14/05/10

Resposta a Vítor Dias

Vítor Dias,
deploro que ceda à compulsão de sabor estalinista do recurso à calúnia visando os seus adversários políticos. Você escreve na caixa de comentários do post do meu amigo Rui Bebiano sobre o PCP e a deserção:
Por fim, e aqui não volto, detecto em afirmações de Rui Bebiano e Miguel Serras Pereira um fenómeno curiosíssimo : intelectuais que foram esquerdistas há 35/40 anos E QUE DEIXARAM DE O SER, em matéria de crítica a certas orientações do PCP, não se importam nada de recuperar quase «ipsis verbis»,os argumentos, juízos e análises que há 40 anos os grupos esquerdistas aplicavam ao PCP.

Pois bem, você sabe perfeitamente e suponho que convive lá na sua organização com gente que o sabe ainda melhor, que eu não fui esquerdista há umas décadas para me converter agora ao capitalismo e ao seu regime oligárquico.  E se por esquerdista você entende "m-l" ou trotsquista organizado, etc., não fui nada disso. Fui - e  ainda sou, embora prefira dizê-lo as mais das vezes num vocabulário diferente - "socialista libertário", democrata radical à maneira de Rosa, influenciado fortemente por leituras de Daniel Guérin e do Henri Lefebvre pós-ruptura com o PCF - mas sobretudo pela história revolucionária dos séculos XIX e XX, e nomeadamente pela da Rússia, de Espanha e da Hungria. Isto acerca da minha filiação política nos finais dos anos 60 e perincípios dos 70.

Quanto às minhas posições políticas actuais, que no essencial continuam, aprofundam e radicalizam as dessa época, remeto-o para o post que aqui publiquei há dias, e onde afirmo, nomeadamente:

‹A revolução visa a democracia porque, como escreveu o Pedro Viana há tempos, no 5diasA democracia na sua forma mais radical … implica a extensão do princípio igualitário a todas as áreas da vida em sociedade: eu só tenho liberdade para votar e decidir como igual, se fôr igual, se tiver igual poder. E a democracia visa a revolução, ou não pode deixar de ser revolucionária, porque a extensão do princípio igualitário, que implica a extensão simultânea das capacidades políticas da liberdade, exige uma transformação institucional radical, uma outra divisão política do trabalho e uma outra divisão do trabalho político.
Deste modo, como também no blogue já citado, e na caixa de comentários de um post do Ricardo Noronha, escrevi eu próprio:
A revolução é democracia radical, autonomia, república de conselhos ou assembleias igualitariamente abertas à participação de todos os cidadãos que não se auto-excluam, conspirando em vista de reservar a decisão política suprema a um grupo, classe, organização ou corpo profissional particular. Sem dúvida que o poder político revolucionário não pode, sob pena de assinar antecipadamente todas as capitulações, pôr de lado a força – em última análise armada – que garanta a cidadania governante, o exercício do poder pelos cidadãos organizados, contra acções que visem expropriá-los desse poder. … Assim, num vocabulário grato ao Zé Neves, a revolução é o movimento e o encadeamento das acções através das quais a “multidão” institui os seus membros como cidadãos governantes, detentores do poder político “legítimo” e do controle dos “meios de violência” correspondentes. Não é a substituição de governantes mais esclarecidos, mais “desinteressados”, mais “representativos do bem comum ou da classe explorada”, mais “meritórios” ou “competentes”, aos que anteriormente ocupavam os postos governamentais.
Do mesmo modo, no plano da actividade económica, a revolução não é a substituição dos proprietários ou companhias privadas pelo Estado e seus especialistas, técnicos ou capatazes de serviço, mas a sua gestão cooperativa e democrática pelo conjunto organizado dos interessados. E é, antes e depois desta transformação radical, a subordinação dos valores económicos e a destruição do primado da economia através do exercício político do poder pela cidadania governante [assegurando] a desmercantilização ou “deseconomização” correspondente da força de trabalho … ›


Claro que você discorda de tudo isto - o que é de lamentar em quem tem o bom gosto de ter escolhido para nome do seu blogue o título de uma das mais belas canções do mundo, evocando uma das mais seminais experiências históricas dos tempos modernos. Mas terá de reconhecer que não me curei disso a que o PCP chama "esquerdismo" e declara contra-revolucionário porque põe em causa o seu desígnio de monopolizar os títulos de "direcção operária", "consciência organizada", "partido revolucionário", e por aí fora. Mas não adiante discutir muito mais estas questões consigo dadas a sua servidão voluntária e a falta de disposição que mostra para debater seriamente seja o que for em matéria política e organizativa.

Quanto aos aspectos factuais, verifico que não teve outro remédio que não fosse confirmar o meu testemunho. Sobre os meus juízos da época acerca da linha do PCP e das posições "marxistas-leninistas" rivais, das suas palavras de ordem e sobretudo dos seus métodos e concepções de organização, disciplina e acção colectiva, o meu testemunho não diz uma palavra. Mas, nos aspectos fundamentais, relevam da mesma concepção da democracia que ainda hoje mantenho e tenho procurado aprofundar, fiel às divisas de A EMANCIPAÇÃO DOS TRABALHADORES HÁ-DE SER OBRA DOS MESMOS TRABALHADORES, da LIVRE ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES.

3 comentários:

Anónimo disse...

Admito que me possa ter equivocado quanto ao exacto ou rigoroso percurso político- ideológico de Miguel Serras Pereira.

Mas quero dizer àqueles que tanto falam de stalinismo a toda a hora que verdadeira compulsão de sabor estalinista do recurso à calúnia visando os seus adversários políticos é a atribuição que, a pretexto de um texto como o meu, MSP me faz de « compulsão de sabor estalinista do recurso à calúnia visando os seus adversários políticos».

Além do mais, ninguém encontrará nos comentários que escrevi nenhuma base que autorize que MSP venha afirmar que eu o tratei como um «contrarevolucionário» ou como um «convertido ao capitalismo e ao seu regime oligárquico».

Eu apenas falei dos que «foram esquerdistas e deixaram de o ser» ponto final parágrafo, ou seja nada disse sobre o que seriam hoje.

Assim tendo sido, como é comprovável, a que titulo de abertura ao debate ou de honestidade intelectual
me vem MSP atribuir qualificações que, certamente não por acaso, não formulei ?

E, uma vez que MSP, compreensivelmente, não quis gastar cera com a divergência concreta que manifestei face a uma parte do escreveu (a conjuntura estudantil de 1965), só me resta desabafar que comigo não resulta e nunca irá resultar esse truque velhíssimo do que tenho chamado «as flores de estufa» que consiste em toda a gente poder dizer o que quer dos comunistas e do PCP e isso ser visto como debate político mas já os comunistas e o PCP se a isso respondem alguma coisa já é agressão, ataque ou insulto.

Nesse e noutros pontos, mesmo quando a voz já me doer, vão ter de continuar a aturar-me.

LAM disse...

"...intelectuais que foram esquerdistas há 35/40 anos E QUE DEIXARAM DE O SER, em matéria de crítica a certas orientações do PCP, não se importam nada de recuperar quase «ipsis verbis»,os argumentos, juízos e análises que há 40 anos os grupos esquerdistas aplicavam ao PCP."

Diferentemente desta conclusão de Vitor Dias, pelos posts e comentários aqui publicados, não me parece que tivessem sido tecidos críticas ou juízos às posições sobre essa matéria,quer do PCP, quer da chamada esquerda radical de então. Na minha leitura, limitou-se Rui Bebiano a expôr as diferenças entre o à época defendido por uns e por outros. ( algo independente até da defesa da supremacia de uma tese sobre a outra), pelo que não tem grande cabimento o argumento de "recuperar...as análises que os grupos esquerdistas aplicavam ao PCP". Diferente da defesa de teses sobre o assunto, o que aqui esteve confrontado foram dados históricos que, quer Rui Bebiano, quer Vitor Dias ou Miguel S. Pereira, apresentaram.

Miguel Serras Pereira disse...

Vítor Dias,
você deve andar sem ler Lenine há muito tempo, uma vez que a sua resposta faz exactamente o contrário do que ele recomendava: você responde-me dando um passo em frente, para dar logo um, dois, três, muitos para trás.
Depois de reconhecer que se poderá "ter equivocado quanto ao exacto ou rigoroso percurso político-ideológico de Miguel Serras Pereira", refere-se a uma "divergência concreta que manifestei face a uma parte do que escreveu (a conjuntura estudantil de 1965)". Ora, o que eu escrevi sobre a política do PCP no final dos anos 60, e no que se refere ao movimento estudantil, foi o seguinte:
‹Posso, em todo o caso, testemunhar que, no movimento estudantil, a partir da segunda metade dos anos 60, a primeira linha das reivindicações do PCP e sua área de influência, privilegiava os temas "pedagógicos", a palavra de ordem da "democratização do ensino" e evitava, combatia, censurava a introdução privilegiada ou sequer directa da guerra colonial - adoptava de resto a mesma atitude, justificando-a com argumentos de ordem táctica diversos, em relação a reivindicações políticas radicais, proclamações programáticas "socialistas" que fossem além da crítica ao capital monopolista, etc., etc. Creio estarmos perante evidências - deixando de lado o juízo sobre o acerto político comparado de tais posições com outras, que compareciam como suas rivais.›
Quanto a "agressão, ataque, insulto", foi o Vítor Dias que me acusou de posições políticas que não são as minhas (se as ignorava, não falasse delas), que me difamou, que não contestou o aspecto factual do meu testemunho sem por isso deixar de lhe atribuir tenebrosas intenções, e, finalmente, quem assumiu a atitude de "flor de estufa" que, vá-se lá saber porquê, me atribui.
A partir daqui, as coisas, sim, azedaram, e se foi o papel, a natureza histórica, as concepções e práticas do PCP que o VD entendeu evocar como matéria do debate, não se pode queixar agora de ter tido de me ouvir. Remeto para o meu post "Resposta a Vítor Dias", e a todos desejo um excelente fim de semana

msp