A declaração acerca do seu passado militar feita pelo cidadão e (bi)candidato presidencial Manuel Alegre só pode causar engulhos a quem mistura ideologia com biografia ou entende que deve ser o estoicismo do silêncio (num género de calar de “puta velha”) a única resposta a uma calúnia mil vezes repetida com o intuito claro de retirar politicamente dividendos do efeito do passado falsificado de quem vai a votos mas que se detesta. Manuel Alegre já confirmou que vai a votos, como alternativa à direita conglomerada em torno da recondução de Cavaco Silva. Pode não ser o melhor candidato para unir e motivar, à partida, toda a esquerda e o centro-esquerda (o verdadeiro busílis da decisão eleitoral e que antes de dividir o eleitorado divide o PS, amarrado que está partidariamente à sua potente e governamentalista ala centro-direita). E é, seguramente, uma aposta de risco para derrotar Cavaco, mas isso se não se conseguir forçar uma segunda volta (meta difícil mas possível), a qual aplainaria, mesmo semeando sapos, as reticências do sectarismo, do dogmatismo e do perfeccionismo personalista. Mas não há candidatos de proveta. Na esquerda, pela esquerda, foi Alegre que avançou. Felizmente, porque Alegre é um bom candidato, o melhor candidato que, na esquerda plural, se podia apresentar. Tanto mais que, desta vez, o poderoso pólo de centro-direita dentro do PS não tem um “candidato de palha” para confundir as hostes (Nobre foi uma aposta pífia da “ala soarista” que se esgotou no impulso de revanche), obrigando-se a escolher entre Cavaco ou Alegre (sem dúvida que a maioria desta ala prefere a primeira opção, mas sempre restam os que têm boa e crítica memória sobre a fonte de veneno institucional e político que é ter-se Cavaco em Belém). Resumindo, com todos os seus defeitos e virtudes, nas quais não se pode esquecer a coragem indómita de ir à luta mesmo quando a idade e o desgaste aconselhavam antes que calcasse as pantufas e se dedicasse exclusivamente à escrita (sobretudo à prosa, onde a sua poesia melhor alastra), Alegre é o candidato da esquerda que, neste momento político, é possível unir sem unificar para retirar a direita reaccionária de Belém. Só que numa eleição em que se escolhem pessoas, cada pessoa-candidato, não sendo tudo, é muito. Ela, com o seu presente, os seus projectos, o seu passado.
É falsa a dicotomia redutora que afunila as opções dos mancebos, quando a guerra colonial meteu a juventude portuguesa na fornalha das guerras coloniais, a fazerem a guerra com convicção ou submissão ou, então, desertarem. Houve quem escolhesse uma “terceira via”, a de irem para a guerra e, na guerra, lutarem contra ela. Cada mancebo português dos anos sessenta e primeira metade da década de setenta, avaliou e escolheu, cada um condicionado por mil constrangimentos pessoais, familiares, culturais, sociais e políticos. Nem todos tinham consciência política, nem todos tinham os mesmos “status” e constrangimentos familiares, nem todos tinham as mesmas acessibilidades e as mesmas capacidades de coragem, apoio e suporte relativamente aos circuitos que permitiam aceder à deserção com exílio com prazo incerto ou mergulho na clandestinidade. Finalmente, nem todos faziam a mesma leitura política sobre a melhor posição de intervenção perante a guerra colonial que se combatia, desertando (isenção individual) ou partilhando a guerra e aí lutando por convicções contrárias a ela (no mínimo, tentando “contaminar” os que lá estavam por profissão, convicção ou submissão, contaminação esta que, no limite, levou ao MFA e ao 25A). A esta distância, mais que julgar há que compreender que mais que a escolha das vias, eram, na ditadura (e, por isso, não falo sobre a coragem indómita e exemplar dos que desertaram após o 25 de Abril de 1974, os heróis da recusa à guerra colonial já falida), sobretudo as vias que escolhiam as opções. Um mancebo arrancado ao mundo provinciano e só culturalizado pelo patrioteirismo da época, sem acesso a escolhas e inquietações que a censura, a opressão e os costumes inibiam, fazia a guerra com zelo e seguindo os seus cabos de guerra, compensando a dureza dos combates com o gozo da fraternidade do élan da sobrevivência com os seus irmãos de armas. Entre os politizados, sempre uma minoria, uns desertavam (com a honra dessa opção) e outros continuavam, “na guerra”, o seu combate político contra o fascismo e o colonialismo, enquanto cumpriam as suas obrigações incontornáveis de combatentes pela causa errada. Descarregar juízos sobre as opções dos jovens portugueses colocados perante os dilemas da guerra colonial, é transferir as culpas reais, ou seja, as que cabem quase inteiras sobre os decisores políticos e guerreiros de então, os autênticos “senhores da guerra”, os do fascismo, do colonialismo, da guerra colonial. Manuel Alegre fez a guerra colonial, conspirou nela contra o regime, foi por isso preso e expulso do exército, exilou-se para escapar a nova prisão, continuando no estrangeiro a luta contra o fascismo e o colonialismo. É a sua história, foram as suas opções perante as “escolhas” que a ditadura lhe proporcionou. Por isso, como qualquer um, tem direito à verdade do seu passado e das suas responsabilidades. Se o salazarismo do boato e da calúnia, o mesmo que espalha e consolida a mentira de Soares a pisar em Londres a bandeira nacional ou que inventa e dá à estampa uma carta falsa de Rosa Coutinho a oferecer Angola a Fidel ou que difunde que Cunhal era dono de um latifúndio alentejano, diz e propaga a mentira de que Alegre foi um “desertor”, Manuel Alegre tem direito à verdade sobre o seu passado. Foi isso que o cidadão e candidato presidencial Manuel Alegre, acabou de fazer. Pela verdade contra a calúnia. Sem ter questionado outras opções e outras trajectórias. Onde está o problema no exercício da auto-defesa?
(publicado também aqui)
12/05/10
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18 comentários:
Caro João Tunes,
Não se trata, creio, de exigência dos puros. É tão simples como isto: Alegre devia ter a capacidade política para perceber que há mais mundo para além dele. E que no caso da acusação de que é alvo, tão grave como a falsificação do seu passado, é a lógica que subjaz à mesma. E a sua declaração deveria ter em conta ambas as coisas. Não teve. E não teve porque o motor de Alegre é a sua coragem. E a sua coragem, que não ponho em causa, é claro, é nele sinónimo de estrelato, vaidosice, personalismo, dirigismo, etc. Tudo o que eu julgo dever ser recusado em política.
abç
posto isto, e para que não pareça nada de anti-alegrista, devo anunciar que votarei em Alegre numa segunda volta caso seja ele o opositor a Cavaco. Mas fá-lo-ei com a mesma convicção com que votaria, numas presidenciais, em Sócrates em vez de Passos Coelho.
abç
Caro João,
Não ponho em causa nada deste post. Sei muito bem das razões, das forças e das fraquezas do MA (uma destas, por acaso, até é a mania de exibir o músculo). Sei das diferenças na observação da guerra, do problema da deserção e das possibilidades de cada um fazer isto ou aquilo. Conheço até muito bem essa posição, defendida pelo PCP a partir de certa altura (mas não sempre), que era a de ir para a guerra para a tentar humanizar (quem fez a guerra sabe bem como tal é impossível no minuto M…).
O que lamento na posição dele não é o não ter tido a mesma posição que outros tiveram e que por acaso (sorte ou azar) também tive. O que não aceito é que, com esta posição, venha subalternizar implicitamente, queira ou não, a coragem dos que, «há sempre alguém», um dia disseram não, vou-me embora, vão para a puta que vos há-de parir a todos. Não precisava dizer nada com esta solenidade toda, o Manuel: bastava o silêncio. Alguém imagina o Mário Soares a fazer o mesmo por causa do suposto «espezinhamento» londrino da bandeira verde-rubra? Não é valentia do beirão: é a costela marialva que ganhou músculo com a caça à lebre e à perdiz. Mas lá estarei a deitar o voto. Bom, se o nosso Manuel não decidir ir a Barrancos fazer uma pega de cernelha…
Abraço na divergência anti-valentões e anti-taurina. Em frente pela fraternidade entre o povo de esquerda.
ZNeves: Concordo a 90 e tal por cento com a sua tese/posição. Como já o escrevi, há meses, acho que o " serôdio " maquiavelismo/ cesarismo de Manuel Alegre só o pode prejudicar...Niet
Estou desde esta manhã para entrar na «conversa» e faço-o aqui.
Independentemente de todos os defeitos que MA possa ter - e tem -, acredito que é a única hipótese real de correr com Cavaco de Belém. Mas trata-se de uma hipótese frágil que tem de ser tanto quanto possível maximizada e eu nada farei que possa atingi-la negativamente.
Assim sendo e porque, em questões eleitorais, sou militantemente pragmática, ninguém me verá acentuar lacunas, frases a menos ou declarações a mais: se discordar, calo-me (como se da minha família se tratasse). Eu sei, Rui, que divergimos neste tipo de «metodologia», mas a minha atitude é neste ponto inabalável.
Aqui de facto discordamos, Joana. A razão de fundo - que valeria outra discussão, bem mais longa e profunda - é a mesma pela qual abandonei para sempre a militância partidária: sou incapaz de aceitar uma posição eticamente condenável, ou de a silenciar apenas por motivos tácticos. Bom, aceitaria fazê-lo numa situação realmente dramática, extremada, de guerra aberta, mas este não é felizmente o caso. Ao mesmo tempo, senti esta posição como uma bofetada partilhada, pelos motivos que o texto deixa claros. O problema é que se fosse o Cavaco a dar a chapada, esta em concreto, eu nem a sentiria, pois do inimigo não se esperam mimos. Sinto-a justamente por vir de quem vem.
Decididamente, Rui Bebiano não tem emenda em certas matérias.Afirma ele aí atrás que «Conheço até muito bem essa posição, defendida pelo PCP a partir de certa altura (mas não sempre), que era a de ir para a guerra para a tentar humanizar (quem fez a guerra sabe bem como tal é impossível no minuto M…).»
Só uma ignorância cavalar para historiador ou uma má-fe notória pode levar alguém a definir a posição do PCP (consagrada numa Resolução salvo erro de 1963 que tem um conteúdo bem mais equilibrado e complexo do que algumas das simplificações correntes que sobre ela foram feitas)como tendo por móbil «humanizar a guerra».
E Rui Bebiano não ignora certamente a polémica que eu próprio travei com José Pacheco Pereira sobre esta questão da «deserção» ou «não deserção» e qual é que exigia «mais coragem» (questão que considerei falsa e absurda).
O Vítor Dias, sempre atento, a dar-lhe com a do historiador (mesmo que eu fale de pastilhas elásticas, para ele serei sempre o solene historiador «anticomunista»). Mas já que invoca a profissão e as «asneiras cavalares», aqui vão pequenos fragmentos de uma intervenção que fiz no Seixal, em 2001, durante o II Congresso Internacional sobre a Guerra Colonial.
«Em artigo publicado em O Militante nos finais de 1964 essa posição [sobre a guerra] era já bastante nítida, acentuando-se aí, a partir do axioma de Marx segundo o qual “não pode ser livre um povo que oprime outros povos” (…).
A forma de o PCP conduzir a luta interna contra a guerra irá, no entanto, sofrer algumas alterações. A definição programática de uma “Revolução Democrática e Nacional” [...] identificava e ordenava as tarefas do partido, nelas atribuindo um papel ao “reconhecimento aos povos das colónias do direito à independência” e às formas de resistência à guerra empreendidas por militares no activo, mas entendendo não ser esta uma batalha absolutamente prioritária. Portugal, “país colonizador e colonizado”, que “tem um Ultramar porque é um ‘Ultramar’ para os outros”, deveria assim abandonar esta segunda condição, para melhor poder anular a primeira. Defendia-se que se abatesse o regime para se poder depois dialogar com os outros. Radica aqui a indesmentível evolução da atitude dos comunistas face ao problema da deserção. (...)
«Pelos anos de 1965-1966 a defesa da deserção como atitude louvável ou mesmo revolucionária, anteriormente considerada inquestionável, passa a ser temperada pelo enquadramento desse momento de resistência individual nos objectivos políticos partidários. Neste sentido, será fundamental a publicação, no Militante, de um documento que tinha como título a expressão programática: “Criar uma forte organização militar é uma das tarefas mais urgentes do Partido”.
Atribui-se neste texto uma enorme importância à organização dos comunistas nos quartéis e à propaganda junto dos soldados, apontando um conjunto de objectivos: “contra a guerra das colónias, contra a violência das manobras e exercícios militares, contra as injustiças e vexames vindos dos oficiais e comandos fascistas, contra a intromissão de oficiais estrangeiros e a instalação de bases estrangeiras em território nacional, contra a política de traição nacional do governo fascista, contra o terrorismo político e a repressão, contra a ausência de liberdades democráticas.”
Mas é o tema de deserção aquele que maior desenvolvimento merece: “É sabido que o partido não só se não opõe, mas preconiza e aplaude a deserção de soldados, sargentos e oficiais que não querem participar nas criminosas guerras coloniais. (...) A organização de deserções colectivas (...) devem portanto continuar e intensificar-se tanto quanto possível”. Esclarece-se porém que o partido “no que se refere aos seus militantes, não pode apoiar a deserção quando ela se faça isoladamente”, uma vez que tal corresponderia, na sua opinião, a privar muitos jovens de serem esclarecidos, dentro das próprias forças armadas, sobre o carácter negativo da política colonial do governo. Diz-se ainda: “Na luta contra a guerra colonial, os comunistas têm de ir tão longe quanto possível, inclusive até às frentes de batalha, sempre com o objectivo de esclarecer os outros soldados que não devem combater, que não devem arriscar a vida para defender os interesses dos monopolistas e outros inimigos da Pátria”. Exclui-se igualmente a deserção antes de se assentar praça ou mesmo da ida à inspecção, perguntando: “como conciliar a atitude destes camaradas com os objectivos da revolução se eles fogem inclusive a aprender o manejo das armas?”.
Foi justamente esta uma das questões, sensíveis entre a juventude universitária, que levaram a um gradual aumento da influência, entre esta, de uma «esquerda radical» inequivocamente defensora da resistência à guerra como prioridade política e da deserção como instrumento de luta inquestionável.
Claro que o Vítor Dias vai tentar mostrar que isto «está tudo mal». Mas contra isso batatas.
Caro Rui,
excelente comentário - que devia ser post. Resta, porém, apurar se o comentário do Vítor Dias - de quem seria de esperar melhor - é mesmo dele, uma vez que, na sua última intervenção neste blogue, ele próprio nos alertou para o facto de o seu nome ser por vezes pirateado por gente que alterna o seu uso usurpado com pseudónimos femininos.
Confesso que me agradaria - pois seria melhor para todos, a começar pelo próprio - que a minha suspeita viesse a ser confirmada.
Abraço
miguel (sp)
Ah Miguel,
Bem se vê que andas há pouco tempo nestas andanças: o comentário é, sem qualquer espécie de dúvida do VD - do real, da Bayer, com foto e «assinatura» em nome próprio!
Rui Bebiano, em que parte do seu texto é fundamentada a sua afirmação: "Conheço até muito bem essa posição, defendida pelo PCP a partir de certa altura (mas não sempre), que era a de ir para a guerra para a tentar humanizar"?
Meus amigos, o menino Jesus vai dirigir-se agora aos Doutores:
O candidato Manuel Alegre não quer apenas receber os vossos votos, prefere receber também os dos eleitores de esquerda moderada e os do maior partido de Portugal, o Partido dos Indecisos, que vão sempre escolhendo, entre o PS e o PSD, quem ganha as eleições.
Ao demarcar-se da condição de desertor o candidato não está a tomar uma posição sobre as diversas opções que um jovem de esquerda tinha perante a hipótese de fazer ou não o serviço militar.
Está apenas a dizer aos eleitores para quem isso é importante que não foi desertor, e a defender uma posição eleitoral nesse terreno.
Até porque o candidato Cavaco Silva também fez serviço militar.
"Its only business, nothing personal..."
Vão desculpar-me, mas também não percebo onde está a "humanização da guerra", a partir dos trechos citados por ti, Rui. Se estou a ler bem, a resolução defendia que os militantes, grupo específico, deviam ir para promover a deserção e oposição dos restantes. Não?
Recapitulando:
Como alguns poderão rever, a razão principal do meu comentário foi o facto de Rui Bebiano ter escrito que o móbil da orientação do PCP era tentar «humanizar» a guerra.
Acontece que nada do que Rui Bebiano agora escreveu sobre a orientação do PCP sustenta, demonstra ou comprova a justeza daquele seu «tentar humanizar» a guerra que atribuiu ao PCP. E aqui é que bate o ponto - em que pelos vistos Miguel Serras Pereira não reparou -, um ponto que nenhuma enxurrada de palavras pode disfarçar.
Esclareço também que escrevi pouco e grosso sobre o assunto porque considero que já escrevi o suficiente sobre a matéria, designadamente numa polémica recente com Pacheco Pereira e numa crónica no AVANTE! HÁ MAIS DE 10 OU 15 ANOS, ENTÃO EM POLÉMICA COM O (ESTIMADO) JORNALISTA FERNANDO DACOSTA, então ainda no «Público». E relembro que sempre sustentei, dada a complexidade da matéria (que João Tunes bem expôs) que qualquer das atitudes aparentemente em confronto era respeitável e legitima e nenhuma era «superior» ou mais «corajosa» que a outra, não deixando entretanto de exprimir a minha vinculação pessoal ao que considero o acerto político da orientação do PCP e de valorizar os seus resultados.
Por outro lado, sem prejuizo de documentos e abordagens anteriores citadas por Rui Bebiano, quanto ao PCP e nesta matéria, a orientação essencial foi - de uma forma sintética mas muito articulada - definida na Resolução do Comité Central de Julho de 1967 e publicada no Avante nº 382 de Setembro desse ano (última página) e que está disponível aqui em http://www.ges.pcp.pt/bibliopac/imgs/AVT6382.pdf.
O problema é que poucos conhecem essa Resolução que está longe de autorizar a corrente simplificação de que o PCP era pela participação dos oficiais milicianos e soldados na guerra, ponto final parágrafo. Em primeiro lugar, cumpre lembrar que, como o próprio Rui Bebiano assinala, essa orientação do PCP era destinada aos seus «militantes» e não à generalidade dos envolvidos.Incluia também a deserção de militantes comunistas com a sua organização de fugas colectivas.A este respeito, talvez seja de lembrar que as situações individuais não eram tipificáveis ou similares, bastando-me acrescentar que só eu conheço uma dúzia de membros do PCP que desertaram e, no estrangeiro, todos continuaram a ser membros do PCP, sem que tivessem sofrido qualquer sanção.
E sobretudo, neste quadro e sem ser contraditório com ele, ninguém pode honestamente ignorar que em centenas de Resoluções, comunicados de órgãos dirigentes, números do Avante! e panfletos há milhares de constantes apelos do PCP à deserção.
O que é «os comunistas têm de ir tão longe quanto possível, inclusive até às frentes de batalha, sempre com o objectivo de esclarecer os outros soldados que não devem combater» se não humanizá-la, reconduzi-la à escala humana da não-violência? «Humanizar», bem sei, tem uma marca de conciliação de classe, mas é disso que se trata. Claro que quem fez a guerra sabe muito bem que isto era completamente impossível. O mais provável, numa situação ideal desta natureza, era o «pacifista» levar com um balázio na testa. De um guerrilheiro ou de um camarada de armas.
Pronto, não há nada fazer, Rui Bebiano acha mesmo que lhe cairiam os parentes na lama se reconhecesse que o «tentar humanizar» a guerra foi uma sua infeliz e caricatural expressão.
Não é capaz sequer dessa rectificação ou humildade intelectual, E como não é capaz, eu tenho então todo o direito de conluir que quis preconceituosamente deturpar e falsificar a orientação do PCP agora ainda por cima agravada com a ideia de que se tratava de «uma conciliação de classe».
Patética é também a tentativa de aprisionar a orientação do PCP numa única frase esquecido ainda assim que mesmo essa significava não humanizar a guerra mas, mais rigorosamente, sabotar o esforço de guerra.
E, por esta via, esquece todas as outras e diversas formas de intervenção e influência positivas dos milicianos democratas
que o João Tuunes (em texto anteriores) até já descreveu e em que eu, em texto próprio, já inclui o que então chamei de, em termos militares, «encanar a perna à rã».
Mais: até eu que escapei à justa à mobilização me posso «gabar» de em 38 meses de serviço militar os ter aproveitado para as coisas úteis à causa democrática (desde roubar resmas de papel de duplicador e caixas de stencils até à influência política junto de camaradas de armas menos politizados).
Mas, definitivamente, não adianta.
Peço desculpa mas lembrei-me entretanto que já anteriormente estivera em polémica aberta com Rui Bebiano sobre esta matéria, como os leitores eventualmente interessados poderão ler, por exemplo, aqui em http://tempodascerejas.blogspot.com/2008/04/atitudes-face-guerra-colonial-3.html
Só quero referir (abstraindo-me da utilização, com que não concordo de todo, da palavra e ideia "humanização" da guerra) que a afirmação de que quem fez a Guerra Colonial sabe que era de todo impossível qualquer acção em teatro de guerra não corresponde à verdade. Houve inúmeras situações em que foi possível "trocar-lhe as voltas". Claro que isso exigia um esforço, uma habilidade e uma aplicação especial. E eu não digo isto numa atitude de conjectura, mas com conhecimento directo e prático do que afirmo. Repito: sei, conheço e tomei parte de inúmeras situações de bloqueio da guerra! Mas não vou aqui descrevê-las.
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