11/05/10

A alcunha das três mentiras somadas

Em princípio, um plano é um plano. Ou seja, um caminho, metas, uma expressão de opções estratégicas. Não há economia sustentada que não assente num plano. Embora tenha havido muitas economias que morreram, e com elas os regimes associados, por excesso, artificialismo e rigidez dos seus planos, de tal forma que os “planos” se transformaram, apenas, em armazéns de mentiras. Entre os extremos, o recomendável é que um plano seja simultaneamente flexível e firme, sem perda das propriedades estratégicas.

O PEC, que diferentemente de um plano é um compromisso de austeridade, ou até mera lista de castigos para exclusiva contenção do défice, desmerece totalmente a alcunha. No fundo, ultrapassando tudo o que se podia imaginar, o PEC, o nosso PEC, não só não está a revelar-se como um plano e, nunca tendo contemplado o crescimento, demonstra-se agora como ausente de intenções de estabilidade. Mal tinha nascido, já o PEC antecipava metas e ónus, acrescentando novos. E, cada dia que passa, o PEC não para de se descaracterizar e transmutar. Transformou-se, em dias, numa caixa de elásticos sempre a esticarem para o mesmo lado, o do castigo dos contribuintes, dos salários, das reformas, dos subsídios sociais. É um PEC que estica até ao fim dos limites os que trabalham ou trabalharam. Com a imaginação governamental a falir na capacidade de pensarem outros contributos, exigindo sacrifícios comportáveis, os quais só podem ser suportados pelos que melhor passaram ao lado da crise ou, inclusive, com ela beneficiaram. Não sendo nem plano nem factor de crescimento, rapa e desestabiliza os pobres, isentando os ricos de viverem a crise nos bolsos. Assim, é um título do cúmulo de três mentiras que juntaram à de se chamarem “socialistas”. Se lhe chamassem látego do défice sobre os pobres teriam o direito a morrerem politicamente na verdade semântica. E talvez isso lhes desse direito a recuperarem, mais tarde, por força da alternância. Assim, vão cair no pó da mentira. E pagarem por isso, enquanto a memória durar.

(também publicado aqui)

4 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Andas inspirado, caríssimo. Desta feita, o teu post lembrou-me o dito do grande Castoriadis, que Kundera e outros retomaram e tornaram mais popular: a URSS - quatro palavras quatro mentiras, posto que a coisa-mesma não era uma união, não era republicana, não era socialista e não era soviética.
Mas nunca a mão te doa nestes teus posts: é dar-lhes com força. Democraticamente, claro. Mas na cabeça. A ver se as dos nossos acordam, vêm ver o que é e dão uma ajuda.

Abrç

msp

João Tunes disse...

Confirma-se, caríssimo Miguel, estás para o Castoriadis como eu estou para o Miguel Serras Pereira. É isso: o pensamento é um sistema de vasos comunicantes (com filtro para os nojos e alergias). Como na fé. Vê, como exemplo, as pressas e os trabalhos aeroportuários, extraviando até a mala com os "recuerdos", que a nossa querida camarada Joana (e minha irmã na fé em Jesus) suportou, vindo apressadamente da Índia e do Butão, para chegar a tempo de conviver com o Papa.

Miguel Serras Pereira disse...

De novo, de acordo com a "chave de ouro" joanina - tanto pelo teu estilo próprio como pelo não menos excelso objecto intencionado - do teu último comentário. A camarada Joana é, de facto, uma via-factuante por excelência, cujo salto exemplo de militância no blogue vence - é caso para o dizer - as mais altas montanhas.

miguel

Joana Lopes disse...

Uma pessoa distrai-se e lê-se citada a direito e a torto... ao som da missa papal, pois com certeza!