01/09/10

Pronto, já está tudo mais claro

O João Rodrigues, na sequência de uma troca de pontos de vista com o Nuno e comigo, entrega-nos uma transparente definição: «O socialismo é aqui entendido como o esforço igualitário para descobrir os melhores arranjos que democratizem o Estado e as instituições da economia, a partir do robustecimento da sociedade civil, do que vamos sabendo sobre as possibilidades da acção colectiva.»
Quer isto dizer, simplesmente, que o Nuno tem toda a razão. E o João também. Falam é de conceitos distantes, que pouco mais partilham do que o nome.
O João não gosta de utopias e investe o seu pensamento na optimização de um processo que, através de arranjos cumulativos, democratize ao máximo a nossa vida social, económica e cívica. O Nuno tem por certo que «o caminho dessa alternativa passa mais pela construção de uma ideia da possibilidade de uma ruptura global do que de um conjunto de pequenas reformas ou “utopias possíveis”.» Um detecta «piadolas» onde o outro encontra um roteiro para viajar entre o «imaginável e o inimaginável».
Sem resposta fica o que me parece o mais premente ponto do Nuno: a urgência de evitar uma catástrofe ambiental que, aparentemente, não vai esperar pelos resultados de tantos esforços e arranjos. Infelizmente, também não se vislumbra gérmen capaz de originar a salvífica revolução que vai redimir a vida e poupar o mundo.
Mas talvez seja apenas depois desse cataclismo que poderemos por fim ver o que está para lá do horizonte de acontecimentos que agora nos cerceia a imaginação.

14 comentários:

pjv disse...

luis
lindíssima análise! adorei

Niet disse...

Luís Rainha: Cuidado ao entregar-se de olhos fechados à mitologia redentora do Estado. Como frisa Bakounine, " todo o Estado, mesmo o mais republicano e o mais democrático, mesmo o pseudo-popular imaginado por Marx, ,não é outra coisa, na sua essência, que o governo das massas populares de alto a baixo por uma minoria " savante " e por isso mesmo privilegiada, isto é, iludindo tentar compreender melhor os verdadeiros interesses do povo que o próprio povo ". De qualquer maneira, o texto é magnífico por ir polarizar o estado das opiniões da Blogosfera. Eu já lá coloquei o meu texto de campanha, como é evidente. trabalhando duas ou três belas ideias de Pannkoek, tão simplesmente. Bom vento ! Niet

Luis Rainha disse...

Por mim, até poderia concordar com a visão leninista do Estado como ferramenta de domínio na luta de classes. Não consigo imaginar muitas coisas boas a brotar e tal fonte, por muito que a "afinemos".

Niet disse...

L. Rainha: Lénine só foi " anarquista ", conforme indica Voline, até até 7/8 de Julho 1918. Depois deu início a um estonteante processo de controlo/repressão/perseguição e censura contra todos os que não " obedeciam " à estratégia do Partido Bolchevique, lançando assim as bases para o surgimento a prazo de Estaline e do seu Terrorismo de Estado.E Trotski judou também na repressão desarmando todos os Sovietes constituídos, um mês depois, a 11/12 Agosto. E não se esqueça que " até à Revolução de Outubro, e mesmo depois por um certo espaço de tempo,só os anarquistas se intitulavam comunistas e eram claramente anti-estatistas, conforme assegura Victor Serge. Niet

nuno serra disse...

Luís Rainha,
Julgo entender o paralelismo que procura estabelecer entre o que o João e o Nuno defendem, tornando claros os aspectos da divergência de respostas e programas a um ponto de partida comum. Sucede que há uma grande diferença, que esboroa esse paralelismo: no caso do Nuno eu não consigo vislumbrar o que se pretende no pós-ruptura global (e suponho que seja de esperar uma resposta a essa questão para que a proposta possa ser convincente). No caso do João, a trajectória de robustecimento da acção colectiva, através de arranjos cumulativos nos modos de organização democrática da economia e da sociedade tem uma sustentabilidade e consistência incomensuravelmente mais convincente. Ou não?

Nuno Ramos de Almeida disse...

Nuno Serra,
O que eu pretendo é aquilo que defende o BE no seu programa: o socialismo. Estás-me a dizer duas coisas contraditórias: ou que o socialismo é o capitalismo mais as reformas pontuais ou que o BE não sabe, tal como eu, o que é o socialismo. No caso de não defenderes, como o João Rodrigues, a primeira hipótese, chegas a conclusão do meu primeiro post: o BE deveria tentar discutir o que é o socialismo do ponto de vista económico e político.

nuno serra disse...

Nuno,
Boas questões. Eu também não sei o que é o socialismo. E concordo que essa é uma importante discussão a fazer.
Na ausência de uma proposta concreta de um modelo alternativo ao capitalismo (que almejo conhecer da parte daqueles que rejeitam prontamente reformismos e a sociais-democracias), não posso senão pensar que o caminho viável que temos em mãos, para uma maior justiça social e diluição das desigualdades, passa por uma sociedade crescentemente consciente e exigente, que se faz representar num Estado forte, com poder efectivo de regulação da economia capitalista e que garanta que os bens indissociáveis da dignidade humana e de padrões elevados de civilização estão fora da esfera do mercado. Por reformas, sim (porque também desconheço um método alternativo que me convença).
No dia em que se me apresentem modelos e caminhos alternativos (porque sei das dificuldades destes), abandono sem nenhum problema "este programa".

Justiniano disse...

Rainha, pelo que percebo, do que dizes e daquilo que lhes li, estarão ambos a desconversar-se mutuamente!!
Mas, como já tinha referido ao NRA, acho que o NRA desconversa mais que o João!! O João elaborou um convite à participação, lá pelas ideias do BE. O NRA atirou-se à coisa dizendo que o objecto não deveria ser aquele, e que não participaria! Até aqui tudo bem! Mas heis que o NRA acrescenta um putativo papel àquele partido e ao João!! O João respondeu que aquele desconversava e que, por aparente diletantismo, pretendia apenas empoeirar uma discussão com discussão nenhuma!!!
O NRA replicou, referindo que os seus propósitos são genuinamente rectos e que aqueloutro é um bocado redondo!! O João bolsou com o Zizek e arremessou, escudando-se na analítica como arremedo de seriedade, com o Erik Olin Wright!!
Pronto, está claro, creio eu!!

Niet disse...

Caro Justiniano: Acho que devia ter expressado mais a sua opinião própria no interior destes complexos e dinâmicos debates, se me permite esta formulação.Estão em jogo todo um conjunto de noções e conceitos de teoria e organização que implicam uma atenção muito especial para não cairmos nos parâmetros do revoltismo ou reformismo, que- e aqui é que está o ponto ómega- se podem apresentar como indefinidamente racionalizáveis, mas não são intrinsecamente racionais...Quer falemos da produção do comum em Negri/Hardt,no estatuto do acontecimento em Badiou ou Medhi Beljah Kacem ou na invenção do papel do Estado cara a Lefort, por exemplo. E, com todo o propósito, talvez não fosse dispiciendo abordar as teses magistrais de Castoriadis sobre o Círculo da Praxis: " Existe uma luta e uma contestação na sociedade;há uma interpretação e a elucidação dessa luta; e existe o objectivo e a vontade políticas do que elucida e interpreta. Cada um destes pontos remete para os outros, sendo os três absolutamente solidários( Digo bem elucidação, e não teoria: não existe teoria política em sentido restrito e, de todas as maneiras, a teoria não é senão um caso particular de elucidação)". E agora, com esta separação das águas onde a ética- contrariamente à marginalização imposta pelo bolchevismo e marxismo - assume um estatuto fundamental que, segundo Castoriadis, se postula de imediato por a eclosão externa/impessoal de um projecto revolucionário, ex nihilo,que tenta combater a crise por movimentos de contestação que perseguem a autonomia e a auto-instituição da sociedade. " O projecto revolucionário reside lá fora na história efectiva ", o que implica- aponta o autor de " A Sociedade à Deriva "- que " não existe nenhuma instituição-milagre, que toda a instituição só vale pelo que realizam as pessoas, mas existem todavia instituições anti-milagre, por exemplo, toda a forma política de representação fixa,rigida,estável,separada torna-se irresistivelmenteuma forma de alienação política, o poder passando dos representados para os representantes. " Que nos inclina para a condenação da ideia de homogeneização da sociedade- de facto o horizonte do pensamento de Marx( e esta ideia concretizou-se alterando-se no seu contrário no e pelo totalitarismo estaliniano). " para nós, não se trata de alcançar a homogeneiedade, nem de suprimir as diferenças ou as alteridades na sociedade. Visamos suprimir a hierarquia política, a divisão da sociedade como divisão do poder e do não-poder", que as ideias de auto-gestão e de Conselhos Operários acabaram por impôr na Hungria 56, em Maio 68 e na Rússia e satélites nos finais dos anos 80.
Referências sucintas a partir do texto de C.Castoriadis, Autogestão e Hierarquia, in " O Conteúdo do Socialismo", 10/18, 1980.Paris. Niet

Niet disse...

Caro Justiniano: Acho que devia ter expressado mais a sua opinião própria no interior destes complexos e dinâmicos debates, se me permite esta formulação.Estão em jogo todo um conjunto de noções e conceitos de teoria e organização que implicam uma atenção muito especial para não cairmos nos parâmetros do revoltismo ou reformismo, que- e aqui é que está o ponto ómega- se podem apresentar como indefinidamente racionalizáveis, mas não são intrinsecamente racionais...Quer falemos da produção do comum em Negri/Hardt,no estatuto do acontecimento em Badiou ou Medhi Beljah Kacem ou na invenção do papel do Estado cara a Lefort, por exemplo. E, com todo o propósito, talvez não fosse dispiciendo abordar as teses magistrais de Castoriadis sobre o Círculo da Praxis: " Existe uma luta e uma contestação na sociedade;há uma interpretação e a elucidação dessa luta; e existe o objectivo e a vontade políticas do que elucida e interpreta. Cada um destes pontos remete para os outros, sendo os três absolutamente solidários( Digo bem elucidação, e não teoria: não existe teoria política em sentido restrito e, de todas as maneiras, a teoria não é senão um caso particular de elucidação)". E agora, com esta separação das águas onde a ética- contrariamente à marginalização imposta pelo bolchevismo e marxismo - assume um estatuto fundamental que, segundo Castoriadis, se postula de imediato por a eclosão externa/impessoal de um projecto revolucionário, ex nihilo,que tenta combater a crise por movimentos de contestação que perseguem a autonomia e a auto-instituição da sociedade. " O projecto revolucionário reside lá fora na história efectiva ", o que implica- aponta o autor de " A Sociedade à Deriva "- que " não existe nenhuma instituição-milagre, que toda a instituição só vale pelo que realizam as pessoas, mas existem todavia instituições anti-milagre, por exemplo, toda a forma política de representação fixa,rigida,estável,separada torna-se irresistivelmenteuma forma de alienação política, o poder passando dos representados para os representantes. " Que nos inclina para a condenação da ideia de homogeneização da sociedade- de facto o horizonte do pensamento de Marx( e esta ideia concretizou-se alterando-se no seu contrário no e pelo totalitarismo estaliniano). " para nós, não se trata de alcançar a homogeneiedade, nem de suprimir as diferenças ou as alteridades na sociedade. Visamos suprimir a hierarquia política, a divisão da sociedade como divisão do poder e do não-poder", que as ideias de auto-gestão e de Conselhos Operários acabaram por impôr na Hungria 56, em Maio 68 e na Rússia e satélites nos finais dos anos 80.
Referências sucintas a partir do texto de C.Castoriadis, Autogestão e Hierarquia, in " O Conteúdo do Socialismo", 10/18, 1980.Paris. Niet

Niet disse...

Caro Justiniano: Acho que devia ter expressado mais a sua opinião própria no interior destes complexos e dinâmicos debates, se me permite esta formulação.Estão em jogo todo um conjunto de noções e conceitos de teoria e organização que implicam uma atenção muito especial para não cairmos nos parâmetros do revoltismo ou reformismo, que- e aqui é que está o ponto ómega- se podem apresentar como indefinidamente racionalizáveis, mas não são intrinsecamente racionais...Quer falemos da produção do comum em Negri/Hardt,no estatuto do acontecimento em Badiou ou Medhi Beljah Kacem ou na invenção do papel do Estado cara a Lefort, por exemplo. E, com todo o propósito, talvez não fosse dispiciendo abordar as teses magistrais de Castoriadis sobre o Círculo da Praxis: " Existe uma luta e uma contestação na sociedade;há uma interpretação e a elucidação dessa luta; e existe o objectivo e a vontade políticas do que elucida e interpreta. Cada um destes pontos remete para os outros, sendo os três absolutamente solidários( Digo bem elucidação, e não teoria: não existe teoria política em sentido restrito e, de todas as maneiras, a teoria não é senão um caso particular de elucidação)". E agora, com esta separação das águas onde a ética- contrariamente à marginalização imposta pelo bolchevismo e marxismo - assume um estatuto fundamental que, segundo Castoriadis, se postula de imediato por a eclosão externa/impessoal de um projecto revolucionário, ex nihilo,que tenta combater a crise por movimentos de contestação que perseguem a autonomia e a auto-instituição da sociedade. " O projecto revolucionário reside lá fora na história efectiva ", o que implica- aponta o autor de " A Sociedade à Deriva "- que " não existe nenhuma instituição-milagre, que toda a instituição só vale pelo que realizam as pessoas, mas existem todavia instituições anti-milagre, por exemplo, toda a forma política de representação fixa,rigida,estável,separada torna-se irresistivelmenteuma forma de alienação política, o poder passando dos representados para os representantes. " Que nos inclina para a condenação da ideia de homogeneização da sociedade- de facto o horizonte do pensamento de Marx( e esta ideia concretizou-se alterando-se no seu contrário no e pelo totalitarismo estaliniano). " para nós, não se trata de alcançar a homogeneiedade, nem de suprimir as diferenças ou as alteridades na sociedade. Visamos suprimir a hierarquia política, a divisão da sociedade como divisão do poder e do não-poder", que as ideias de auto-gestão e de Conselhos Operários acabaram por impôr na Hungria 56, em Maio 68 e na Rússia e satélites nos finais dos anos 80.
Referências sucintas a partir do texto de C.Castoriadis, Autogestão e Hierarquia, in " O Conteúdo do Socialismo", 10/18, 1980.Paris. Niet

Justiniano disse...

Meu caro Niet,
O meu comentário prendeu-se unicamente com a redundancia da questão e da discussão entre aqueles dois a que o Rainha alude!!
Na minha opinião a realidade (e a verdade) não se reduz ao espaço e tempo, não obstante ser evidente a influencia castradora do mundo empírico e do seu positivismo normativo, com o qual não podemos razoar! Mas sobra muito universo para além disso!
Mas bem faz referencia ao conceito de esclarecimento citando Castoriadis, porque, verdadeiramente, creio, haverá que elucidar, valoradamente, o objecto dessa acção!
Quando pretendem superar o "capitalismo" e o referem como epifenómeno economico-material do liberalismo, parece-me, pretenderão superar o liberalismo!! Mas será mesmo!? Mas tal não resulta esclarecido das suas proposições. Creio que naquela discussão, e noutras tantas, nenhum deles pretende abandonar o pragmatismo e muito menos abandonar o princípio liberal!! Quererão liberalismo sem liberalismo!? Que socialismo será esse!?
Bem, caro Niet, já se sabe, econtramo-nos todos, mesmo todos, juntos pela tal social democracia que todos desdenham mas ninguém quer, verdadeiramente, abandonar!!
Um bem haja para si!

Niet disse...

Caríssimo Justiniano: E agora sem ironia superlativa, q.b. nestes tempos de cólera, já reparou que a social democracia dura há muito mais tempo que as incarnações sustentadas pela teoria de Marx/Engels, Lénine,Trotski, Estaline e Mao? Salut! Niet

Justiniano disse...

Já, meu caro!! E assim vai continuar, esperemos!
Um bem haja,