Havia sempre música a acompanhar a comida wok e as bebidas ao pôr do Sol. Canções que nós próprios poderíamos escolher para ouvir em casa, daquelas cuja letra nos surge por inteiro ao primeiro acorde, que cantaríamos se tivéssemos a felicidade de saber cantar.
Nesse dia, voz e música eram-nos próximas, mas desconhecidas. A letra, em castelhano, prendeu-nos desde o início:
Del mar los vieron llegar
mis hermanos emplumados
eran los hombres barbados
de la profecía esperada.
Sonó la voz del monarca:
que el dios había llegado
y les abrimos la puerta
por temor a lo ignorado
(...)
Hoy en pleno siglo XX
nos siguen llegando rubios
y les abrimos la casa
y los llamamos amigos.
Pero si llega cansado
un indio de andar la sierra
lo humillamos y lo vemos
como un extraño por su tierra.
(...)
¡Oh! maldición de malinche
enfermedad del presente
¿cuándo dejarás mi tierra?
¿cuándo harás libre a mi gente?
Mas de quem era aquela voz? Enumerávamos as cantoras latino-americanas que conhecíamos e não conseguíamos fazê-las corresponder à voz crescendo sobre o Azul.
Chamámos o dono, pedimos-lhe que nos dissesse quem cantava. Foi buscar a capa do DVD, para que tirássemos a referência: «El Cancionero Popular – Amparo Ochoa». A canção era «La maldicion de Malinche».
Gostarmos da canção foi como dizermos uma senha. No dia seguinte, sozinhos no restaurante, mostrou-nos um documentário de Patrício Guzmán. Falámos do Chile, do 11 de Setembro de 73, de Portugal, do 25 de Abril de 74. De sonhos e derrotas, de alegrias, de música e de filmes, de livros. Como tantas vezes me tenho apercebido, tínhamos muito em comum por sobre os mares que nos separavam.
Quantas vezes, desde então, ouvi Amparo Ochoa? Já não na varanda do Azul, mas em Portugal, onde as canções – da ironia de «El negro Manuel Antonio» ou «A que le tiras quando sueñas mexicano» à dor de «Jugar a la vida» – não perdem nem um pouco de sentido.
0 comentários:
Enviar um comentário