16/04/19

A Europa que conta. Ainda a propósito do Brexit.


Jeremy Corbyn, como se sabe, liderou a campanha dos que defenderam a opção de permanecer na União Europeia, quando da realização do referendo organizado pela ala  direita dos conservadores britânicos.

A campanha dos trabalhistas tinha como lema a declaração “Remain and Reform”. É verdade que Corbyn não fez uma campanha muito empenhada, são bem conhecidas as suas posições eurocépticas, embora tenha proferido declarações cuja importância política foi por cá muito sub-avaliada. 

O seu eurocepticismo, aliás, não o impediu de defender a reforma da União Europeia. Para os que afirmam sem o demonstrar, caso de Daniel Oliveira, que o Manifesto de Corbyn é incompatível com a União Europeia, talvez seja adequado recordar as declarações do líder trabalhista no lançamento dessa campanha, em Fevereiro de 2016. 

Corbyn defendeu a permanência do Reino Unido na União Europeia, ao mesmo tempo que defendeu a posse pública, implicando a reversão das privatizações e a devolução de importantes sectores da economia à posse do Estado. Como? Defendendo reformas progressistas na Europa. Quais? Democratização, reforço dos direitos dos trabalhadores, desenvolvimento sustentável e emprego no coração da política económica. Combate à  pressão para a desregulação económica e a desregulação dos serviços públicos. Esses são os princípios estruturantes da proposta política que mais tarde apresentou aos eleitores sob o lema "For the many not the few", que está materializado no seu famoso Manifesto (aqui). 

Nessa data Corbyn referia a importância da avaliação dos resultados das privatizações e da necessidade de as reverter, dando o exemplo das cidades que, pela Europa, tinham voltado a recuperar o controlo dos serviços públicos anteriormente privatizados. Prometia dar aos municípios o poder para reverterem essas privatizações.


Estaria Corbyn errado? Essas suas promessas seriam de impossível concretização no contexto da União Europeia? 

Para os que acham que a União Europeia não é reformável a resposta é Sim. Eu pertenço ao grupo dos que acham que este pressuposto é apenas uma boutade política, sem qualquer fundamento histórico ou político, e, nalguns casos, uma manifestação de wishfull thinking, daqueles que consideram apenas ser possível a superação do capitalismo com a implosão da União Europeia.

É possível reformar a União Europeia desde que a maioria dos países adopte políticas tais como as defendidas pelo Labour de Corbyn. Não é possível reformar a União Europeia com o tipo de políticas adoptadas por Governos, como o da Geringonça, que se limitam a propor um caminho alternativo, incapaz de romper o paradigma que transformou a União Europeia numa estrutura de dominação dos países menos desenvolvidos. Um caminho com menos sacrifícios para os condenados mas que, no essencial, mantém as lógicas de dominação e de desigualdade, que são a grande construção do neoliberalismo europeu ao longo das últimas três décadas. 

É possível reformar a União Europeia se um partido como o Labour, o maior partido político da União Europeia, liderar o segundo país mais poderoso da União, desarticulando  o eixo que ao longo de décadas sustentou o desvio para a direita do projecto europeu. 
É possível reformar a União Europeia se um país tão importante como o Reino Unido eleger como políticas públicas as que estão consagradas no seu Manifesto e as concretizar, passando da teoria à práctica. O poder do Reino Unido para o fazer é imenso e não serão as velhas estruturas europeias que o impedirão. 


As pretensas incompatibilidades entre as políticas do Manifesto e as orientações da UE não impedirão a sua concretização. As nacionalizações, as ajudas do Estado e o défice fiscal não são obstáculos. No caso dos dois primeiros há exemplos de Países - dos mais importantes  - em que empresas estratégicas são públicas e o resgate dos bancos falidos constituiu um massiva ajuda dos Estados . O Reino Unido não está abrangido pelo PEC, mas há países, como a França, aos quais as regras não se aplicam como aos países periféricos. As mudanças pretendidas no Mercado de Trabalho com a valorização do factor trabalho e a correção salarial a favor dos mais desfavorecidos, não pode ser um argumento a favor do Brexit, tanto mais que Corbyn tem defendido a manutenção de um tipo de União aduaneira, que salvaguarde os direitos laborais. Um dos argumentos desde sempre utilizado pelo trabalhista contra o Brexit dos Tories era a utopia conservadora de construir um tipo de sociedade ainda mais liberalizada em que os direitos sociais fossem completamente ignorados.

Corbyn, resistiu a várias tentativas de o desalojar do poder interno e assistimos, entretanto, a duas coisas notáveis: o Labour tornou-se o maior partido político da União Europeia, com a adesão de centenas de milhares de cidadãos, comprometidos com uma mudança política; o povo do Reino Unido retirou a maioria absoluta aos conservadores e quase conduziu Corbyn à vitória eleitoral, abortando o golpe de May e dos seus capangas. Um momento com um enorme significado político, como tive oportunidade de assinalar. 

Voltando ao Brexit, Paul de Grawe, também no Expresso, em 8.04.2017, defendia que o Brexit era, afinal, uma oportunidade para a UE. O economista considerava que uma política fiscal comum passava a ser possível. Vale a pena reler o que foi então escrito:


O economista alertava para a posição do Reino Unido em defesa do poder de veto dos Governos nacionais nas questões fiscais. Essa posição favoreceu as grandes multinacionais, que não pagam impostos e beneficiam dos serviços públicos disponibilizados pelos governos europeus. Com a saída da Grâ-Bretanha desaparecia o principal obstáculo a uma política fiscal comum. 

Há uma outra forma de olhar para esta possibilidade: com o Reino Unido liderado por Corbyn na UE haverá, acho eu, uma mudança radical: o País que era o maior obstáculo a uma política fiscal comum, mais justa e mais distributiva, passa a ser o país que mais força fará para a promover. Uma mudança de fundo, capaz de promover a reforma da União Europeia. 

Curiosamente foi Corbyn que em Praga num congresso dos partidos socialistas realizado em Dezembro de 2016 alertou para os perigos do populismo de extrema-direita e fez o diagnóstico dos motivos que estavam na sua origem.  
Não foi ao carácter irreformável da UE que o líder trabalhista se referiu. Foi às opções políticas adoptadas pelos socialistas que, basicamente, mimetizaram as opções neoliberais. O carácter irreformável da UE é verdade num determinado contexto político e é consequência das opções políticas que os diferentes protagonistas tomam. Irreformável nesse contexto, não como uma fatalidade.

A conquista dos sectores trabalhadores pelos projectos políticos radicais de extrema direita, xenófobos e pró-fascistas resulta do abandono a que esses sectores foram votados pelas lideranças socialistas, particularmente com Tony Blair e a sua terceira via. Para recuperar esses sectores a esquerda tem que mudar de política. O Manifesto do Labour é uma ferramenta adequada para o fazer. Pelos vistos são cada vez mais os britânicos que pensam dessa maneira e, apesar das suas hesiitações, Corbyn está cada vez mais perto de ser o novo primeiro-ministro do Reino Unido.  

Há declarações de Corbyn na altura das eleições legislativas nas quais ele atribuía a principal responsabilidade da desigualdade territorial  ao abandono das áreas industriais por força de opções políticas dos conservadores.  Estes desinvestiram na política industrial, condenando vastas áreas e as suas populações ao abandono e à pobreza. Trata-se de opções políticas reversíveis e não se entende como é que fora da UE essas opções podem ser facilitadas. 

O Reino Unido não faz parte da moeda única e não está sujeito às regras do pacto de estabilidade e crescimento. Mas isso, sendo importante, é, do meu ponto de vista, pouco significativo. O que importa é o facto de o Labour ser um grande partido, com uma liderança comprometida com o combate à desigualdade e com a valorização dos direitos dos trabalhadores. Essa liderança no interior da UE representa uma enorme oportunidade para empreender uma importante democratização das relações sociais e para corrigir drasticamente a desigualdade entre o capital e o trabalho. Representa uma oportunidade para que as relações de produção e as relações sociais a elas associadas se democratizem. São uma oportunidade para que a União Europeia não só recupere o carácter progressista perdido mas seja um espaço democrático e solidário capaz de promover um desenvolvimento mais sustentável  e mais solidário. Solidariedade interna, mas também solidariedade com a África e com a América Latina. 

Não percebo, nem consigo encontrar uma explicação minimamente articulada que me esclareça aquilo que ganhamos cada um de nós com a separação dos  países e o seu regresso às fronteiras de antes da adesão? 

Por isso, nas próximas eleições europeias, não voto em nenhum dos partidos que estando na Europa e nas suas organizações, defendam a implosão do projecto europeu e façam gala de mostrar que o projecto europeu falhou e é irreformável. O meu voto irá para quem tiver ideias claras e quiser lutar para reformar a Europa. Voto no Remain and Reform. 

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