Confesso-me parcialmente simpatizante de uma expressão como «hedonismo do caos», embora não perceba muito bem o que significa e em que é que se pode relacionar com o PCP, o mais razoável dos partidos parlamentares portugueses. Sempre que vejo alguém referir o sofrimento dos outros para sustentar as suas próprias opiniões, como abaixo faz o João, fico com a sensação de que a história não está a ser bem contada - ainda mais se "as pessoas que sofrem realmente com a crise" se tornam a derradeira justificação para "uma alternativa factível, colocado ao nível da recomposição do poder".
Teríamos assim que o sectarismo do PCP seria mau por dificultar a factibilidade dessa alternativa e renunciar ao nível da recomposição do poder, o que nos leva facilmente a concluir que o mesmo sectarismo poderia ser bom se fosse útil, ou seja, se colocasse a rua ao serviço das instituições com o pragmatismo ensinado por alguns livros de alguns autores. Finalmente, não vejo ao que possa vir à baila a Coreia do Norte ou a China, para não falar de Cuba, a propósito da manifestação do próximo Sábado.
Bem sei que "uma incontrolada pulsão hegemónica e unicista" pode ser encontrada no PCP, mas não vejo razões para atribuir àquele partido um qualquer exclusivo a esse respeito. Fosse tudo assim tão simples. Infelizmente, não são raros os militantes de outros partidos a denotar semelhante pulsão, muitas vezes a cavalo, aliás, da fama do PCP nesse domínio que é, como se sabe, maior do que o proveito.
Tudo isto para dizer que não são poucas as divergências possíveis com a linha política daquele partido mas que, com uma frequência que não deixa de me surpreender, os comentários indignados a seu respeito apontam quase sempre o dedo àquilo que o assemelha aos outros e muito pouco àquilo que deles o distingue, para o bem e para o mal.
A moção de censura apresentada pelo PCP é um não-acontecimento político que só ganha relevância no contexto altamente inflacionado de não-acontecimentos políticos que ocupam a agenda mediática. Tão relevante como os dotes de Sócrates para dançar o tango, os seus efeitos foram consideravelmente menos importantes. Já a manifestação de dia 29 de Maio, que os jornalistas se encarregarão de banalizar com aquela ignorância especialmente reservada para tudo o que seja conflito social, terá o mérito de ser algo mais do que um episódio da rotineira vida paralamentar. Porque se é esperança aquilo que faz falta às pessoas que sofrem verdadeiramente com esta crise, então é preciso que a encontrem em si próprias, na sua capacidade de caminhar nas ruas e tomar a sua história nas suas mãos.
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