24/05/10

Mais um para ser um trio

Óscar Mascarenhas escreveu no JN um texto claro e cortante:

Pobre e desempregado são o que os ianques chamam 'losers', derrotados. Ficam de fora do condomínio das carroças.
No fundo, a burguesia projecta no pobre o comportamento que teria se estivesse na condição deste: antes de ser 'loser', faria batota, fugiria aos impostos a que ainda não se atreve a fugir, roubaria se fosse preciso.
A burguesia não tem a lucidez e os seus líderes não têm a honestidade de identificar os culpados - os ricos - das suas tribulações: a burguesia, por idolatria aos 'winners', os vencedores; os seus líderes, por respeito de capataz a quem manda neles.
Começou Paulo Portas com a cruzada contra o rendimento mínimo, pintando os seus beneficiários (?) como vadios, calaceiros, ladrões da coisa pública. Por isso, exige que a verba seja paga em géneros, não vá o malandro gastá-la em vinho ou tabaco. Percebe-se: na sua base de apoio na 'lavoura' e nas empresas, sabe-se como certos subsídios são convertidos em jipes, iates ou fundos em 'off-shore', com a diferença de que cada um destes desvios vale por milhares de subproletários que recebam ilegitimamente o óbolo; e com a outra diferença de que estes são espiados e denunciados pelos seus iguais.
Para não ficar atrás, Pedro Passos Coelho inventou o trabalho comunitário gratuito para o desempregado. Só para humilhar: porque hão-de os jovens burgueses, quando se embebedam e espatifam o automóvel, ter de cumprir horas de serviço comunitário por sentença do tribunal e o malandro do ocioso não há-de estar ali também, para que aprenda?


Mas pode-se ir, quanto ao culto sobre os “winners” e a subsequente depreciação dos “losers”, mais longe que as ideias curtas e eleiçoeiras, imbuídas de terrorismo de classe, de Paulo Portas e Passos Coelho. A enorme histeria idólatra e de massas para com José Mourinho - uma espécie, noutra escala, do António Mexia (este não isento, como acontece para Mourinho, de juízos públicos e críticos sobre as enormidades dos ordenados, mordomias e prémios) do futebol -, expoente máximo dos neo-cons do desporto, é um caso sério de difusão na cultura das multidões da selvajaria do culto pelos “winners”, sustentada pelos barões da burguesia dos grandes clubes mas que espanta, envolve e projecta os adeptos, mesmo os mais “losers” em termos sociais e os seus defensores nas querelas das grandes causas. Neste aspecto, Portas e Coelho, meros pescadores de votos e de parcerias no poder, não chegam aos calcanhares de Mourinho no esmagamento social e cultural. Mourinho fez ao futebol, desporto popular, de disputa entre colectivos e espectáculo de massas, impregnado de paixão clubística a um emblema de toda a vida, o que poucos lutadores de classes conseguiram nas sociedades: matar a arte através da táctica, enaltecer o chefe, o que manda sem jogar, acima de cada um e de todos os artistas. Ganha como as sociedades cansadas e desesperançadas se entregam aos ditadores. Mas ganhando, arrasta os “losers” seus admiradores que, mudando de clube consoante o ídolo viaja entre eles, numa desesperada esperança no direito a triunfos, não se importam de deixar a ética e os valores no balneário.

(também publicado aqui)

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