22/05/10

Uma questão de "timing"


Houve quem censurasse o post que a Diana Andringa aqui publicou ontem, por já não vir a propósito. Independentemente do conteúdo específico da censura (relativa ao que já não viria a propósito naquele caso específico), é uma certa tirania do timing que assusta.

Seria preciso, portanto, postar a tempo e horas sobre o que está na ordem do dia. Como se a oportunidade do aqui se possa escrever fosse directamente proporcional ao zelo com que se espetam os olhos no calendário, alinhados com os dois algarismo do dia em que se está...

Provavelmente, não há como se desembaraçar, em absoluto, de certos gestos, reflexos, tiques reificados. Mas, pelo menos, tentemos resistir-lhes.  Porque há, também, uma “atenção distraída”, uma “compreensão súbita e imprevista do que se investigava há muito”, um “sentir-se livre de prazos e obrigações e, ao mesmo tempo, engajado em tudo”, entre outros tantos paradoxos mais ou menos poéticos e em nada irreais. E há, também, o “kairos”, que poderíamos traduzir do grego por “momento oportuno”.

Ora aí está uma coisa em que valeria a pena pensar – e nada despicienda em vista de uma crítica da reificação (e de outras coisas): a diferença – sublinhe-se a diferença – entre o bom timing e o “momento oportuno”.

7 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Grande post, João Pedro.

Entusiasmado abraço

miguel sp

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro "Blogger",

O (alegado) censor, ou tirano do "timing", que acusa no seu "post" sou eu!
Mas antes de proferir uma sentença definitiva, permita-me precisar duas coisas.

Primeiro, a perplexidade que manifestei no meu comentário não deriva de a oportunidade do "post" da Diana Andringa ter passado, mas da importância que pessoas que não são religiosas conferem à religião (dos outros), que me parece semelhante à importância que algumas pessoas que defendem o formato tradicional de família dão à possibilidade de os que pretendem adoptar formatos diferentes o façam.
Eu até já tenho lamentado junto de co-"bloggeres" seus o facto de o ciclo de análise de problemas neste contexto ser demasiado toca-e-foge, preferindo partir para outra análise antes de completar devidamente uma anterior...

Segundo, receio que a banalização do uso de expressões como "censura" ou "tirania" aplicadas a situações que não o são possa acabar por constituir um branqueamento do significado dessas expressões junto de quem, por ser mais jovem do que eu, não viveu nem com censura, nem em tirania, ou seja, um branqueamento do fascismo.
Quando se acusa alguém de censor ou tirano, está-se a dizer a alguns amigos que ele é tão mau como o fascismo, mas está-se também a dizer a outros, os jovens que só têm uma imagem difusa do fascismo, que o fascismo era tão mau (ou tão bom) como ele.
E não sei se o meu amigo já era vivo antes do 25 de Abril, mas acredite que uma expressão como "pode respirar à vontade e escrever sobre outros temas" não era típica da censura...

Cumprimentos

João Pedro Cachopo disse...

Caro Manuel Vilarinho Pires,

se não mencionei o autor (nem o conteúdo) do comentário em que manifestava a sua perplexidade face ao post da Diana Andringa, não foi por acaso, mas porque tal era (e é) irrelevante.

O que me pretendi foi apenas tomar como pretexto o gesto de um “já não vem a propósito” para tecer algumas considerações críticas acerca da mentalidade do “timing” (reificação da experiência temporal, etc.) – assuntos que talvez transcendam a ordem do dia, mas de cuja pertinência estou persuadido.

Movia-me – permita-me esclarecer – a modéstia de considerar questões mais gerais e não de criticá-lo em particular (menos ainda de acusá-lo de censor ou tirano do “timing”).

Cumprimentos,
“Blogger”

ps. Gostaria apenas de acrescentar – embora isto já não diga respeito ao post – que, por um lado, considero ser muitíssimo importante estabelecer a linha de um "non confundar" conceptual, nomeadamente no que toca aos sentidos da censura, da ditadura, e do fascismo (estamos, portanto, de acordo), sendo que disto, porém, não deve decorrer um purismo terminológico... Julgo, de resto, que seria necessária muita imaginação para ver em algum ponto do que escrevi uma tentativa de branquear o significado do fascismo.

Ou seja, por outro lado – e isto também me parece decisivo –, se se permanecesse refém de um purismo terminológico, impedir-se-ia a crítica enfática do que quer que seja. Nesse sentido- siga-me por favor -, pode ter efeitos de branqueamento fazer a chantagem do branqueamento daqueles significados-de-que-os-jovens-têm-uma-imagem-difusa.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro João,

Nesse caso, posso retirar o primeiro ponto do meu comentário, mas permita-me manter o segundo.
Não é necessário ter a intenção de branquear o fascismo para o fazer.
Aliás, no meu comentário exemplifico isto com uma divergência entre o que se quer (no exemplo, associar uma posição de alguém ao fascismo) e o que se acaba por obter (no exemplo, associar o fascismo a essa posição).
O exemplo mais acabado que encontro disto é a associação que vi fazer a muita esquerda entre as tentativas do PM se livrar de uma jornalista incómoda, com censura ou ameaças à liberdade de imprensa.
À força de ouvir associações como essa, a minha filha de 13 anos pode acabar por ficar com a impressão que o regime (ou a personalidade) do Dr. Oliveira Salazar era(m) semelhante(s) ao(s) do Engº Sócrates, e não é.
Não me passou pela cabeça que tivesse intenção de branquear o fascismo (e basta a presença da Joana neste "Blogue" para eu excluir essa hipótese), mas sim que a utilização banalizada de associações ao fascismo pode ter essa consequência indesejada.
Não vê também nas minhas palavras uma tentativa de o impedir de usar a crítica enfática. Vê apenas a chamada de atenção para que a sua utilização poder ter este "side effect" que me parece que considera tão indesejável como eu.
Cumprimentos,

João Pedro Cachopo disse...

De acordo, em quase tudo, uma vez que concordará que é importante que a sua filha compreenda quer a diferença entre Salazar e Sócrates, quer que a tentativa de se “livrar de uma jornalista incómoda” não abona a favor da liberdade de imprensa.

E, claro, também não é preciso ter a intenção de impedir uma crítica enfática para que isso tenda a acontecer de facto – o que, à luz do seu último comentário, se torna patente. Seria esse o “side effect” de um purismo terminológico, tão indesejável como o que referiu.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João Pedro,
como receio que, apesar de esclarecedora e profícua, a tua troca de comentários com o MVP, tenha ofuscado um pouco o núcleo mais vivo do teu post, aqui vão alguns dos considerandos latentes na demasiado sucinta exclamação com que ontem o saudei, minutos depois de o teres publicado.

Gostaria, com efeito, de sublinhar como a oposição do timing e do kairos acaba por remeter para dois registos ou dimensões do tempo.
O timing para o tempo já sabido e já sido, cumulativo, calculável, estratégico-instrumental, tempo da gestão, da normalização e da linearidade; o kairos para o tempo da acção, entendida à maneira de Arendt como “começo”, o tempo que (des)faz ser, o tempo do acontecimento sem condições suficientes na paisagem ou estado de coisas anterior (exemplos: a “invenção da linguagem”, a “instituição do cidadão” que desfaz e refaz em termos novos as suas condições sociais de partida…), o tempo da criação.

Sem dúvida, como sugeres, os dois tempos não se excluem, e é sempre sobre a sedimentação de criações anteriores que a acção se propõe ou a criação – assumida ou não como tal – se apoia. Mas tal é uma razão mais para mantermos que afirmar o primado do primeiro, como fazes, é afirmar a prioridade do insituinte sobre o instituído (e no interior do próprio instituído e da sua própria preservação no seu modo de ser), ou da política (entendida como questionamento explícito da instituição e do seu modo de fazer, reconhecendo-a, pois, como criação social-histórica em aberto) sobre a simples economia (inclundo a gestão, a racionalização e a contabilidade “económicas” das relações de poder instituídas) e contra o seu primado. Tanto mais que este último implica o recalcamento do kairos e, mais geralmente, do tempo primeiro da criação (enquanto a inversa, diga-se de passagem, já não é veradeira).

Poderia continuar e desafiar-te a continuar a conversa. Mas ficará para outra vez. Por agora só queria chamar a atenção para este aspecto - fulcral em termos políticos - do teu post.

Abrç solidário

msp

João Pedro Cachopo disse...

Caro Miguel,
há uma transversalidade da crítica que me é, de facto, cara (a de permanecer atento aos detalhes, aos intervalos, aos subentendidos linguísticos); nem sempre, no entanto, é imediatamente claro esse teor crítico. Isto para dizer que a “decifração” política que propões do meu post toca no ponto nevrálgico do que tinha mente quando pensei em escrevê-lo.
Um debate a continuar, portanto – e noutras ocasiões –, pelo que respondo, com brevidade, apenas para agradecer a leitura e o desdobramento de ideias.
Um abraço