29/12/10

A aposta Ehrlich-Simon

O "Ecotretas", a propósito da "aposta Ehrlich-Simon" (que foi na verdade a inspiração para a minha "aposta climática"), escreveu há tempos que "Paul Ehrlich cometeu um erro estratégico verdadeiramente estúpido: resolveu apostar no ambiente!".

Para quem não saiba, há uns 30 anos o ambientalista Paul Ehrlich apostou contra o economista Julian Simon que os preços de um conjunto de matérias-primas iria subir. Simon, que apostou que iriam baixar, venceu a aposta.

Mas isso foi "apostar no ambiente", como escreve o Ecotretas? Não. Independentemente das intenções dos protagonistas, o que isso foi foi uma aposta na economia, não no ambiente. A razão porque Ehrlich perdeu a aposta não foi por qualquer análise errada do funcionamento dos mecanismo naturais, foi porque o progresso tecnológico tende a fazer com que seja necessárias menos matérias primas para produzir uma dada unidade de produto, logo esse efeito tende a reduzir a procura de matérias-primas. Mais - se o preço de uma matéria-prima começar a subir, há um incentivo extra para desenvolver tecnologias que tornem essa matéria-prima desnecessária (ou, no mínimo, menos necessária), logo subidas dos preços de matérias-primas, como as previstas por Ehrlich, tendem a se compensar a longo prazo (preço alto > desenvolvimento de tecnologias alternativas > redução do preço).

Faz sentido fazer um paralelismo com isso e a questão do "efeito de estufa" e do "aquecimento global"? Não e sim.

Primeiro o "não" - porque é que (pelo menos no contexto da economia capitalista) são desenvolvidas tecnologias que reduzem o consumo de matérias-primas? Para cortar custos (exactamente por isso, quanto mais cara uma matéria-prima, maior o incentivo para procurar soluções alternativas). Mas a emissão de CO2 funcionava, até há pouco tempo, segundo as regras do "estádio superior do comunismo": não se pagava nenhum preço por isso, nem havia nenhuma regulamentação a limitar as emissões - logo não havia nenhum incentivo (fosse pelo "mercado" ou pelo "plano") para procurar reduzir as emissões.

Agora o "sim" - essa aposta é relevante para uma coisa: não para refutar os cenários "se não fazermos nada acerca do aquecimento global vai ser uma catástrofe" (como vimos no parágrafo anterior, a aposta Ehrlich-Simon é irrelevante para esse ponto), mas para refutar os cenários "se limitarmos as emissões de CO2 vai ser uma catástrofe"; porque são os que dizem que a redução das emissões vai ser "suicídio económico" que são, nesta questão, os herdeiros intelectuais de Ehrlich (imagino que contra a vontade do próprio...): o raciocínio é o mesmo - assumir uma relação linear entre a produção e o consumo de inputs (bem, "emissões de CO2" não são bem um input, mas na prática funcionam como tal) e portanto concluir que, se os inputs disponíveis são limitados, então há também um limite para produção possivel e vai haver uma catástrofe económica quando se atingir esse limite; pelo contrário, o mesmo mecanismo que levou a que os preços das matérias-primas não subissem (a descoberta e adopção de novas tecnologias que utilizam menos essas matérias-primas) também levará a que, a longo prazo, a redução das emissões de CO2 e outros gases de estufa possivelmente não terá qualquer efeito relevante sobre a economia (simplesmente irão ser inventadas e adoptadas tecnologias menos poluentes).

[Note-se que não estou a excluir categoricamente a hipótese de um colapso económico futuro motivado pela escassez de alguma matéria-prima; afinal, durante as últimas dezenas de milhares de anos essas crises de escassez de recursos foram a norma na Humanidade. No entanto, nos últimos dois séculos - ironicamente, desde o momento em que alguém teorizou sobre a inevitabilidade dessas crises - não têm praticamente existido no "mundo ocidental", logo é plausível que continuem a não existir]

1 comentários:

Fernando disse...

Bom, há aqui um factor relevante: ao contrário do que o Miguel escreve ("não se pagava nenhum preço por isso, nem havia nenhuma regulamentação a limitar as emissões") nem todos os países respeitarão o cenário de limitar as emissões de CO2 (basta ver Kyoto, Copenhaga e Cancun). Por isso, e sabendo que as tecnologias que emitem mais CO2 (quer para produzir energia, quer outros bens) são as mais baratas, os países que não aderirem às políticas verdes ficarão relativamente mais ricos (é o mesmo mecanismo natural activado pela globalização da economia que desmantela o Estado Social...)

Quando o Miguel escreve "catástrofe" deve interpretá-la em termos relativos a um cenário base (não pagar para poluir -> progresso mais "eficiente" do ponto de vista de alocação de recursos).

Seria catastrófico deixar de usar computadores ao preço de hoje por serem produzidos com um certo minério que só poderia ser substituído por outro 5 vezes mais caro, mas o mundo não ia acabar (de facto, o preço dos computadores iria subir em todo o mundo pelo que não haveria um diferencial entre os vários países, mas apenas uma minimização da eficiência global em relação ao cenário em que o tal minério fosse infinito...)