11/05/10

Ainda sobre «A Esquerda Radical»


Ausente do outro lado do mundo, não estive no lançamento do livro de Miguel Cardina, mas chamo a atenção para a entrevista que deu à Angelus Novus.

A última pergunta e a respectiva resposta:
P. Existe uma “esquerda radical” hoje? Dito de outra forma: o Bloco de Esquerda é o “herdeiro natural” do legado (ou legados) da esquerda radical? E, admitindo que a resposta é positiva, o que significa isso?

R. Várias perguntas com diferentes respostas. Vamos por partes: existe hoje uma esquerda radical que ainda pensa e age de acordo com os cânones da esquerda radical das décadas de 1960 e 1970. Tem pequenas expressões organizativas, mas é sobretudo uma maneira de ver o mundo e a política que também conflui com modos de activismo presentes no Bloco de Esquerda. Mais complicada é a questão de saber se o Bloco de Esquerda é o “herdeiro natural” desse legado. Eu diria que é e não é. Por um lado, o BE tem uma parte da sua origem associada a partidos de extrema-esquerda, de matriz trotskista e maoísta, que decidem operar uma espécie de salto qualitativo que lhes permitisse sair do gueto no qual pareciam estar condenar a ficar. Mais: muitas das suas bandeiras de luta, que em última análise remetem para um entendimento da opressão – e da emancipação – como realidade plural, tiveram a sua génese ou reconfiguração no radicalismo dos anos sessenta e setenta. Por outro lado, é hoje evidente que as melhores e mais qualificadas intervenções do BE são feitas a partir do Parlamento, para onde canalizam boa parte das suas energias. Este aspecto, bem como uma postura mais dialogante para com os restantes partidos de esquerda, são, em certa medida, uma novidade que não se encontra no radicalismo daqueles anos.

(Também aqui)

16 comentários:

Anónimo disse...

Se bem que votei BE, cada vez mais me sinto desiludido com ele. Nem é pelo apoio a Alegre, que é algo que não aquece nem arrefece. É o facto de um partido que se quer radical ter como face mais visível na imprensa um ser que dá pelo nome de Daniel Oliveira que é tudo menos radical. Simpatiza com um estado providência que morreu nos últimos anos e está cada vez mais condenado; é um homem reformista que vive no passado e não entende que o Capitalismo com rosto humano que preconiza é já impossível. Ainda que o Daniel não tenha assento no parlamento, muitas das pessoas que conheço e votam BE são mais ou menos da "onda" do Daniel.

O pluralismo do BE enriquece-o, reconheço, até certo ponto, sobretudo em termos quantitativos. O problema é que passados 10 anos, é tomado por uma maioria que não tem os ideiais da UDP ou PSR em mente: nem de perto nem de longe.

Portanto, o BE não é o herdeiro do radicalismo de esquerda.

Joana Lopes disse...

Caro anónimo,
Não me parece correcto «responsabilizar» o BE pelo facto de um dos seus membros ter grande audiência na comunicação social e nela veicular posições que lhe desagradam. Que eu saiba, DO representa-se apenas a si próprio nas diferentes arenas em que actua e não o partido a que pertence.

E não sei sequer que se é representativo, ou não, da linha maioritária a nível das cúpulas dirigentes do Bloco.

João Tunes disse...

Vejam como são as coisas e depois não digam que o voto no Bloco não é plural e potencialmente transformador. Votei Bloco também apesar de Daniel Oliveira (aqui, pela sua pulsão para a demagogia radical e porque, pela escrita, é comezinho a pensar e curto no talento de apelar para a imaginação). Mas, igualmente, apesar do Louçã, do Fazenda, do Rosas, da Drago, do Pureza, do Semedo e do Portas. O Bloco vale, para mim e eventualmente para outros eleitores, como factor de perspectiva política que passe pela desconstrução da esquerda cristalizada (nos congeladores socrático e brejneviano) e, nesse sentido, abrir espaço a novas formas de afirmação de cidadania à esquerda, com a ética da radicalidade mas sem duplicidades, quimeras ou nostalgias. Como somatório de nostalgias UDP/PSR e PCP reformado do cordão umbilical à URSS, o Bloco nem ia longe nem seria o que é (em expressão eleitoral). Infelizmente, e é essa é a minha crítica ao Bloco, os seus dirigentes continuam mais presos aos seus passados de "revolucionários" que dispostos a assumirem uma nova proposta de radicalidade democrática no propor e no fazer, mostrando-se mais como mencheviques com o bolchevismo no coração. E, nesse aspecto, sejamos justos, o Daniel Oliveira (talvez por não ser seu deputado ou dirigente) é dos que, perdoando-lhe os achaques do revivalismo e pobreza de escrita, é daqueles que, entre a área do Bloco, mais ousa, acertando e desacertando, correr riscos de um pensamento de radicalidade democrática, aquela que não dispensa, em nome das tiranias iluminadas das vanguardas, o veredicto popular como suporte de qualquer transformação. Por isso, no Bloco, no Bloco em que voto, suporto melhor o DO que os saudosistas de Enver Hoxa, o Profeta Leon ou um Lenine despido dos seus crimes e consequências como se tal criatura fosse imaginável.

Miguel Serras Pereira disse...

Cara Via-Factuante em Boa Hora Regressada à Linha de Frente deste Colectivo Combatente:
Ia para escrever qualquer coisa sobre a discussão aqui aberta pelo Anónimo, mas já não é preciso. O João Tunes antecipou-se e disse clara e concisaemente o que eu penso (sim, em matéria de radicalidade democrática e exploração de alternativas não codificadas, também eu acho que o DO deixa a desejar…). Assino por baixo

miguel (sp)

Joana Lopes disse...

João e Miguel Facilitaram-me a vida porque não quis criticar «aqui em casa», numa C. de Comentários, o que não estava em causa no post: o «projecto» pessoal da personagem DO, em relação ao qual sou mais do que crítica.

Anónimo disse...

" O pensamento não é fiel senão ao que ainda não pensou ". J-C. Milner, in " L´arrogance du présent ", Edt. Grasset.

A dramática e surrealista " crise " portuguesa -geral e generalista- deixa desconcerto e incredulidade a quem a observa de fora, como eu. Então, não é verdade que o PS de Sócrates é o mais " à direita " da Europa e o PCP o mais " antigo " e já o único- subtraindo as aberrações da vitrine russa- da extinta linha dura e pura do estalinismo mais frio, inoperante e cruel? E o BE, qual espanto e incredulidade num tal contexto de glacialização político-ideológica- pesem arreliadores pesos-mortos na evolução da sua capacidade teórica e doutrinária- não fica, finalmente, muito distante das votações e ambições políticas que os Verdes- albergue espanhol de todos os esquerdistas reciclados por toda a Europa...Ocidental - vão averbando no confronto clássico eleitoral das democracias representativas? Como é que tudo isto é real e concreto? Será o cenário mefistofélico do poder da " multitude ", incarnado num apocalipse final e fatal das ideologias marxista e leninista em plano inclinado irremediável? E o anónimo do comentário inicial do post, sinaliza isso sem véus ou duplicidades: " a maioria não tem os ideais da UDP ou do PSR em mente: nem de perto nem de longe ". Só que o ouro sobre azul não se realiza, evidentemente. A postura " parlamentar " da direcção política do BE não vai delapidar tanto desejo de mudança e ajudar a controlar o poder de Estado tornando impossível a ruptura revolucionária por décadas? Claro que só pode ser esse o destino obsceno da sua estratégia corrente... E agora remeto para o texto de J.-C. Milner que toca ao de leve no tal " corte ontológico ", proposto por Negri e Hardt no" Multitude ", onde para se instaurar um novo ciclo revolucionário não se pode nem deve evitar uma" ruptura material e conceptual com as tradições ideológicas dos movimentos operários, suas organizações e os seus modelos de gestão da produção ".Que lógica aterradora conduz os herdeiros de Marx-Lénine-Staline-Trotski e Mao a defender a extensão e o reforço do Estado pelo governo? " Porque nenhum Estado se pode manter sem conspiração permanente dirigida, evidentemente, contra o Povo, de que a repressão e a exploração é a razão de ser do Estado. E em cada Estado o governo não representa senão uma conspiração permanente da minoria contra a maioria ",G.P. Maximoff, textos inéditos de M. Bakounine. Niet

rafael disse...

A mim o que me parece é que o Bloco é essencialmente movido pelo seu sitio de intervençao priveligiado no momento e, pelo menos do ponto de vista conceptual, difere em muito do que teria sido a atitude referencial dos movimentos de extrema esquerda do pré e imediato pós-25 de Abril.

Nao me perderei a qualificar de boa ou má esta mudança de paradigma do esquerdismo português, tenho apenas a ressaltar que o Bloco de hoje coloca todo o seu empenho nao na democracia-directa-já ou na tentativa de criaçao de dialécticas dinâmicas com o que hoje seriam os movimentos de base populares (sindicatos, assoicaçoes juvenis, grupos de defesa de classes ou grupos desprotegidos) mas sim no mediatismo da sua comunicaçao via grupo parlamentar/ comissao politica. e isso parece-me uma diferença fundamental.

xatoo disse...

este João Tunes e um curtido... eheh... - "Lenine despido dos seus crimes" (sic) - ainda bem que a falta de peso especifico na opinião pública deste blogue não se nega à sua faceta humoristica. Bem hajam. É verdade, faltou-me inquirir dos factos em que se fundamenta a bestial tirada do Tunes, mas enfim, isso são coisas insignificantes... ehehe

Anónimo disse...

Caro xatoo-Duas Notas. I. Quero poder pensar que está a tentar falar nos crimes...de Estaline, reportando-se aquele livro de Trotski que apareceu no Ocidente nos anos 30, a par e passo com as fantásticas revelações de um dos grandes pioneiros do anti-estalinismo mundial, David Rousset.Será isso? A deriva direitista do Partido Bolchevista começou em 1918, poucos meses depois da Revolução. E depois disso continua sempre a agravar-se e a confundir os incrédulos, fossem eles os heróicos marinheiros de Cronstad ou as " brigadas " indispensáveis de Makhno. Lénine, Trotski e o restante escol de ouro e abnegação maravilhosa e heróica foram " cúmplices " da tomada do poder por Staline e a sua banda. Cometeram,portanto, crimes, caro xatoo.
II- A crise económica e política da U. Europeia está para durar e lavar. Duas óptimas entrevistas no Libé,uma do vice líder de Attac-France, Thomas Coutrot, e a outra do grande economista Daniel Cohen, esclarecem-nos, no seu esmerado sintectismo pontos fulcrais do famigerado plano europeu de Estabilização Orçamental. O dirigente da Attac frisa mesmo que se assiste a " uma radicalização sem precedentes do modelo neo-liberal ".O Libé tem recuperado imenso a sua imagem de " suporte " informativo de alta qualidade...alternativa. Deve recomeçar a ser leitura indispensável todas as manhãs. Niet

xatoo disse...

Niet
a tirada não é minha. Está aqui escrita em cima no comentário do João Tunes.
Quantos aos "crimes" de Lenine, uma vez que vcs tratam de julgar através de juizos de valor o Partido Bolchevique, e dado que no periodo em questão estamos em plena guerra civil contra o exército reaccionário branco financiado pelo exterior, o maior crime que pode ser im+putado a Lenine é o da tentativa de construir um regime Socialista, certo?

Miguel Serras Pereira disse...

xatoo,
um dia, quando tiver tempo, porque a coisa não há-de ser fácil para um tipo duro de entendimento como eu, gostaria que me explicasse como é que se faz para evitar "julgar através de juizos de valor o Partido Bolchevique" - ou seja, através de que espécie de juízos que não sejam de valor julga você esse fenómeno histórico.
Quanto ao argumento da guerra civil, você talvez fizesse bem em dar-se ao trabalho de notar que a repressão, o monopólio e o monolitismo interno do Partido Bolchevique se agravaram contra tudo o que mexesse - fora da execução das tarefas e das ordens dos capatazes reisntaurados por Lenine, Trotski & Cia -entre os trabalhadores quando o regime se viu desembaraçado da ameaça imediata dos exércitos brancos.

Saudações laicas

msp

Anónimo disse...

Meus caros : O periodo da Guerra civil russa decorre entre Maio de 1918 a Novembro de 1920. Portanto, a pressa de Xatoo em " inocentar " Lénine não tem rigor de espécie alguma. Aliàs, com a vitória de pirro do exército vermelho sobre os Aliados ou seus mercenários( franceses, ingleses e americanos, a par dos polacos e dos japoneses) e os alemães e os antigos generais czaristas em múltiplas frentes, culminou na espantosa e miraculosa vitória na Crimeia na referida data. É no clima deletério do pos- Guerra Civil,que Trotski e a genearalidade do Comité Central decidem inaugurar o que se apelida de " terror vermelho ", mega-expediente que já tinha sido accionado aquando da tentativa de assasinato de Lénine em 30 de Agosto de 1918. O os sádicos reflexos do militarismo e a NEP conjugam-se para lançar o que Preobrajenski cunhará de " ditadura militar do proletariado ", onde os anarquistas e os soldados e marinheiros de Cronstad se distinguem de forma suprema ao serem dispersos e perseguidos. De salientar, por outro lado, que no IV Congresso Pan-Russo de Julho 1918, o partido bolchevique proibiu o sistema multi-partidário saído da Revolução.Os gérmens do estalinismo estavam lançados à terra: a Tchéka, o exército vermelho e a pirâmide do executivo do Estado soviético " unem-se " para o mal, o crime e a ditadura. E durante 12 anos, Staline escapa a várias tentativas de purga, alia-se a Trotski, a Zinoviev, a Kamenev e Boukharine para no XIV Congresso de 1926 faz " eleger " ao comié central uma maioria fiel de aparatchiks. Niet

LF disse...

Como sempre, os comentários desviam-se do post. Contudo, estou de acordo com o primeiro comentário, que, excepto o insulto gratuito ao Daniel Oliveira que parece ter ofendido alguns dos bloggers, põe o dedo na ferida: o BE não é um partido radical, é um partido reformista. São definições mutuamente exclusivas. Como outro comentador ressalta, o BE não se empenha em construir grupos de base para a tomada de poder nem nada que se pareça, refugia-se no mediatismo e numa certa visibilidade que os meios de comunicação burgueses lhe deram (outra prova irrefutável da sua falta de radicalidade). No entanto, a falta de radicalidade é condição si ne qua non para o crescimento do movimento, que desde já saúdo. É questão de aguardar, e ver o que a presente crise económica e política terá para oferecer, e quem sabe o BE radicalize a sua posição, e com isso, a de milhares de pessoas que hoje votam nele como sendo o partido que tem a ideologia do PS nos anos 70.

Anónimo disse...

Adenda: Peço desculpa pelas gralhas. O escaldante do tema atenta contra o self-control... É assassinato, parágrafo/ linha 15; fazer eleger e comité central no último parágrafo.Todo o poder aos sovietes ...da escrita. Niet

Anónimo disse...

Quando o pensamento não se coloca como utopia - noutro lugar, portanto - onde encontrar a diferença? Ou será a radicalidade apenas uma questão semântica? O que é ser radical, senhores?

LAM disse...

LF,
esclareça-me este ponto que aborda no seu comentário:
"o BE .....refugia-se no mediatismo e numa certa visibilidade que os meios de comunicação burgueses lhe deram (outra prova irrefutável da sua falta de radicalidade)".
Já agora, se puder, que outros partidos/org. políticas têm comportamento diferente? é porque, não contestando eu esse ponto, ficou-me a ideia do seu comentário, de que existiriam partidos que, ao contrário do BE, apostariam nessa radicalidade e não se promoveriam à custa dos meios de comunicação burgueses, e eu, de todo, não os enxergo.