Em dois
posts certeiros, a
Joana Lopes e o
João Tunes - este contrastando/conjugando as recentes declarações de
Jerónimo de Sousa com
um discurso "histórico" de Álvaro Cunhal, justificativo da invasão da Checoslováquia, em 1968, pelas tropas do Pacto de Varsóvia - põem em evidência o reforço da componente nacionalista na propaganda e argumentário ideológico do PCP. Para uma análise, ao mesmo tempo rigorosa e crítica, do papel do nacionalismo na história do PCP, a obra de referência é a que começou por ser o texto de uma tese de doutoramento do
Zé Neves e que entretanto se tornou acessível no mercado livreiro (José Neves,
Comunismo e Nacionalismo em Portugal. Política, Cultura e História no Século XX, Lisboa,
Tinta da China, 2008). Aqui, basta acentuar que este elemento não é novo, antes uma constante que tem conhecido formulações diversas ao longo da existência da organização, conjugando-se sempre numa relação mais ou menos complexa - de tensão, complementaridade, etc. - com outros traços "ideológicos". Mas importa também insistir em que, nos últimos tempos, os conteúdos nacionalistas e a sua formulação apologética têm vindo a intensificar-se cada vez mais.
Este aspecto torna-se ainda mais significativo - e maior a ameaça de assistirmos ao recrudescimento de um
nacionalismo de protesto reforçando confluências "para além da esquerda e da direita", um pouco do tipo das que acompanharam a maré negra das ditaduras e dos totalitarismos do perído anterior à Segunda Guerra Mundial - quando nos damos conta de que o fenómeno não se limita ao PCP. A favor do descontentamento e das brutais frustrações impostas a camadas cada vez mais amplas da população, em resultado de sucessivos governos que, fazendo da Europa profissão de fé, a usam ao mesmo tempo como alibi das suas medidas mais regressivas do ponto de vista económico e social, e, do mesmo modo, a favor também das políticas activas e das "omissões" e "défices" da própria União Europeia, conjugando uma burocratização autoritária e cada vez menos transparente com um neo-liberalismo erigido em necessidade científica meta-constitucional - a verdade é que, tanto à direita, entre os nostálgicos da soberania musculada de um Estado-nação autoritário, como garante das "forças vivas" e dos "interesses legítimos", como em diversas áreas e/ou tendências da oposição ao actual governo e aos seus antecessores, um nacionalismo cada vez mais intenso informa boa parte das soluções propostas para a crise e as representações ideológicas do que seria uma alternativa para o actual estado de coisas.
O nacionalismo tem no seu activo ter desarmado nas organizações e forças políticas que se reclamavam do movimento operário e outras afins a vontade política internacionalista, que, desmantelando a prioridade da defesa do Estado-nação e dos representantes dos superiores interesses nacionais, poderia ter feito abortar, entre outras realizações sinistras, os milhões de mortos das duas guerras mundiais do século passado, escandidas pela de Espanha, e também, de então para cá, inúmeros outros conflitos regionais, bem como o reforço da miséria, do crescimento das desigualdades à escala mundial, a submissão a essa mesma escala dos movimentos populares e de contestação e, nos últimos anos, a absolutização do governo global do capitalismo, que, esse sim, aprendeu a internacionalizar-se e a recorrer à força acrescida desse internacionalismo perante resistências que só muito precariamente têm logrado articular-se para além da escala nacional.
Tendo assim presente que o "nacionalismo de protesto" só pode servir o internacionalismo capitalista global, vai-se tornando mais do que tempo, pois, de combater o vírus e de prevenir o renascimento do monstro híbrido, combatendo politicamente, e para começar no plano das ideias, através da desmistificação das soluções do "nacionalismo de protesto", as propostas que, voluntária ou involuntariamente (como é frequente ser o caso), alimentam este último.
Assim, as mesmas razões que levaram a Joana e o João a denunciar as declarações de Jerónimo de Sousa - e o seu nacionalismo demagógico - são as que me levam a dizer aqui que um "nacionalismo de protesto" muito semelhante compromete também
a candidatura de Manuel Alegre, uma vez que este não deu até ao momento o mínimo sinal de estar disposto a mudar de orientação na matéria ou a rever o que tem sido, desde os seus primeiros passos políticos, uma marca distintiva das suas propostas e intervenções.
O actual candidato dizia, em 1978 (para não recuarmos demasiado), numa s
essão solene da AR: "
Desde que um príncipe subversivo teve a ousadia de se revoltar contra a mãe e desobedecer ao Papa para fundar um reino e uma pátria, sempre os momentos decisivos da nossa história foram momentos de ruptura, de revolta, de insubmissão e inconformismo (…) Momentos de revolta e iniciativa histórica, como 1383, 1640, 1820, 1910. Assim se fez esta pátria, este povo e esta história, que é o nosso património mais precioso".
Em 2006,
apresentando um livro sobre um pretendente ao trono de Portugal, reiterava: "
é preciso preservar o nosso património comum, renovar a cidadania e afirmar sem complexos o orgulho de ser português.É por isso que eu, que sou republicano, partilho muitas das preocupações expressas por um autor monárquico e também de valores defendidos por D. Duarte. É que essas preocupações e esses valores estão para alem do ser monárquico ou republicano. São de todos os portugueses que não precisam de encomendar sondagens para saber que querem continuar a ser portugueses e a fazer de Portugal hoje, tal como no passado, uma Nação de vanguarda, uma Nação Piloto".
E já no contexto da sua
presente candidatura, em Dezembro de 2009:"
Os portugueses estão cansados dos profetas da desgraça, daqueles que estão constantemente a decretar o fim iminente de Portugal (…) Mas nada disto é novo. Profetas da desgraça já houve muitos, em todas as épocas da nossa história. E, no entanto, passaram mais de oito séculos e ainda cá estamos. Portugal é uma magnífica obra da vontade humana. E enquanto for essa a vontade do nosso povo, Portugal continuará a existir. Mesmo contra a vontade de alguns grandes interesses privados, que em vários momentos da nossa história foram 'entreguistas'".
O que é que distingue decisivamente estas afirmações das de Jerónimo de Sousa, que a Joana, depois de as citar, considera justamente "
de um nacionalismo bacoco a que já nos habituou"? Ou, salvo aspectos menores, do de
Fernando Nobre, igualmente evocado pela Joana? Considerando, enfim, que Cavaco Silva não será alternativa e, antes, rivalizará com Fernando Nobre no grotesco das formulações do "acima de tudo Portugal", só posso concluir que as candidaturas presidenciais até agora apresentadas na região portuguesa são uma verdadeira frente nacionalista - ainda que, felizmente, fragmentada - de combate ao
internacionalismo político e ao
cosmopolitismo cultural que, hoje mais do que nunca, são inseparáveis de qualquer combate que valha a pena contra os desígnios absolutistas de governo global da economia política dominante.
Actualização: Já depois de publicado este post, dei com
este outro, de leitura indispensável, que a Joana escreveu no
Brumas, e cujo "aviso à navegação" sublinho
: "
Tendemos a encolher os ombros quando surge mais uma iniciativa da «nacionalistas e salazaristas», crentes que estamos no insucesso garantido da extrema-direita em Portugal. Mantenhamos essa fé e alimentemos a respectiva esperança. Mas convém talvez não esquecer que, ao longo da História, tem sido em tempos de crises, por vezes bem menores do que aquela que estamos agora a atravessar, que projectos deste tipo acabam por agregar muitos descontentamentos e outros tantos contidos desesperos".