Para despessoalizar um pouco a questão e melhor mostrar o que está em jogo na polémica para que Vítor Dias me desafiou, por um lado, e, por outro lado, para explicar por que vale a pena não ignorar, como às vezes apatece, as exposições da "verdade a que temos direito" de que os militantes como VD entendem ser os únicos administradores legítimos, veja-se o que sobre os "partidos comunistas" e os seus militantes dizia Castoriadis numa entrevista de 1991:
" [o PC] está condenado a dizer uma coisa e a fazer o contrário: fala de democracia e instaura a tirania, proclama a igualdade e realiza a desigualdade, invoca a ciência e a verdade e pratica a mentira e o absurdo. É por isso que perde muito rapidamente a sua influência sobre as populações que domina. Mas é também por isso que aqueles que aderem ao comunismo, pelo menos antes da sua chegada ao poder (…) [e]stão possuídos por uma 'ilusão revolucionária', acreditam de um modo geral que o Partido Comunista visa realmente instaurar uma sociedade democrática e igualitária. É por isso que um comunista que descobre a monstruosidade do 'comunismo realizado' pode soçobrar psiquicamente, ou tornar-se social-democrata, oiu manter um projecto de transformação social radical desembaraçado do mmessianismo marxista-bolchevique. Um fascista ou um nazi não pode descobrir, nas suas crenças anteriores, nada que o incite a mudá-las" (C. Castoriadis, Uma Sociedade à Deriva. Entrevistas e Debates, 1974-1997, Lisboa, 90 Graus, 2006, p. 300).
Quem me dera acreditar que VD, inspirado por Le Temps des cerises e pela meditação da Comuna, será um dia capaz, não de soçobrar psiquicamente, nem de tornar-se social-democrata, mas de se juntar aos que entendem, como entendia Rosa contra Lenine e Trotski, que "a liberdade é sempre a liberdade daqueles que pensam de outro modo", e que essa liberdade é parte essencial da igualdade instituinte, da democracia real, cujos cidadãos, em vez de quase só votarem para não serem eles a governar, renunciando ao exercício do poder ao escolher os governantes de entre os candidatos que o exercerão sobre os seus trabalhos e dias, assumirão a responsabilidade de serem eles a darem-se as suas próprias leis, sabendo que o fazem, e recusando a legitimidade de qualquer decisão em que não tenham podido participar como iguais, de qualquer forma de governo que os exclua do corpo dos governantes.
15/05/10
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3 comentários:
Caro MS. Pereira: Como simples " electrão " livre e autonómo, singular e pensante,tenho que declarar a minha total e incondicional solidariedade para com as posições políticas que tens defendido com garra indómita, elevação ética e rigor heterodoxo.Alexander Zinoviev, outro dos grandes " demolidores " do embuste estaliniano como C. Castoriadis,diz num grande livro sobre " O Comunismo como realidade ", precisa: " O homem ideal tal como o esboça a ideologia comunista não é um ser moral. Sublinho ainda mais uma vez: moral não significa obrigatoriamente bom; e imoral obrigatoriamente mau: (...)O comunista ideal, mesmo que pareça ser muito bom, é um ser qualitativamente não-moral ". Salut et égalité. Niet
Caro MSP,
ao contrário do comentador Niet aqui em cima, não me interessa vir aqui expressar solidariedade ideológica ou discordância virulenta em relação a qualquer posição, política ou não, aqui expressada. Comento apenas porque este post tem o título, elucidativo e auto-explicativo de uma constante personalização da discussão (que talvez, admito, não tenha a ver especificamente consigo ou com o Vitor Dias mas com a própria natureza da polémica que se abre em blogs). No entento, não posso deixar de notar nas suas intervenções uma constante exacerbação da componente pessoal e uma propensão para a delimitação clara das fronteiras ideológicas e políticas que separam os intervenientes, uma pulsão para a trincheira e para a vitimização que não compreendo muito bem.
A polémica que gerou, entre outras coisas, esta "resposta a VD", foi, para mim, um ignorante absoluto na matéria, bastante interessante e pedagógica e, não desconsiderando os argumentos de Rui Bebiano (relevantes e sólidos), pareceu-me que, sendo evidentes e legítimos os objectivos argumentativos de VD, parecem-me mais opacas as intenções de Rui Bebiano (e as suas, por inerência e solidariedade). O que pretendem: evidenciar a ambiguidade do PCP perante a guerra colonial? expressar discordância em relação à táctica política do PCP há quarenta anos atrás?
Deixando isto para trás, o que me incomoda é que, mimetizando a conhecida propensão dos militantes comunistas para o maniqueísmo e para a lógica do "não estando connosco, estás contra nós" e para a desconsideração do oponente pela sua hipotética missão de serviço ao capitalismo (algo que, note-se, não detectei na intervenção do VD aqui, como não detecto em geral nas suas intervenções), o MSP e o RB, utilizando qualificativos bastante duros, enveredem pela mesma lógica de, contra argumentos e dados históricos fornecidos por um comunista, se opte pela mesma via insultuosa com recurso ao já tão cansativo adjectivo "estalinista", entre outros igualmente violentos - algo que não pressenti sequer que estivesse presente nesta discussão.E a sua citação de Castoriadis é elucidativa: uma citação bastante lamentável de uma tentativa desajeitada de análise da psique comunista e da do dissidente comunista, um estereótipo tão ambíguo e rasteiro como outro qualquer. Dizer, como RB diz, que comentar os posts em que se refere o PCP e a sua história por parte de alguém que, bem ou mal, dedicou a sua cida inteira ao PCP e que, conhecendo a sua história lhe deve a lealdade possível, é uma actividade de polícia (e parece-me que, nos blogs como no resto, devemos comentar aquilo que conhecemos) é fazer o mesmo jogo do que criticamos e com isso, abortar toda a possibilidade de uma discussão. O problema é que cada vez mais me parece que estas polémicas estéreis se reduzem, em última a nálise, a velhos ajustes de contas entre correntes de esqerda e militantes (ou não) velhos conhecidos. E isso é, como dizer, aborrecido.
Cumprimentos.
João Vilaça,
quem abriu as hostilidades não fui eu, foi o VD, ao atribuir-me uma trajectória política de "arrependido", que ele próprio teve de reconhecer ter deformado.
Mas só o fez DEPOIS de eu lhe responder no tom menos ameno que se impunha perante a insinuação. Não reconheço ao PCP nem a qualquer outro partido um estatuto especial, que justifique que se lhe ofereça politicamente a outra face, depois de uma primeira agressão.
Na minha primeira intervenção neste caso, limitei-me a apresentar, reservando os juízos políticos para outro contexto,a política promovida pelo PCP nos meios estudantis de finais dos anos 60 e seguintes. E fi-lo em termos que, uma vez mais, se ler bem, o VD confirma. É verdade que, ao mesmo tempo que confirma, atribui o facto de eu os expor a intenções perversas e retorcidas. E, por fim, admira-se que eu reaja e lhe responda à letra. Haverá verdades que podem ser ditas por um militante do PCP, mas que enunciadas por outros se tornam em delito de opinião?
Quanto ao texto do Castoriadis, é uma citação de alguém que passou pelo PC grego e depois por uma organização trotsquista, também durante a guerra e ainda na Grécia, e pertenceu à IV INternacional durante os primeiros tempos do seu exílio em França. Sabia do que falava. Ao romper com a "ilusão" que o levara a acreditar que o PC, ou uma variante organizativa da mesma família, "visa realmente instaurar uma sociedade democrática e igualitária", manteve-se fiel ao projecto de transformação radical (destruição da hierarquia estatal e capitalista, sua substituição pelo exercício organizado do poder pelos cidadãos, superando a distinção entre governantes e governados, etc., etc.). Assim, quando dizia - e repito agora - que gostaria de ver VD assumir de uma forma mais racional e lúcida a sua postura de luta contra o capitalismo (para não contribuir, ainda que involuntariamente, para o reciclar), não digo seja o que for de ofensivo. E aponto-lhe o exemplo de um democrata e "autonomista" revolucionário que muito admiro.
Sinceramente
msp
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