17/12/10

Um anedotário de medíocre banda desenhada


Finalmente, no terceiro texto de João Lopes, entramos na fase delirante. Tudo aqui funciona dentro de um esquema de generalizações abusivas e simplificações grosseiras. Não há um único exemplo do que  se considera ser o "anti-americanismo" (que é aqui primário como antes a noção de informação era puerilmente libertária), esse "ódio cego" que "todos os dias" reduz "200 anos da história de um país a um anedotário de medíocre banda desenhada", essa "inanidade argumentativa" que se recusa a reconhecer o contributo do "pensamento americano" (?) para a compreensão do que se passou no Iraque. E tudo indica que não há um único exemplo porque ele poderia comprometer o enredo deste guião.

João Lopes encontrou aqui irremediavelmente no seu momento Glenn Beck, ao  utilizar o  qualificativo de "anti-americano" para tudo aquilo que pura e simplesmente desmente, contradiz, fragiliza, contesta as suas posições. Ao fazê-lo, reproduz sem se dar conta o dispositivo argumentativo que nos trouxe até esta situação, que tornou possível a existência de Guantánamo, a invasão do Iraque e do Afeganistão, as mil e uma tropelias cometidas em nome da defesa da liberdade e do ocidente contra a ameaça fundamentalista islâmica. 

Ao evacuar do debate a argumentação e ao substituí-la pela desqualificação de quem discorda das suas posições, o campo conservador formado na sequência do 11 de Setembro procurou criar uma base social de apoio cegamente disponível para as mais irresponsáveis aventuras. Naquelas semanas turbulentas em que a história mundial se alterou brutalmente, colunistas como António Barreto, Pacheco Pereira ou José Manuel Fernandes acusaram incessantemente os cépticos de estarem acobardados, de relativizarem ou de colaborarem objectivamente com o terrorismo.  "Venha a cavalaria!", escreveu então Barreto no Público, enquanto prometia ficar atento a todos os que hesitassem perante o apelo à cruzada.

Foi esse campo, munido dessa estratégia argumentativa, quem resumiu a América aos discursos de Bush, aos planos geoestratégicos dos neo-conservadores e ao clamor de vingança dos cristãos evangélicos. Mas tudo isso se sumiu no texto de João Lopes, que preferiu ocupar-se da "ideologia libertária" que paira sobre os cidadãos ingénuos, como se todos os acontecimentos que se sucederam na última década tivessem ocorrido há séculos e ninguém fosse capaz de os relembrar. Só que, helas, esta história ainda está a correr e este tempo ainda é o nosso.

A festa ainda agora começou e há boas razões para festejar quando os horrores da guerra ou da tortura abandonam o terreno da história natural para assumir proporções humanas. Ao ficar absolutamente claro que nada disto foi uma catástrofe inevitável, mas o resultado de estratégias, interesses, motivações e escolhas de pessoas concretas, tornar-se-à talvez um pouco mais difícil no futuro a ambição de redesenhar as fronteiras do mapa mundo a tiros de canhão. É bem possível que o planeta seja agora um sítio um pouco menos perigoso.

1 comentários:

Anónimo disse...

Três textos bem esgalhados.

João Lopes deveria antes dissertar sobre o facto de os EUA financiarem o PKK, assim como terem criado (ou pelo menos ampliado) aquilo que se veio a tornar na presente ameaça de catástrofe global: o fundamentalismo islâmico, isto é, o Outro que era necessário depois da implosão da já caduca URSS.

João Lopes pode não concordar com os meios (que não se resumem a Assange, mas a bufos internos ao Sistema) que nos trazem essa informação a lume mas, agora, que eles são dados adquiridos e, ao contrário das festas selvagens de berlusconi e das descrições de putin, não podem ser considerados privados sob nenhuma perspectiva, devem ser debatidos e dissecados, numa óptica nem pró nem anti-americana.