Jeremy
Corbyn, como se sabe, liderou a campanha dos que defenderam a opção de permanecer na
União Europeia, quando da realização do referendo organizado pela ala direita
dos conservadores britânicos.
A
campanha dos trabalhistas tinha como lema a declaração “Remain and Reform”. É verdade que Corbyn
não fez uma campanha muito empenhada, são bem conhecidas as suas posições
eurocépticas, embora tenha proferido declarações cuja importância política foi
por cá muito sub-avaliada.
O seu eurocepticismo, aliás, não o impediu de defender a reforma da União Europeia. Para os que afirmam sem o demonstrar, caso de Daniel Oliveira, que o Manifesto de Corbyn é incompatível com a União Europeia, talvez seja adequado recordar as declarações do líder trabalhista no lançamento dessa campanha, em Fevereiro de 2016.
O seu eurocepticismo, aliás, não o impediu de defender a reforma da União Europeia. Para os que afirmam sem o demonstrar, caso de Daniel Oliveira, que o Manifesto de Corbyn é incompatível com a União Europeia, talvez seja adequado recordar as declarações do líder trabalhista no lançamento dessa campanha, em Fevereiro de 2016.
Corbyn defendeu a permanência do Reino Unido na União
Europeia, ao mesmo tempo que defendeu a posse pública, implicando a reversão das
privatizações e a devolução de importantes sectores da economia à posse do
Estado. Como? Defendendo reformas progressistas na Europa. Quais?
Democratização, reforço dos direitos dos trabalhadores, desenvolvimento
sustentável e emprego no coração da política económica. Combate à pressão
para a desregulação económica e a desregulação dos serviços públicos. Esses são os princípios estruturantes da proposta política que mais tarde apresentou aos eleitores sob o lema "For the many not the few", que está materializado no seu famoso Manifesto (aqui).
Nessa data Corbyn referia a importância da avaliação dos resultados das privatizações e da necessidade de as reverter, dando o exemplo das cidades que, pela Europa, tinham voltado a recuperar o controlo dos serviços públicos anteriormente privatizados. Prometia dar aos municípios o poder para reverterem essas privatizações.
“(…)We will give councils greater freedoms to roll back the tide of forced privatisation. That’s what’s been happening across Europe – where scores of cities across our continent have been taking water, energy and other services back into local public ownership (…)”
Estaria Corbyn errado? Essas suas promessas seriam de impossível concretização no contexto da União Europeia?
Para os que acham que a União Europeia não é reformável a resposta é Sim. Eu pertenço ao grupo dos que acham que este pressuposto é apenas uma boutade política, sem qualquer fundamento histórico ou político, e, nalguns casos, uma manifestação de wishfull thinking, daqueles que consideram apenas ser possível a superação do capitalismo com a implosão da União Europeia.
É possível reformar a União Europeia desde que a maioria dos países adopte políticas tais como as defendidas pelo Labour de Corbyn. Não é possível reformar a União Europeia com o tipo de políticas adoptadas por Governos, como o da Geringonça, que se limitam a propor um caminho alternativo, incapaz de romper o paradigma que transformou a União Europeia numa estrutura de dominação dos países menos desenvolvidos. Um caminho com menos sacrifícios para os condenados mas que, no essencial, mantém as lógicas de dominação e de desigualdade, que são a grande construção do neoliberalismo europeu ao longo das últimas três décadas.
É possível reformar a União Europeia se um partido como o Labour, o maior partido político da União Europeia, liderar o segundo país mais poderoso da União, desarticulando o eixo que ao longo de décadas sustentou o desvio para a direita do projecto europeu.
É possível reformar a União Europeia se um partido como o Labour, o maior partido político da União Europeia, liderar o segundo país mais poderoso da União, desarticulando o eixo que ao longo de décadas sustentou o desvio para a direita do projecto europeu.
É possível reformar a União Europeia se um país tão importante como o Reino Unido eleger como políticas públicas as que estão consagradas no seu Manifesto e as concretizar, passando da teoria à práctica. O poder do Reino Unido para o fazer é imenso e não serão as velhas estruturas europeias que o impedirão.
As pretensas incompatibilidades entre as políticas do Manifesto e as orientações da UE não impedirão a sua concretização. As nacionalizações, as ajudas do Estado e o défice fiscal não são obstáculos. No caso dos dois primeiros há exemplos de Países - dos mais importantes - em que empresas estratégicas são públicas e o resgate dos bancos falidos constituiu um massiva ajuda dos Estados . O Reino Unido não está abrangido pelo PEC, mas há países, como a França, aos quais as regras não se aplicam como aos países periféricos. As mudanças pretendidas no Mercado de Trabalho com a valorização do factor trabalho e a correção salarial a favor dos mais desfavorecidos, não pode ser um argumento a favor do Brexit, tanto mais que Corbyn tem defendido a manutenção de um tipo de União aduaneira, que salvaguarde os direitos laborais. Um dos argumentos desde sempre utilizado pelo trabalhista contra o Brexit dos Tories era a utopia conservadora de construir um tipo de sociedade ainda mais liberalizada em que os direitos sociais fossem completamente ignorados.
Corbyn, resistiu a várias tentativas de o desalojar do poder interno e assistimos, entretanto, a duas coisas notáveis: o Labour tornou-se o maior partido político da União Europeia, com a adesão de centenas de milhares de cidadãos, comprometidos com uma mudança política; o povo do Reino Unido retirou a maioria absoluta aos conservadores e quase conduziu Corbyn à vitória eleitoral, abortando o golpe de May e dos seus capangas. Um momento com um enorme significado político, como tive oportunidade de assinalar.
Voltando ao Brexit, Paul de Grawe, também no Expresso, em 8.04.2017, defendia que o Brexit era, afinal, uma oportunidade para a UE. O economista considerava que uma política fiscal comum passava a ser possível. Vale a pena reler o que foi então escrito:
O economista alertava para a posição do Reino Unido em defesa do poder de veto dos Governos nacionais nas questões fiscais. Essa posição favoreceu as grandes multinacionais, que não pagam impostos e beneficiam dos serviços públicos disponibilizados pelos governos europeus. Com a saída da Grâ-Bretanha desaparecia o principal obstáculo a uma política fiscal comum.
Há uma outra forma de olhar para esta possibilidade: com o Reino Unido liderado por Corbyn na UE haverá, acho eu, uma mudança radical: o País que era o maior obstáculo a uma política fiscal comum, mais justa e mais distributiva, passa a ser o país que mais força fará para a promover. Uma mudança de fundo, capaz de promover a reforma da União Europeia.
Há uma outra forma de olhar para esta possibilidade: com o Reino Unido liderado por Corbyn na UE haverá, acho eu, uma mudança radical: o País que era o maior obstáculo a uma política fiscal comum, mais justa e mais distributiva, passa a ser o país que mais força fará para a promover. Uma mudança de fundo, capaz de promover a reforma da União Europeia.
Curiosamente
foi Corbyn que em Praga num congresso dos partidos socialistas realizado em
Dezembro de 2016 alertou para os perigos do populismo de extrema-direita e
fez o diagnóstico dos motivos que estavam na sua origem.
Não foi ao carácter irreformável da UE que o líder trabalhista se referiu. Foi às opções políticas adoptadas pelos socialistas que, basicamente, mimetizaram as opções neoliberais. O carácter irreformável da UE é verdade num determinado contexto político e é consequência das opções políticas que os diferentes protagonistas tomam. Irreformável nesse contexto, não como uma fatalidade.
A conquista dos sectores trabalhadores pelos projectos políticos radicais de extrema direita, xenófobos e pró-fascistas resulta do abandono a que esses sectores foram votados pelas lideranças socialistas, particularmente com Tony Blair e a sua terceira via. Para recuperar esses sectores a esquerda tem que mudar de política. O Manifesto do Labour é uma ferramenta adequada para o fazer. Pelos vistos são cada vez mais os britânicos que pensam dessa maneira e, apesar das suas hesiitações, Corbyn está cada vez mais perto de ser o novo primeiro-ministro do Reino Unido.
Há declarações de Corbyn na altura das eleições legislativas nas quais ele atribuía a principal responsabilidade da desigualdade territorial ao abandono das áreas industriais por força de opções políticas dos conservadores. Estes desinvestiram na política industrial, condenando vastas áreas e as suas populações ao abandono e à pobreza. Trata-se de opções políticas reversíveis e não se entende como é que fora da UE essas opções podem ser facilitadas.
O Reino Unido não faz parte da moeda única e não está sujeito às regras do pacto de estabilidade e crescimento. Mas isso, sendo importante, é, do meu ponto de vista, pouco significativo. O que importa é o facto de o Labour ser um grande partido, com uma liderança comprometida com o combate à desigualdade e com a valorização dos direitos dos trabalhadores. Essa liderança no interior da UE representa uma enorme oportunidade para empreender uma importante democratização das relações sociais e para corrigir drasticamente a desigualdade entre o capital e o trabalho. Representa uma oportunidade para que as relações de produção e as relações sociais a elas associadas se democratizem. São uma oportunidade para que a União Europeia não só recupere o carácter progressista perdido mas seja um espaço democrático e solidário capaz de promover um desenvolvimento mais sustentável e mais solidário. Solidariedade interna, mas também solidariedade com a África e com a América Latina.
Não percebo, nem consigo encontrar uma explicação minimamente articulada que me esclareça aquilo que ganhamos cada um de nós com a separação dos países e o seu regresso às fronteiras de antes da adesão?
Por isso, nas próximas eleições europeias, não voto em nenhum dos partidos que estando na Europa e nas suas organizações, defendam a implosão do projecto europeu e façam gala de mostrar que o projecto europeu falhou e é irreformável. O meu voto irá para quem tiver ideias claras e quiser lutar para reformar a Europa. Voto no Remain and Reform.
Não foi ao carácter irreformável da UE que o líder trabalhista se referiu. Foi às opções políticas adoptadas pelos socialistas que, basicamente, mimetizaram as opções neoliberais. O carácter irreformável da UE é verdade num determinado contexto político e é consequência das opções políticas que os diferentes protagonistas tomam. Irreformável nesse contexto, não como uma fatalidade.
A conquista dos sectores trabalhadores pelos projectos políticos radicais de extrema direita, xenófobos e pró-fascistas resulta do abandono a que esses sectores foram votados pelas lideranças socialistas, particularmente com Tony Blair e a sua terceira via. Para recuperar esses sectores a esquerda tem que mudar de política. O Manifesto do Labour é uma ferramenta adequada para o fazer. Pelos vistos são cada vez mais os britânicos que pensam dessa maneira e, apesar das suas hesiitações, Corbyn está cada vez mais perto de ser o novo primeiro-ministro do Reino Unido.
Há declarações de Corbyn na altura das eleições legislativas nas quais ele atribuía a principal responsabilidade da desigualdade territorial ao abandono das áreas industriais por força de opções políticas dos conservadores. Estes desinvestiram na política industrial, condenando vastas áreas e as suas populações ao abandono e à pobreza. Trata-se de opções políticas reversíveis e não se entende como é que fora da UE essas opções podem ser facilitadas.
O Reino Unido não faz parte da moeda única e não está sujeito às regras do pacto de estabilidade e crescimento. Mas isso, sendo importante, é, do meu ponto de vista, pouco significativo. O que importa é o facto de o Labour ser um grande partido, com uma liderança comprometida com o combate à desigualdade e com a valorização dos direitos dos trabalhadores. Essa liderança no interior da UE representa uma enorme oportunidade para empreender uma importante democratização das relações sociais e para corrigir drasticamente a desigualdade entre o capital e o trabalho. Representa uma oportunidade para que as relações de produção e as relações sociais a elas associadas se democratizem. São uma oportunidade para que a União Europeia não só recupere o carácter progressista perdido mas seja um espaço democrático e solidário capaz de promover um desenvolvimento mais sustentável e mais solidário. Solidariedade interna, mas também solidariedade com a África e com a América Latina.
Não percebo, nem consigo encontrar uma explicação minimamente articulada que me esclareça aquilo que ganhamos cada um de nós com a separação dos países e o seu regresso às fronteiras de antes da adesão?
Por isso, nas próximas eleições europeias, não voto em nenhum dos partidos que estando na Europa e nas suas organizações, defendam a implosão do projecto europeu e façam gala de mostrar que o projecto europeu falhou e é irreformável. O meu voto irá para quem tiver ideias claras e quiser lutar para reformar a Europa. Voto no Remain and Reform.
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