31/05/10

A larga avenida da liberdade


 A manifestação de Sábado foi um sucesso para os seus organizadores e demonstrou o descontentamento acumulado em largas camadas da população. Pouco interessa se lá estavam 200 000 ou 300000, até porque num espaço destas características não cabe tanta gente, pelo que qualquer contabilidade teria que ter em conta a saída e a entrada num lado e outro da manifestação. O professos Stoleroff e a ex-sindicalista não estariam nunca em condições de o fazer, pelo que só a própria CGTP e a polícia poderiam avançar um cálculo. Em tempos os jornalistas organizavam-se em vários pontos do percurso para chegar a conclusões aproximativas. Agora põem uma setinha para a direita ao lado da fotografia do Carvalho da Silva. Mudam-se os tempos...
Isto dito, passo à concentração anticapitalista. Parece-me um pouco lamentável que um serviço de ordem não tenha chegado para conversar com quem apenas queria integrar um protesto com o qual minimamente se identificava. Estou certo que a concentração poderia ter simplesmente entrado na manifestação quando tivessem acabado de desfilar todos os sindicatos, sem incidentes ou problemas de qualquer tipo, do modo mais natural do mundo. Natural é aliás a palavra que me parece mais apropriada para definir a presença daquelas pessoas ali e a sua vontade de integrar um protesto colectivo, exprimindo os seus próprios pontos de vista.
Em vez disso, quem se concentrou em frente ao «DN» viu-se rodeado por um cordão de seguranças que poderão ter muitas qualidades, mas não a de estarem integrados na actividade sindical. Tratava-se de um grupo de pessoas que a custo se distinguia de polícias à paisana, que não estavam identificadas enquanto elementos do serviço de ordem da CGTP e recusaram qualquer diálogo com as pessoas que vigiaram durante 3 horas. O tipo de pessoa que se encontra habitualmente à porta de uma discoteca. 
E tudo isto em vão, uma vez que uma parte das pessoas que ali se encontrava decidiu efectivamente entrar e fê-lo, um pouco mais abaixo, não perdendo a oportunidade de insultar os seus interlocutores e esboçar um pequeno confronto. Tudo isto é certamente lamentável, mas previsível a partir do momento em que se resolve recorrer aos homens da segurança. Muita energia desperdiçada num combate em que ninguém tinha nada a ganhar. A não ser, evidentemente, os que ali foram ganhar um dia de trabalho enquanto outros se manifestavam.
A outra parte da concentração anticapitalista fez exactamente aquilo que se tinha proposto. Aguardou até ao fim, dialogou com os membros do serviço de ordem que ali ficaram e desceu a Av. da Liberdade sem incidentes, gritando as palavras de ordem que decidiu colectivamente. O ambiente era excelente. Vários manifestantes que regressavam aos autocarros apoiaram o que se gritava - com o destaque evidente para o apelo à realização de uma greve geral. A indignação era o sentimento mais evidente e, não por acaso, foi a palavra mais repetida por todos os observadores. As companhias eram, nalguns casos, as mais improváveis, mas assim mesmo se faz a luta. Posso dizer que as apreciei a todas.
Hoje, o Público resolveu chamar à capa Cristiano Ronaldo, para surpreender os seus leitores no dia a seguir a uma das maiores manifestações de sempre. O Nuno já disse quase tudo. Mas o descaramento é tão gritante que não há mesmo como evitar mencioná-lo. É esse o fado destes jornalistas: como demonstrar que é a realidade que se engana quando tudo parece apontar o contrário?

0 comentários: