Apesar dos equívocos a que se prestam os seus considerandos — sobretudo pelo tom um tanto Praça da Canção a que cedem — e apesar do seu título demasiado cifrado, com o seu recurso à fórmula "bloquear a economia", para uma convocatória deste tipo, o apelo à participação autónoma na manifestação agendada para o dia 29 de Maio que circula na blogosfera, encabeçado pela divisa Bloquear a Economia para Começar a Viver, é uma iniciativa que merece o apoio e a solidariedade dos que entendem que é uma urgência social e política contrariar e obrigar a recuar a ofensiva governamental-patronal, sem com isso avalizarem a subordinação dos trabalhadores e do conjunto de cidadãos aos que se afirmam como seus representantes e "vanguarda" para canalizarem a sua revolta, pondo-a ao serviço dos seus interesses de candidatos ao lugar de "legítimos superiores" e detentores da direcção dos aparelhos estatal e económico.
Ora, ao mesmo tempo que denuncia uma política que visa impor a precariedade e a precarização como normalidade e no mesmo lance puni-la na acepção penal do termo; limitar os direitos e liberdades conquistados por lutas seculares dos trabalhadores e movimentos populares; suspender as garantias de natureza democrática cujo reconhecimento essas mesmas lutas lograram impor à oligarquia governante, e reforçar através de sucessivos pacotes e programas autoritários o projecto de transferir, com o apoio dos "meios de violência legítima" que são monopólio do Estado, poderes governamentais cada vez mais absolutos para as mãos dos que já exercem um governo sem controlo democrático da actividade económica - ao mesmo tempo que denuncia esta política e se recusa a adiar a luta contra ela, a convocatória Bloquear a Economia para Começar a Viver torna possível participar na manifestação de 29 de Maio sem que essa participação equivalha ao reconhecimento de qualquer autoridade à direcção dos que pretendem ser “donos da luta” e capitalizá-la, explorando a revolta dos trabalhadores e precários como outros capitalizam a sua força de trabalho. E que, assim, mostram bem como agiriam se fossem "donos do poder" por mais que o pintassem de vermelho e lhe chamassem "poder dos trabalhadores", "ditadura do proletariado", "poder popular", ou "Estado de todo o povo".
Como escreve o Carlos Guedes, nos comentários que acrescentou à publicação do apelo: "É natural, portanto, que haja pessoas que, estando motivadas para a luta não o estejam para uma luta conduzida e/ou determinada pela CGTP. Principalmente quando sabemos que não é, muitas vezes, a própria CGTP a marcar o calendário das suas iniciativas. (…) Uma nota final para dizer o seguinte: se é inegável que a CGTP e os sindicatos que representa desempenham um papel fundamental na nossa sociedade, também o é que o que aconteceu com a malta do May Day, que no 1º de Maio se pretendia juntar à manifestação, em nada ajuda à união de esforços. E coisas como essa ajudam, e de que maneira, a que alguma malta comece a ficar farta dos tiques de «dono da luta» de alguns senhores que por aí andam".
Na mesma ordem de ideias, uns comentários mais abaixo e na mesma caixa dos ditos, parecem-me boas as razões do Ricardo Noronha, ao concluir: "Diria eu que no fundamental, quem acha que o PEC e estas medidas são injustas e inaceitáveis deve ir à manifestação, mesmo se não concorda com cada um dos pontos da convocatória — depois de deixar claro que isso: "não poderia nunca equivaler a abdicar de sustentar um ponto de vista diverso daquele que a mesa nacional da CGTP considera ser o melhor. Aliás, eu concordo com o «não» da CGTP, o mais complicado é mesmo o «sim». Naturalmente, não me passa pela cabeça que esta componente da manifestação prefira lançar palavras de ordem contra os sindicatos em vez de o fazer contra os patrões e o governo. Tenho para mim que se limitará a gritar palavras de ordem distintas das que vêm naquelas folhinhas com slogans previamente decididos e que os trabalhadores são convidados a repetir ao ritmo do megafone".
A luta contra os "donos da luta" deve ser travada — também e sempre que possível — no terreno em que a apropriação da sua "mais-valia" se prepara. Ou seja, independentemente de algumas reservas justificadas que a convocatória alternativa suscite, vale a pena sair à rua no dia 29 de Maio para travar a ofensiva do governo e a sua política de consolidação do "poder económico", e para impedir ao mesmo tempo a exploração da luta pelos interesses anti-populares dos que se pretendem seus donos.
26/05/10
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7 comentários:
Nem mais: 100% de acordo.
nelson anjos
Caro MS Pereira: O NR de Almeida produziu declarações muito positivas e inequívocas sobre os contornos de um projecto político actual e descentralizador. Já disso deixei referência no post do R.Noronha sobre o Manifesto. Assim como o assianlei no post do Rafael Fortes no Cinco Dias, " De que lado estás na luta?". Trata-se de um gesto individual marcante, dada a personalidade forte e tolerante,criteriosa e muito " elegante " do NR de Almeida.Como assinalou Castoriadis, " Ser revolucionário não significa declarar de imediato, como o fez Sieyès, que todo o passado era um " absurdo gótico ". Estou radiante! Niet
E eu também, Nelson, com os comentários que você aqui tem deixado - só é pena serem poucos…
Forte abraço, camarada
msp
Sim, Niet - um certo registo de afabilidade sóbria, aquilo a que se chamava "lhaneza", é propício à cidadania.
Abrç
miguel sp
O que é a «Praça da canção»?
A existência de duas centrais sindicais é quase sempre ignorada, temos pena!
O que seria deste país só com a CGTP amiga de gente como a Coreia do Norte e outros ainda piores, que curiosamente quando estão sozinhos nas empresas estas demoram pouco tempo a fechar!
MS. Pereira: A " malta " do Manifesto " Bloquear a Economia para Começar a Viver !" parece-me ter muito fôlego e pertinácia revolucionária! Temos que ter calma e jogar muito xadrez no PC! Por outro lado, noto sensíveis e muito positivas alterações no posicionamento político do NR de Almeida em 24 horas, ao reler os dois posts do Cinco Dias sobre o Manifesto; e onde ele(NRA) se explica várias vezes sem peias...O que confirma o meu comentário desta manhã alvoroçado. O que só pode ser bom sinal!Sobre os Conselhos Operários na Hungria 56, o que já li deixa-me surpreendido: existiram "sovietes" em várias cidades-pólos industriais e na capital, que conseguiram arranjar armas. Portanto, um exímio grau de consciência de classe! Salut et égalité, Niet
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