15/05/10

Vermelho Rouge

La Chinoise
Bem sei que serei um pouco suspeito para falar de O Essencial sobre a Esquerda Radical, de Miguel Cardina, pois sou amigo e companheiro de blogue do autor, orientador da sua tese de doutoramento sobre o maoismo em Portugal e coordenador da colecção na qual o livro foi publicado. Além disso, fiz parte do enredo deste. Mas uma vez confessada a parcialidade fico à vontade para recomendar este pequeno volume como uma eficaz síntese sobre a intervenção cívica, durante os derradeiros anos do Estado Novo, de um sector da oposição que até agora tem sido referido num registo meramente memorialista e autocomplacente, ou ao nível da boutade sobre o «tenebroso» passado político de Fulano, Sicrano ou Beltrano.

De forma sumária, pode dizer-se que da sua leitura resulta claro: 1) que nenhum dos numerosos grupos inventariados procurava transformar o regime, melhorá-lo, «democratizá-lo», e todos associavam a sua queda à queda do capitalismo e a uma Revolução redentora cujos contornos eram incapazes de precisar; 2) que todos eles condicionavam a ambicionada política de alianças à «direcção da classe operária» e à intervenção da violência revolucionária como «parteira da História»; 3) que a par da luta contra o regime e contra o sistema capitalista, o combate contra o PCP, acusado de «reformista», «revisionista» ou «burocrático», foi uma constante e um factor de mobilização; 4) que neste ambiente pairava omnipresente a marca de um internacionalismo veemente e de um antinacionalismo visceral, acusando-se também o PCP de transigir nesses domínios; 5) que surgia como indispensável o alargamento do político ao domínio do privado, procurando combater-se a alienação económica, psicológica, sexual, cultural e ideológica «imposta pela burguesia»; 6) que era perceptível neste sector uma sobrevalorização do papel transformador da juventude e do carácter avançado do movimento estudantil, de onde provinha a maior parte dos seus membros; 7) que, apesar do escasso número de militantes, o seu extremo activismo, a importância prioritária que davam à luta anticolonial e a defesa de que só a ruptura era possível, conferiram a estes grupos, no seu todo, um apoio razoável entre a juventude e um papel muito importante, em particular durante o período marcelista, na preparação das condições subjectivas para a queda do regime. Através deste Esquerda Radical fica ainda a perceber-se um pouco melhor o porquê de, com todas as suas forças, fraquezas e numerosas contradições, eles terem desempenhado um papel saliente no combate político e social travado durante o «biénio revolucionário». [Miguel Cardina, O Essencial sobre a Esquerda Radical. Angelus Novus, 120 págs.]

Publicado também em A Terceira Noite

3 comentários:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Comentário de alguém que não é esquerdista, nem sequer de esquerda:
1.E será que os herdeiros o procuram hoje em dia, mesmo quando se revelam mais papistas que o Papa em questões como defesa da liberdade de imprensa ou a crítica à currupção sem colocar em causa o peso do Estado, seu alfobre, fertilizante e estufa?
2.Pois...
3.Pois, mas será que isso era mais que o reflexo de procurar avançar à cotovelada, que hoje se continua na crispação entre o BE e o PS?
4.De facto, talvez esta marca ainda exista, e isso pode-se verificar na excitação que suscitou neste blogue a questão da deserção / não deserção do Dr. Manuel Alegre, que a mim me parece uma mera mensagem de marketing eleitoral.
5.A entrevista apontada pela Joana no seu "post" sobre o Saldanha Sanches desmonta alguns desses combates, que vão da posição do casal Sanches/Morgado sobre a homosexualidade até à deliciosa revelação de que eles até tomavam banho...
6.O investimento em marketing, "avant la létre" do seu exímio intérprete actual, o BE.
7.O retorno do investimento em marketing.
Livro interessante portanto, que vou procurar ler!

Joana Lopes disse...

Lê o livro, sim, Manel.
Contaminada pelo hábito de uso de aforismos pelo camarada Jerónimo, sempre te digo: «Quem desdenha quer comprar». Algo me diz que, um dia destes, te confessarás de esquerda, se não esquerdista, e sentir-me-ei mesmo tua «madrinha». Andas a frequentar muitos lugares impróprios!! :-)

Manuel Vilarinho Pires disse...

Joana,

Desde a minha primeira (das inúmeras, já sei...) pergunta sobre "para que serve a esquerda?" que tentei explicar que há uma série de valores que partilho e que suponho que conduziram à esquerda alguns esquerdistas.
Como partilho sem hesitação a maioria dos dez mandamentos.
Mas Deus fez-me assim, descrente, sem Fé, nem no domínio da política, nem no da religião...

No ponto 5. do meu comentário anterior expliquei porque nunca fui esquerdista, no sentido de me apetecer sentir identificado com qualquer grupo de esquerdistas.
No ponto 1. expliquei porque é que nunca hei-de ser de esquerda.
E nos pontos 4. 6. e 7. explico porque é que, para além de não haver amor, não há sequer atracção.

Como disse na altura, vejo os esquerdistas como uma mistura de pessoas bem formadas a perseguir uma ilusão errada, com outras que são (social-)fascistas manhosas que ambicionaram deitar a mão à rédea que conduz o mundo.
Não é destituída de apelo a ideia de ver os bem formados um dia conseguirem-se libertar das ilusões erradas e abraçar a confiança na liberdade dos outros e, consequentemente, na economia de mercado...
Recorrendo ao Jerónimo, será "mais fácil a montanha vir a Maomé do que Maomé ir à montanha..." mas se vier será certamente bem acolhida!
Suponho que o Saldanha Sanches andaria um bocado por esses caminhos...