Sobre a morte de Saldanha Sanches tenho a dizer apenas isto: quem fez em vida tão bons inimigos não pode deixar de merecer respeito e consideração. Para além disso, parece que foi preso por defender num artigo do «Luta Popular» o combate à guerra colonial e a deserção, para além de ter mandado uma sova num agente da PSP e escrito qualquer coisa a propósito da mediocridade de Arnaldo Matos. Só isso chegaria. Mas Saldanha Sanches não fez apenas isso. Se o João e a Joana já destacaram aqui o seu passado de luta anti-fascista e anti-colonialista, eu gostaria de salientar outra faceta.
É que Saldanha Sanches foi o autor de algumas das mais lapidares afirmações sobre este regime, com um raro desassombro no que toca à consideração das desventuras da pátria, dos males do mundo e das causas da decadência dos povos peninsulares. Através do seu sítio pessoal cheguei a algumas crónicas do «Expresso» (infelizmente não encontrei a memorável crónica em que concedia a Celeste Cardona a duvidosa qualidade de ser um pouco mais séria do que Vale e Azevedo) e ei-lo em grande forma.
Por exemplo: "Os partidos que são os esteio da democracia portuguesa - PS, PSD, PP - convivem sem dificuldade com práticas que dão origem a carreiras que desembocam no crime. São escolas do crime e devem ser considerados responsáveis pelos crimes praticados pelos seus altos dirigentes." As escolas do crime
Ou então: "A comissão parlamentar foi um pódio para Oliveira Costa e um lugar de expiação para Constâncio. Os delinquentes assumidos sentem-se bem no banco dos réus; as pessoas honestas vítimas das suas fraquezas nem por isso.
Constâncio recorre a desculpas esfarrapadas porque não pode explicar as suas não decisões: não pode dizer que Oliveira Costa/Dias Loureiro construíram um poderoso aparelho de poder que intimidava as fracas instituições da sociedade portuguesa. Não pode dizer que Oliveira Costa obteve o seu poder no PSD recolhendo fundos para o partido (no tempo da lei antiga) e que na sua passagem pela secretaria dos Assuntos Fiscais (devemos-lhe a reforma fiscal de 89) mostrou a sua capacidade, boa e má, para o exercício do poder.
Não pode dizer que Oliveira Costa, ao mesmo tempo que detinha todos os poderes efectivos, tinha recheado os órgãos sociais do banco com figuras de proa da política: procurando na net lá estavam as imponentes fotografias dos muitos e variados conselhos com figuras como o antigo presidente do PSD, Rui Machete, em posições de grande destaque.
Ao mesmo tempo, tecendo pacientemente a sua teia, ia proporcionando ganhos modestos mas simpáticos e inteiramente legais a quem dispunha de influência: as mais-valias de Cavaco e família recentemente reveladas pelo Expresso são disso um exemplo eloquente. Para completar a rede, alguns esfaimados do PS e no auge do seu poder até gente do Ministério Público e um ex-director da Polícia Judiciária." As tribulações de Constâncio
Ou, a propósito do mesmo tema, este admirável naco de prosa: "É isso que dá um imperdível odor a "déjà vu" ao caso BPN. A única diferença é que aqui a conta que vamos pagar por causa das ilicitudes está devidamente contabilizada e temos o caso extraordinário do crime ser cometido à vista de toda a gente: ao que parece o BPN funcionava sem reuniões do conselho de administração e sem actas. Um pormenor insignificante do qual o Banco de Portugal, apesar da aturada vigilância a que submetia o BPN, nunca deu conta. O conselho de administração havia: ainda que nos últimos anos (segundo as informações que obtivemos no sítio institucional do banco) estivesse muito reduzido. Actas, é que não. Um estilo de governação societária rodeado de cuidados conspirativos e aprendido na Palermo Business School. Um estilo que em Lisboa pode durar por tempo indefinido: ainda no ano passado o banco anunciava um lucro muito confortável, e como diziam os últimos auditores (que revelaram uma excelente adaptação à cultura peculiar da instituição) num relatório assinado em Abril de 2008, as suas demonstrações financeiras apresentavam de forma verdadeira e apropriada a posição financeira do BPN. Tudo isto é um pouco mais desconfortável para Cavaco Silva que as tais primeiras páginas de 'O Independente', mas o seu modo de reagir é mais ou menos o mesmo: não se pode dar demasiada atenção ao que se publica nos jornais, nada está provado, ainda ninguém foi condenado. Provavelmente o dr. Dias Loureiro anda demasiado agitado para o seu gosto, mas não é fácil passar de repente de "king maker" do PSD (lembram-se do tom paternal com que ele nos contava as suas conversas com o Pedro para explicar porque não tinha dado mais apoio a Santana Lopes?) para o estado de radioactivo.
Mesmo assim Cavaco Silva vai continuar a apoiá-lo, a menos que ele vá ao Palácio de Belém para confessar que é culpado, o que nos não parece muito provável. Afinal de contas a respeito de má moeda e de boa moeda, a situação (para mal dos nossos pecados) não é tão clara como parecia há alguns anos." O regresso do «Independente»
Ou, a propósito do mesmo tema, este admirável naco de prosa: "É isso que dá um imperdível odor a "déjà vu" ao caso BPN. A única diferença é que aqui a conta que vamos pagar por causa das ilicitudes está devidamente contabilizada e temos o caso extraordinário do crime ser cometido à vista de toda a gente: ao que parece o BPN funcionava sem reuniões do conselho de administração e sem actas. Um pormenor insignificante do qual o Banco de Portugal, apesar da aturada vigilância a que submetia o BPN, nunca deu conta. O conselho de administração havia: ainda que nos últimos anos (segundo as informações que obtivemos no sítio institucional do banco) estivesse muito reduzido. Actas, é que não. Um estilo de governação societária rodeado de cuidados conspirativos e aprendido na Palermo Business School. Um estilo que em Lisboa pode durar por tempo indefinido: ainda no ano passado o banco anunciava um lucro muito confortável, e como diziam os últimos auditores (que revelaram uma excelente adaptação à cultura peculiar da instituição) num relatório assinado em Abril de 2008, as suas demonstrações financeiras apresentavam de forma verdadeira e apropriada a posição financeira do BPN. Tudo isto é um pouco mais desconfortável para Cavaco Silva que as tais primeiras páginas de 'O Independente', mas o seu modo de reagir é mais ou menos o mesmo: não se pode dar demasiada atenção ao que se publica nos jornais, nada está provado, ainda ninguém foi condenado. Provavelmente o dr. Dias Loureiro anda demasiado agitado para o seu gosto, mas não é fácil passar de repente de "king maker" do PSD (lembram-se do tom paternal com que ele nos contava as suas conversas com o Pedro para explicar porque não tinha dado mais apoio a Santana Lopes?) para o estado de radioactivo.
Mesmo assim Cavaco Silva vai continuar a apoiá-lo, a menos que ele vá ao Palácio de Belém para confessar que é culpado, o que nos não parece muito provável. Afinal de contas a respeito de má moeda e de boa moeda, a situação (para mal dos nossos pecados) não é tão clara como parecia há alguns anos." O regresso do «Independente»
Ou ainda, porque este saco não tinha fundo: "PS, o PSD e o CDS são os partidos do poder: os que estão comprometidos com as derrapagens das obras públicas e falcatruas avulsas que se arrastam pelos tribunais. Ao Bloco de Esquerda cabe denunciar estes desmandos. Não é difícil. Francisco Louçã não tem que se esforçar muito para denunciar as tranquibérnias da república: basta servir de porta-voz ao Tribunal de Contas." O maus capitalismo
Saldanha Sanches morreu e será difícil encontrar quem diga tantas verdades tão obtusas e inconvenientes em tão pouco espaço. Hoje, um infinito conjunto de personagens duvidosos dormirá mais descansado. Mas quando alguém perguntar, em moldes retórico, como foi possível chegar a esta situação, haverá sempre alguém que poderemos citar e que viu o abismo a ser escavado muito antes de se deixar de ver o fundo. É preciso um desassombrado mau-feitio para escrever coisas tão preciosas.
4 comentários:
Por essas e por outras, chumbaram-lhe a agregação na Faculdade de Direito de Lisboa, num ajuste de contas que o formato medieval das bolas brancas e pretas permitia.
Tal como diz a Paula Godinho atrás, foi precisamente devido à sua verticalidade hoje rara que Saldanha Sanches não obteve o reconhecimento dos seus pares. Mas, em contrapartida, tem a admiração incontida daqueles que, como eu, apenas o conheciam pela coragem da sua pena na denúncia das maiores traficâncias, agora aumentada com um melhor conhecimento do seu passado de antifascista. Um homem de uma coragem exemplar.
Era autenticamente o «homem que sabia demais e não tinha medo de o dizer»...
A crónica de S. S. sobre C. C. pode ser lida aqui:
http://www.dei.isep.ipp.pt/~i990291/1.htm
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