14/05/10

O PCP e a deserção

Guerra Colonial
Por causa da escusada tirada de Manuel Alegre sobre a sua honradez militar, voltou a discutir-se o papel da deserção e dos desertores na resistência ao regime salazar-marcelista e à Guerra Colonial. A posição da chamada esquerda radical é conhecida e, com ténues variantes, traduziu-se na recusa completa ao embarque para África. Já a do Partido Comunista Português foi menos linear. Politicamente coerente com a linha unitária do partido, em última instância ela remetia – e há notícias de que tal realmente aconteceu – para situações pessoais insustentáveis. Compreender-se-á o que quero dizer pela leitura deste post. Apesar de já o ter feito num comentário deixado no Vias de Facto, fica aqui um fragmento da minha intervenção sobre o tema («As esquerdas e a oposição à Guerra Colonial») no II Congresso sobre a Guerra Colonial que decorreu em 2001 no Seixal, com organização da Universidade Aberta. Retirei as notas e cortei partes que aqui são menos relevantes. O post é bastante longo e num registo algo académico inabitual neste meio, mas creio que vale a pena evocar estes episódios para diluir alguns mal-entendidos.



O Partido Comunista fundava a sua posição numa atitude de clara simpatia e de efectivo apoio às posições defendidas pelos movimentos independentistas. Desde o início do processo, partilhava da ideia segundo a qual a emancipação dos povos coloniais e a luta do povo português pela liberdade, possuindo um inimigo comum – o governo anti-democrático e colonialista – se encontravam estreitamente associadas. Logo em Dezembro de 1961, a propósito dos acontecimentos da Índia, considerava o Avante! que «se a Nação não se levantar urgentemente para dizer não à política fascista e colonialista do governo de Salazar, à guerra sangrenta e interminável de Angola e à guerra de Goa, seguir-se-ão inevitavelmente outras guerras coloniais, (...) cujo resultado final só poderá ser um desastre nacional para o povo português». No mesmo número, aliás, inserem-se já, tal como irá sucederá em muitas edições posteriores, diversas notícias sobre formas de resistência à guerra africana – recusas ao embarque, levantamentos de rancho, propaganda nos quartéis, etc. – assim como um artigo, intitulado «Colonialismo Sangrento», no qual se denunciam as iniciativas excepcionalmente violentas de ocupação militar, de «colonização dos militares» como considerava o redactor, que no momento se encontravam a ser aplicadas no norte de Angola. Assunto retomado num texto que dará conta de atrocidades cometidas pelas tropas portuguesas e apelará, pela primeira vez, a que os próprios soldados exijam «o fim do massacre colonial», e, se preciso for, voltem «as armas contra os oficiais colonialistas que os comandam, exigindo o fim da guerra colonial e o seu regresso à metrópole»

A resistência à guerra será naturalmente mantida, e ampliada até, quando o teatro de operações se estendeu à Guiné e depois a Moçambique. Gradualmente, porém, o discurso ultrapassa a oposição pontual a uma situação que o Partido Comunista Português considerava injusta e atentatória dos interesses vitais do povo português e dos direitos nacionais dos povos das colónias, para aproximar os dois campos de luta, tomados agora como inseparáveis. Num artigo publicado pelo Militante em Outubro de 1964, essa posição é já bastante nítida, acentuando-se aí, a partir do axioma, aplicado por Marx ao domínio da Irlanda pelo governo inglês e de acordo com o qual «não pode ser livre um povo que oprime outros povos», que os interesses dos sectores da burguesia monopolista ligada à exploração colonial se articulavam com o poder que esta internamente detinha, reforçando a exploração exercida sobre os trabalhadores portugueses dentro do território metropolitano. Escreve-se, por isso, que Portugal «seria um país mais progressivo se não tivesse colónias», e, em consequência, que a guerra colonial representa «um centro onde vão dar todas as lutas da classe operária e do nosso povo».

A forma efectiva de conduzir a luta interna contra a guerra irá no entanto evoluindo, no sentido de se considerar ser este um combate prioritário mas que poderá, e muitas das vezes deverá, ser separado de outras das frentes da actividade dos comunistas e da oposição. Por este motivo, não é de estranhar que muitos dos números do órgão central do PCP não contenham referência alguma, ou o façam de forma breve, em relação aos acontecimentos da guerra e à organização da oposição à mesma. Parece legítimo, aliás, supor que a definição programática da necessidade de organizar uma «Revolução Democrática e Nacional», definida em Setembro de 1965 no VI Congresso do partido com base no relatório de Álvaro Cunhal intitulado Rumo à Vitória, se encontre na origem dessa posição: as tarefas prioritárias, cuidadosamente identificadas e ordenadas aí segundo a sua importância na definição das prioridades de luta do partido, atribuíam um papel, é verdade, ao «reconhecimento aos povos das colónias do direito à independência» e às formas de resistência à guerra empreendidas por militares no activo, mas não consideravam esta como uma batalha absolutamente prioritária. Portugal, «país colonizador e colonizado», que «tem um Ultramar porque é um ‘Ultramar’ para os outros», deveria em primeiro lugar abandonar esta segunda condição, para melhor poder anular a primeira. Abater o regime para poder depois conversar com os outros. O «internacionalismo, elemento integrante do marxismo» é regularmente invocado para legitimar a solidariedade combativa do povo português com os povos dos territórios coloniais, mas esta passa em primeiro lugar pela luta que este trava internamente contra um regime opressor.

Aí radica também a atitude do PCP em relação ao problema da deserção. Por razões políticas mas também de consciência, o tema – [...] um dos principais pontos de discórdia com a extrema-esquerda – será levantado em diversos momentos. Aquilo que, timidamente, os socialistas só já nos inícios da década de 70 começarão a reconhecer – o facto de a juventude, de modo crescente, não dever «reconhecer ao governo da ditadura fascista autoridade para a obrigar a fazer uma guerra colonial» – já os comunistas adiantavam desde o início da guerra. Será todavia por volta de 1965-1966 que a defesa da deserção como atitude louvável ou mesmo revolucionária passa a ser temperada pelo enquadramento desse momento de combate individual ao regime em termos dos objectivos políticos partidários. Neste sentido, será fundamental a publicação, no Militante, de um documento que tinha como título a expressão programática: «Criar uma forte organização militar é uma das tarefas mais urgentes do Partido».

Atribui-se nele uma enorme importância à organização dos comunistas nos quartéis e à propaganda junto dos soldados, apontando um conjunto de alvos: «contra a guerra das colónias, contra a violência das manobras e exercícios militares, contra as injustiças e vexames vindos dos oficiais e comandos fascistas, contra a intromissão de oficiais estrangeiros e a instalação de bases estrangeiras em território nacional, contra a política de traição nacional do governo fascista, contra o terrorismo político e a repressão, contra a ausência de liberdades democráticas.» É porém o tema de deserção aquele que maior desenvolvimento merece neste documento. Declara então O Militante: «É sabido que o partido não só se não opõe, mas preconiza e aplaude a deserção de soldados, sargentos e oficiais que não querem participar nas criminosas guerras coloniais. (...) A organização de deserções colectivas (...) devem portanto continuar e intensificar-se tanto quanto possível». Esclarece-se porém que o partido «no que se refere aos seus militantes, não pode apoiar a deserção quando ela se faça isoladamente», uma vez que tal corresponderia a privar muitos jovens de serem esclarecidos, dentro das próprias forças armadas, sobre o carácter negativo da política colonial do governo. Diz-se mesmo: «Na luta contra a guerra colonial, os comunistas têm de ir tão longe quanto possível, inclusive até às frentes de batalha, sempre com o objectivo de esclarecer os outros soldados que não devem combater, que não devem arriscar a vida para defender os interesses dos monopolistas e outros inimigos da Pátria». De igual forma, exclui-se a deserção antes de assentar praça ou mesmo da ida à inspecção, perguntando-se: «como conciliar a atitude destes camaradas com os objectivos da revolução se eles fogem inclusive a aprender o manejo das armas?» Pouco tempo depois, juntar-se-á, em novo artigo, um esclarecimento complementar: «O Partido desaprova as deserções individuais dos membros do Partido, os quais só poderão desertar quando estão em risco eminente de serem presos como consequência da sua acção revolucionária ou quando acompanharem deserções colectivas.»

A verdade é que, sensivelmente a partir dos meados de 1968, as referências à guerra, e sobretudo à forma de lhe fazer frente, tornam-se raras nas páginas do Militante, mas tal não parece corresponder a um menor empenho do PCP nesta área do combate político, uma vez que o Avante! prossegue, agora já com grande regularidade, a sua campanha de denúncia da situação militar. Assim, em 1969, com Salazar apeado do poder, publica-se um longo documento de estratégia política, no qual é claramente declarado que «a questão colonial é uma questão central da política portuguesa», ainda que se insista mais nas consequências do sistema colonial para o reforço dos sectores sociais dominantes do que se procure desenvolver linhas de resistência activa. A primavera marcelista parece, também neste domínio, suscitar algum compasso de espera. Mas em Janeiro de 71, quando a sua falência se mostra já inevitável, o jornal volta à carga com uma extensa e dura tomada de posição. Nela se pode ler: «O povo português exige o fim imediato da guerra colonial, (...) a abertura de negociações com os legítimos representantes dos povos das colónias (...), o reconhecimento do direito desses povos à completa e imediata independência.»

O desenvolvimento de posições de combate mais directo contra as guerras coloniais, por parte dos comunistas, travar-se-á ainda dentro de um outro enquadramento organizativo. Concretamente através da sua actividade dentro da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), proclamada em Dezembro de 62 e com sede definitivamente estabelecida, a partir de 64, em Argel. Integrando sectores diversos da oposição, que incluíam inicialmente o próprio general Delgado, a FPLN desenvolverá uma permanente actividade de oposição ao regime salazarista, a qual, para além da prática organizativa e conspirativa, integrará uma notável actividade de propaganda, que passará pela manutenção da Rádio «Voz da Liberdade» – cujo «rosto» foi durante anos, para muitos portugueses que a ouviam religiosamente, a voz de Manuel Alegre – e pela publicação de importante quantidade de material impresso, destinado tanto à emigração como ao interior. Num e noutro dos casos, a actividade de militância contra a guerra ocupará sempre um lugar de primeiríssima importância.

Em 1965 começa a ser editado o Passa Palavra, o «órgão dos militares da FPLN», que sugere formas de organização e de protesto, nomeadamente através da recusa à disciplina, mas que, durante algum tempo, evitará sugerir a deserção. Esta virá a tornar-se, no entanto, uma das bandeiras da Frente, o que deverá ter sido possibilitado pelo abandono das hostes delgadistas, nada simpatizantes de práticas tão marcadamente anti-militaristas. Logo no primeiro número, o Liberdade, órgão oficial da renovada FPLN, trará então um artigo no qual o tema é levantado, e algum tempo depois o assunto merecerá a divulgação de sugestões claras a quem lesse esta imprensa: «Para quê continuar a sofrer nesta maldita guerra? (...) Desertemos!», exclama, mencionando dados impressionantes sobre o volume de refractários e de desertores. Pouco antes, tinham já sido divulgadas sugestões de combate contra a guerra claramente próximas das propostas do PCP: «Finge que combates, mas evita tanto quanto possas perseguir os patriotas africanos. (...) Organiza a deserção e a revolta contra a guerra (...). Procura o contacto com os movimentos de libertação e prepara a tua deserção e a daqueles camaradas da tua confiança.»

10 comentários:

Anónimo disse...

Volto a informar os leitores deste blog que algumas afirmações ou teses (re)expostas neste trabalho de Rui Bebiano foram por mim desenvolvidamente contestadas
aqui em http://tempodascerejas.blogspot.com/2008/04/atitudes-face-guerra-colonial-3.html ,na sequência de dois precedentes posts meus em polémica com José Pacheco Pereira.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Rui,
não vou entrar aqui numa discussão historiográfica. Mas posso dizer que as objecções, reservas, contestações do Vítor Dias são irrelevantes ou especiosas, rebuscadas e obscuras nas suas motivações. Não compreendo sequer onde ele quer chegar: Dizer que a posição do PCP foi sempre a mesma? Dizer que a sua linha era de classe contra classe e não de frente ampla e compósita? Nada disto faz grande sentido - do ponto de vista do próprio interesse do Vítor Dias. A menos que a sua ideia seja desqualificar-te a priori, na base de um pressuposto que não andará longe da tese que a história do PCP só pelos seus partidários ou companheiros de jornada pode ser feita.
Posso, em todo o caso, testemunhar que, no movimento estudantil, a partir da segunda metade dos anos 60, a primeira linha das reivindicações do PCP e sua área de influência, privilegiava os temas "pedagógicos", a palavra de ordem da "democratização do ensino" e evitava, combatia, censurava a introdução privilegiada ou sequer directa da guerra colonial - adoptava de resto a mesma atitude, justificando-a com argumentos de ordem táctica diversos, em relação a reivindicações políticas radicais, proclamações programáticas "socialistas" que fossem além da crítica ao capital monopolista, etc., etc.
Creio estarmos perante evidências - deixando de lado o juízo sobre o acerto político comparado de tais posições com outras, que compareciam como suas rivais. O que não quer dizer que esse juízo político não seja importante ainda hoje - mas a sua formulação obrigar-me-ia a ir mais longe do que me proponho agora, entrando nomeadamente na análise, não só das palavras de ordem e directrizes, mas também na dos métodos, aspectos organizativos e modalidades de luta adoptadas pelo PCP e outras forças em presença.
Excelente post, o etu, meu caro .
Forte abraço

miguel (sp)

Rui Bebiano disse...

Tenho mais dados, Miguel, embora já tenha abandonado esta investigação há quase dez anos. Entre eles alguns sobre a relação desta posição com os Congressos da Oposição Democrática em 1969 e 1973 (estive no segundo, aliás).

Mas claro que existirá sempre uma História de Portugal e uma História de Portugal Feita pelo PCP (esta, como a do antigo partido bolchevique, copiosamente revista a cada edição). Como é evidente, uma abertura dos arquivos do PCP a investigadores independentes - há uns anos, até a colecção do Avante!, agora felizmente online, era recusada a quem, vindo de fora, a pedisse -, e uma investigação mais detalhada (apoiada inclusive no testemunho oral), serão sempre importantes para que tudo isto se esclareça um pouco melhor.

Anónimo disse...

quem não percebe nada sou eu, equidistante tombado para a esquerda das duas facções em confronto, sociais democratas e "comunistas" reformistas. As edições do Avante eram recusadas pessoalmente a historiógrafos revisinistas mas afinal agora estão online? parece-me ser uma coisa normalissima.
Porque a conversa fiada de MSP é, como em tudo sobre o que se debruça, completamente irrealista e inconsequente, teorias pseudo-documentais àparte, vamos às práticas no terreno.
O que é certo é que conheci bem um companheiro que fez a guerra colonial, conviveu diarimente durante dois anos e tal com um núcleo reduzido de amigos mais intimos (éramos todos milicianos, lisboetas e das avenidas novas) e nunca nenhum de nós soube ou suspeitou que o tipo era militante do PCP - até um belo dia pós 25A em que o vimos sentado na AR como deputado. (Compreende-se, o espirito de defesa da posição do Partido seria mais importante que contribuir com acções concretas para acabar com a carnificina). Entretanto adivinha-se o dia-a-dia das nossas missões de destacamento para combate. Choviam castigos por contestação e indisciplina face aos comandos dos quadros militares invariavelmente pró-fascizantes. Deportações para unidades longinquas em zonas de perigo, etc. Mas o nosso agente do PCP saiu-se da coisa sem mácula, limpinho e liofilizado. Aqui fica então esta pequena parábola do Reformismo elevado ao seu expoente máximo
x

LAM disse...

Do que sai, quer de alguns (poucos na verdade, dadas as circunstâncias), conhecimentos que tinha sobre as posições nessa matéria do PCP no início dos anos 70, quer agora pela leitura dos textos de Rui Bebiano e da releitura do que a propósito foi publicado por Vitor Dias, ressalta a minha confirmação de que as posições do PCP sobre o comportamento dos revolucionários perante a guerra colonial, longe da clareza que pretende defender Vitor Dias, sempre vogou na ambiguidade quando não na contradição. Aliás, muito mais esclarecedores dessa ambiguidade e dos zigue-zagues são os próprios argumentos, e para o que eles remetem, de Vitor Dias, mais até do que os de Bebiano.

Anónimo disse...

SENSACIONAL (1)

Em comentário anterior, Rui Bebiano tem uma passagem particularmente imprudente quando afirma «Tenho mais dados, Miguel, embora já tenha abandonado esta investigação há quase dez anos. Entre eles alguns sobre a relação desta posição com os Congressos da Oposição Democrática em 1969 e 1973(estive no segundo, aliás).»

Ora acontece que, na polémica que já mantive há uns tempos com Rui Bebiano em torno também do seu trabalho ««A esquerda e a oposição à guerra colonial», escrevi então «ter nele encontrado duas espectaculares «novidades». A primeira é que o 3º Congresso da Oposição Democrática realizado em Abril de 73, em Aveiro, também terá sido «hesitante» quanto à questão da guerra colonial ! (fiquem os mais novos a saber que esse hesitante Congresso chamou a essa guerra um «crime contra a humanidade», exigiu o fim da guerra colonial na sua curta declaração final e, nas suas Conclusões, para além de um ponto próprio sobre a questão colonial, salientou em termos de perspectivas de luta que « É urgente empreender uma larga campanha sobre as consequências da guerra colonial, forçando o debate tão amplo quanto possível com as populações. É urgente o desenvolvimento de uma ampla campanha nacional exigindo o fim da guerra e a abertura imediata de negociações com os movimentos de libertação das colónias na base do reconhecimento do direito dos povos das colónias à autodeterminação e à independência. É urgente a denúncia dos crimes de guerra cometidos pelo exército colonial.»).A segunda é que as «tarefas prioritárias» enunciadas no «Rumo à Vitória» (ou serão os oito pontos da revolução democrática e nacional ?) são «cuidadosamente identificadas e ordenadas aí segundo a sua importância na definição das prioridades de luta do partido», coisa que, em 35 anos de vida partidária, nunca tinha ouvido ou lido no PCP !».

Ou seja, depois de ter apanhado uma «sova» deste tamanho quanto ao 3º Congresso da Oposição Democrática e a guerra colonial(onde acredito piamente que Rui Bebiano tenha estado mas possivelmente distraido), Rui Bebiano volta agora a meter esse 3º Congresso ao barulho nesta matéria.

Por outro lado, Miguel Serras Pereira ao perguntar se eu quero dizer que «a linha do PCP era de classe contra classe e não de frente ampla e compósita», só está a confirmar que não se deu ao trabalho de ler os meus posts sobre o assunto e designadamente o que foi em polémica directa com Rui Bebiano.

Se tivesse lido, saberia então que uma das coisas que eu escrevi foi isto : «aguardo também que Rui Bebiano explique claramente se o carácter «interclassista» da luta contra a ditadura fascista lhe suscita alguns engulhos ou discordâncias ou se, tal como o PCP e eu próprio, considera que, naquelas concretas circunstâncias históricas, esse carácter era não apenas natural mas também necessário e indispensável.»

(continua)

Anónimo disse...

SENSACIONAL (2)

Embora de forma breve, também não podem ficar sem resposta as tiradas de M.S.P. do género «a primeira linha das reivindicações do PCP e sua área de influência, privilegiava os temas "pedagógicos", a palavra de ordem da "democratização do ensino" e evitava, combatia, censurava a introdução privilegiada ou sequer directa da guerra colonial».

Ora, em 1965 eu também estava lá e por mim confirmo que, naquela conjuntura, se previlegiaram certas temáticas e, a meu ver muito acertadamente, porque é preciso não esquecer que o movimento associativo estudantil estava destroçado pela repressão e prisões do 1º semestre de 1965, que se estava patentemente numa fase de refluxo e de reacumulução de forças que se vieo a verificar e para a qual muito contrbuiram «os temas pedagógicos» e as iniciativas culturais.
Pelos vistos, MSP achava mais inteligente e adequado que, numa conjuntura daquelas, as associações de estudantes, que eram estruturas legais !,assumissem como prioridade (por pouco tempo, porque logo seriam fechadas) a luta contra a guerra colonial.

Por fim, e aqui não volto, detecto em afirmações de Rui Bebiano e Miguel Serras Pereira um fenómeno curiosíssimo : intelectuais que foram esquerdistas há 35/40 anos E QUE DEIXARAM DE O SER, em matéria de crítica a certas orientações do PCP, não se importam nada de recuperar quase «ipsis verbis»,os argumentos, juízos e análises que há 40 anos os grupos esquerdistas aplicavam ao PCP.

Não é tanto um caso de mudar não mudando, parece-me ser mais um caso de não mudar quando é isso que convém tendo em conta o alvo.

Anónimo disse...

UMA MENTIRA COM TODOS OS DENTES

É uma vergonha e uma indignidade que Rui Bebiano se tenha permitido afirmar que « há uns anos, até a colecção do Avante!, agora felizmente online, era recusada a quem, vindo de fora, a pedisse».

Para além de que a colecção do Avante! sempre existiu, no essencial, na Biblioteca Nacional, a verdade é que, desde tempos recuadíssimos, dezenas e dezenas de investigadores e estudantes passaram pela Soeiro Pereira Gomes
e consultaram o Avante ! clandestino ( e muitíssimos outros materiais).

Eu vi-os a muitos com estes que a terra há-de comer e até sei perfeitamente qual era o trânsito entre a sala onde estava essa colecção e as salas onde esses interessados a consultavam.

Francamente, há coisas que passam todas as marcas !

Rui Bebiano disse...

Vítor Dias (VD), que se tem dedicado nos últimos anos, sob artifícios diversos, a ser polícia da Internet - com uma visão monocular que o faz não comentar, apoiar, debater, rebater, nada onde se não apareça a palavra PCP (fantástico alguém escrever 150 posts onde não fala do dito, e ao 151ª, pimba!, lá vem VD em passo de corrida) - vem agora para aqui, com o azedume e os «ficheiros secretos» habituais, fazer considerações que têm mais a ver com a honradez de quem pretende atacar do que com um debate franco. Nada de estranho para quem anda nisto há muitos anos e reconhece os métodos habituais na agremiação da qual faz parte. Um dos preferidos, como se sabe, é lançar lama para cima de quem se pretende atacar e «isolar». No que me toca, felizmente uso um daqueles velhos impermeáveis de oleado que me protege dessas coisas. E só sacudo o que me incomoda.

Não vou estar aqui a rebater porque não «discuto» nos termos policiais «pedra na mão» de «enculpamento» e «prova» que VD utiliza. Era o que faltava. Deixo por isso a argumentação sobre este assunto para melhor ocasião e companhia mais urbana. Esclareço apenas dois aspectos:

- Um porque envolve terceiros: foram dois jovens investigadores de quem em tempos (há uma boa dúzia de anos) fui professor que, em momentos diferentes e por sua conta, procuraram aceder, deslocando-se para o efeito a instalações do PCP, à colecção dos números mais antigos do Avante!, tendo-lhes, em ambos os casos, sido dito que não estavam disponíveis. Admito que possa ter sido apenas má-vontade ou ignorância de algum funcionário distraído, mas foi isto que se passou. Felizmente pude descansar essas pessoas, uma vez que eu mesmo possuía, inteiramente digitalizada a partir de fontes particulares, a referida colecção.

- Sobre o 3º Congresso da Oposição Democrática: a minha participação foi como simples assistente, uma vez que na época (tinha 20 anos) não possuía vínculo algum que me permitisse participar como delegado (VD gostaria imenso de dispor de um ficheiro com os nomes dos delegados para confirmar este dado se eu o declarasse, evidentemente). Mas recordo-me de um conjunto de pessoas ter sido impedida de debater o tema – eram sobretudo jovens estudantes os que o tentaram fazer – e, acima de tudo, tenho como fonte, que qualquer um pode consultar, as actas publicadas do referido Congresso, nas quais a questão colonial é remetida para duas ou três páginas quase no final de um grosso volume. Se nas circunstâncias era ou não correcto, ou aconselhável, discutir o tema, esse é outro assunto. Mas foi isto que se passou e do qual sobram vestígios. Claro que VD pode agora escrever aquilo que lhe aprouver. Terá sempre alguém que acredita nele e que será «contra» os malandros que digam o contrário.

A fechar. Logo a seguir ao 25 de Abril, na minha universidade, um conjunto de professores passou a ensinar história universal através de uma tradução de manuais soviéticos da autoria de Diakov e Kovalev (se não erro, editados pela Arcádia). No seu arrazoado miserável, estes contestavam uma série de conclusões de historiadores ocidentais – por exemplo, sobre a caracterização do feudalismo ou as origens da Revolução Francesa – referindo-se-lhes como «os estudiosos burgueses» e proclamando «a verdade», que era a contada pelos infalíveis «eminentes sábios soviéticos». E não havia meias-verdades. VD permanece nesses tempos a positivo-negativo. Pois olhe que eu não tenho certezas absolutas sobre estes acontecimentos dos quais temos falado para além daquilo que os documentos revelam, que é, como historiador profissional (há trinta anos e com algumas provazitas dadas), o que posso provar. Está muita investigação por fazer sobre estes assuntos, sem dúvida, e algumas das conclusões às quais cheguei há dez anos podem ser melhoradas. O PCP poderia ajudar muito, se quisesse. Se novas provas credíveis chegarem, serei o primeiro a tentar aprender, pois a História está sempre em construção . Mas jamais no registo policial e de «verdade absoluta» do VD. Para este não há pachorra, sinceramente.

Diogo Ribeiro disse...

O Rui Bebiano escreve bem e é conhecedor dos temas sobre os quais escreve. Mas ainda assim fica aquém não só da argumentação mas também da classe de Vítor Dias (com quem não simpatizo especialmente).