas alemãs – ainda assim “privilegiadas” no actual contexto – se juntarão às vozes que exigem um reordenamento político e económico da UE? Fenómenos sociais como a luta de classes ou lógicas centro/periferia não desaparecem porque a malta quer ter um discurso muito modernaço.

B) Muito embora sejam contextos diferentes, nomeadamente a nível de recursos naturais, a Venezuela – pode falar-se da Venezuela ou é muito “era dos extremos”? – iniciou ou não um processo de resistência num só país? Anos depois surgem então os organismos supranacionais. Construir uma alternativa no seio desta UE – dados os trends políticos seculares de Inglaterra ou Alemanha - é tão verosímil como esperar pelos votos do Parque das Nações para criar maiorias de esquerda em Lisboa.

C) O KKE tem ou não - independentemente da nossa concordância – direito ao seu discurso ? São os únicos que clarificam antes das eleições as suas posições: saída da EU e do Euro. E 8% da população, pelos vistos, concorda.

D) Essa do abrir a porta ao fascismo então é de mais. O fascismo já mostrou os dentes em contextos de “Frente Popular” quantas vezes? É mais fácil à Direita abraçar o avatar da bota cardada quando existe um governo de Esquerda em processo de erosão política…

Miguel Serras Pereira disse...

Marco,
aqui, ninguém acredita que as elites europeias vão renunciar à sua versão da UE. O que se diz é que essa versão - que, de resto, ameaça consagrar um Estado-nação como "grande potência" e os outros como Estados-vassalo - não é a única possível, que a ideia de regressar à soberania plena (que nunca existiu) de cada Estado-nação é funesta e só anuncia catástrofes, e, por fim, que as elites ou oligarquias podem ser forçadas a recuar, se soubermos lutar nesse sentido.

A prioridade é a luta contra a oligarquia dominante: a oligarquia dominante na Grécie é a mesma que prevalece no conjunto da zona euro (e não só); é essa oligaquia que é necessário vencer no "centro" e no seu conjunto; a luta não é contra os estrangeiros, é contra a oligarquia governante e o actual governo económico efectivo da Europa.

Tentar opor nações burguesas e nações proletárias, invocando os "trends políticos seculares da Inglaterra ou da Alemanha", é retomar cegamente um tema caro ao fascismo dos anos de Mussolini e da ascensão do nazismo "contra o Tratado de Versailles" (realmente iníquo, mas isso é outra conversa). É a política oligárquica da UE que alimenta o nacionalismo que recrudesce na Grécia? Sem dúvida que sim. Mas não é por isso que deixa de ser mais urgente do que nunca combatê-lo, e denunciar as suas mistificações.
Dito isto, discordar radicalmente da posição do KKE não é, que eu saiba, atentar contra a sua liberdade de expressão…

msp

Libertário disse...

Essas análises de comentadores políticos estão, a meu ver, a debater o menos relevante.
O que está claro é que as sociedades contemporâneas estão pulverizadas em inúmeras minorias...
Uma dessas minorias é a que exerce o poder em nome de uma fictícia «maioria» eleitoral. Essa minoria só se mantém graças ao poder que exerce sobre a economia e o Estado e, principalmente, sobre as mentes dos chamados «cidadãos» através de um omnipresente aparelho de propaganda que vai dos sistema educativo aos meios de comunicação.
Enquanto as minorias anti-capitalistas não se conseguirem afirmar na luta social, na auto-organização da sociedade e na criação de uma contracultura alternativa (à ideologia capitalista-consumista) não há resultado eleitoral que nos sinalize um avanço significativo na disputa pela mudança social.
Tudo o resto é espectáculo.