15/05/10

Post-scriptum à "Resposta a Vítor Dias"

Para despessoalizar um pouco a questão e melhor mostrar o que está em jogo na polémica para que Vítor Dias me desafiou, por um lado, e, por outro lado, para explicar por que vale a pena não ignorar, como às vezes apatece, as exposições da "verdade a que temos direito" de que os militantes como VD entendem ser os únicos administradores legítimos, veja-se o que sobre os "partidos comunistas" e os seus militantes dizia Castoriadis numa entrevista de 1991:

" [o PC] está condenado a dizer uma coisa e a fazer o contrário: fala de democracia e instaura a tirania, proclama a igualdade e realiza a desigualdade, invoca a ciência e a verdade e pratica a mentira e o absurdo. É por isso que perde muito rapidamente a sua influência sobre as populações que domina. Mas é também por isso que aqueles que aderem ao comunismo, pelo menos antes da sua chegada ao poder (…) [e]stão possuídos por uma 'ilusão revolucionária', acreditam de um modo geral que o Partido Comunista visa realmente instaurar uma sociedade democrática e igualitária. É por isso que um comunista que descobre a monstruosidade do 'comunismo realizado' pode soçobrar psiquicamente, ou tornar-se social-democrata, oiu manter um projecto de transformação social radical desembaraçado do mmessianismo marxista-bolchevique. Um fascista ou um nazi não pode descobrir, nas suas crenças anteriores, nada que o incite a mudá-las" (C. Castoriadis, Uma Sociedade à Deriva. Entrevistas e Debates, 1974-1997, Lisboa, 90 Graus, 2006, p. 300).

Quem me dera acreditar que VD, inspirado por Le Temps des cerises e pela meditação da Comuna,  será um dia capaz, não de soçobrar psiquicamente, nem de tornar-se social-democrata, mas de se juntar aos que entendem, como entendia Rosa contra Lenine e Trotski,  que "a liberdade é sempre a liberdade daqueles que pensam de outro modo", e que essa liberdade é parte essencial da igualdade instituinte, da democracia real, cujos cidadãos,  em vez de quase só votarem para não serem eles a governar, renunciando ao exercício do poder ao escolher os governantes de entre os candidatos que o exercerão sobre os seus trabalhos e dias,  assumirão a responsabilidade de serem eles a darem-se as suas próprias leis, sabendo que o fazem, e recusando a legitimidade de qualquer decisão em que não tenham podido participar como iguais, de qualquer forma de governo que os exclua do corpo dos governantes.

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro MS. Pereira: Como simples " electrão " livre e autonómo, singular e pensante,tenho que declarar a minha total e incondicional solidariedade para com as posições políticas que tens defendido com garra indómita, elevação ética e rigor heterodoxo.Alexander Zinoviev, outro dos grandes " demolidores " do embuste estaliniano como C. Castoriadis,diz num grande livro sobre " O Comunismo como realidade ", precisa: " O homem ideal tal como o esboça a ideologia comunista não é um ser moral. Sublinho ainda mais uma vez: moral não significa obrigatoriamente bom; e imoral obrigatoriamente mau: (...)O comunista ideal, mesmo que pareça ser muito bom, é um ser qualitativamente não-moral ". Salut et égalité. Niet

joão vilaça disse...

Caro MSP,
ao contrário do comentador Niet aqui em cima, não me interessa vir aqui expressar solidariedade ideológica ou discordância virulenta em relação a qualquer posição, política ou não, aqui expressada. Comento apenas porque este post tem o título, elucidativo e auto-explicativo de uma constante personalização da discussão (que talvez, admito, não tenha a ver especificamente consigo ou com o Vitor Dias mas com a própria natureza da polémica que se abre em blogs). No entento, não posso deixar de notar nas suas intervenções uma constante exacerbação da componente pessoal e uma propensão para a delimitação clara das fronteiras ideológicas e políticas que separam os intervenientes, uma pulsão para a trincheira e para a vitimização que não compreendo muito bem.
A polémica que gerou, entre outras coisas, esta "resposta a VD", foi, para mim, um ignorante absoluto na matéria, bastante interessante e pedagógica e, não desconsiderando os argumentos de Rui Bebiano (relevantes e sólidos), pareceu-me que, sendo evidentes e legítimos os objectivos argumentativos de VD, parecem-me mais opacas as intenções de Rui Bebiano (e as suas, por inerência e solidariedade). O que pretendem: evidenciar a ambiguidade do PCP perante a guerra colonial? expressar discordância em relação à táctica política do PCP há quarenta anos atrás?
Deixando isto para trás, o que me incomoda é que, mimetizando a conhecida propensão dos militantes comunistas para o maniqueísmo e para a lógica do "não estando connosco, estás contra nós" e para a desconsideração do oponente pela sua hipotética missão de serviço ao capitalismo (algo que, note-se, não detectei na intervenção do VD aqui, como não detecto em geral nas suas intervenções), o MSP e o RB, utilizando qualificativos bastante duros, enveredem pela mesma lógica de, contra argumentos e dados históricos fornecidos por um comunista, se opte pela mesma via insultuosa com recurso ao já tão cansativo adjectivo "estalinista", entre outros igualmente violentos - algo que não pressenti sequer que estivesse presente nesta discussão.E a sua citação de Castoriadis é elucidativa: uma citação bastante lamentável de uma tentativa desajeitada de análise da psique comunista e da do dissidente comunista, um estereótipo tão ambíguo e rasteiro como outro qualquer. Dizer, como RB diz, que comentar os posts em que se refere o PCP e a sua história por parte de alguém que, bem ou mal, dedicou a sua cida inteira ao PCP e que, conhecendo a sua história lhe deve a lealdade possível, é uma actividade de polícia (e parece-me que, nos blogs como no resto, devemos comentar aquilo que conhecemos) é fazer o mesmo jogo do que criticamos e com isso, abortar toda a possibilidade de uma discussão. O problema é que cada vez mais me parece que estas polémicas estéreis se reduzem, em última a nálise, a velhos ajustes de contas entre correntes de esqerda e militantes (ou não) velhos conhecidos. E isso é, como dizer, aborrecido.
Cumprimentos.

Miguel Serras Pereira disse...

João Vilaça,
quem abriu as hostilidades não fui eu, foi o VD, ao atribuir-me uma trajectória política de "arrependido", que ele próprio teve de reconhecer ter deformado.
Mas só o fez DEPOIS de eu lhe responder no tom menos ameno que se impunha perante a insinuação. Não reconheço ao PCP nem a qualquer outro partido um estatuto especial, que justifique que se lhe ofereça politicamente a outra face, depois de uma primeira agressão.
Na minha primeira intervenção neste caso, limitei-me a apresentar, reservando os juízos políticos para outro contexto,a política promovida pelo PCP nos meios estudantis de finais dos anos 60 e seguintes. E fi-lo em termos que, uma vez mais, se ler bem, o VD confirma. É verdade que, ao mesmo tempo que confirma, atribui o facto de eu os expor a intenções perversas e retorcidas. E, por fim, admira-se que eu reaja e lhe responda à letra. Haverá verdades que podem ser ditas por um militante do PCP, mas que enunciadas por outros se tornam em delito de opinião?
Quanto ao texto do Castoriadis, é uma citação de alguém que passou pelo PC grego e depois por uma organização trotsquista, também durante a guerra e ainda na Grécia, e pertenceu à IV INternacional durante os primeiros tempos do seu exílio em França. Sabia do que falava. Ao romper com a "ilusão" que o levara a acreditar que o PC, ou uma variante organizativa da mesma família, "visa realmente instaurar uma sociedade democrática e igualitária", manteve-se fiel ao projecto de transformação radical (destruição da hierarquia estatal e capitalista, sua substituição pelo exercício organizado do poder pelos cidadãos, superando a distinção entre governantes e governados, etc., etc.). Assim, quando dizia - e repito agora - que gostaria de ver VD assumir de uma forma mais racional e lúcida a sua postura de luta contra o capitalismo (para não contribuir, ainda que involuntariamente, para o reciclar), não digo seja o que for de ofensivo. E aponto-lhe o exemplo de um democrata e "autonomista" revolucionário que muito admiro.
Sinceramente

msp