Estava eu em longuíssimas horas de espera num aeroporto, vítima das cinzas do tal vulcão de nome impronunciável e só pensando em aviões, quando o último número da Newsweek me atirou para o mundo dos comboios, mais concretamente para um megalómano projecto chinês: a construção da Nova Rota da Seda. Se é verdade que já tinha visto referências ao assunto, nunca me tinha dado ao trabalho de o conhecer em detalhe.
Trata-se, nada mais, nada menos, do que o plano de ligar dezassete países por linhas de alta velocidade, com mais de 8.000 quilómetros, destinadas a transporte de passageiros e de mercadorias. Está previsto que duas redes partam da China e cheguem à Europa (passando por tudo o que há pelo caminho e que não é pouco!…), com terminais em Londres e em Berlim, e que uma terceira ligue Vietname, Tailândia, Birmânia, Malásia e Singapura.
O velho Império do Meio quer verdadeiramente sê-lo, justificando de novo o seu nome, ultrapassando, a anos de luz, a rede que os ingleses deixaram na Índia (ainda hoje quase lendária, com os seus 16.000 milhões de ferroviários) e o decrépito domínio da Rússia na Ásia Central. Pretende assim mostrar como vê o mundo num futuro próximo, imprevisível e perigoso, e deste modo assegurar ligações por terra, que o tornem menos exposto a eventuais ameaças de outras vias que não domina, como, por exemplo, as saídas marítimas para os seus produtos pelos estreitos de Ormuz e de Malaca.
Os críticos sublinham os custos gigantescos do projecto e acusam a China de vaidade e de extravagância, mas esta responde com argumentos que considera de peso: trata-se de um projecto «verde» (emissões correspondentes a apenas 25% das provocadas por aviões e automóveis) e criador de muitíssimos postos de trabalho, em tempo de crise (110.000 só para a construção do troço Pequim – Xangai).
Mas será que a comunidade internacional vê isto como um win-win project ou como puro mercantilismo de Pequim para proveito próprio? E que dificuldades poderão ser encontradas pelo longo caminho? Se internamente, e também nos países do Sudoeste Asiático, será relativamente fácil dominar a força laboral (por exemplo deslocando grandes populações, como foi feito para a construção da barragem das Três Gargantas), já o mesmo não é previsível na democrática e poderosa Índia.
Concretize-se ou não, a simples existência de um projecto desta dimensão, e vindo de onde vem, é altamente significativa. Relativiza as nossas «enormes» realizações (alô Poceirão, alô Caia!) e obriga a uma revisão definitiva do planisfério que ainda temos nas nossas cabeças: Europa ao meio, com América à esquerda, África por baixo e Ásia à direita? Já foi…
P.S. – O artigo da Newsweek pode ser lido aqui.
(Publicado também aqui)
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