Tiro ao lado, como é evidente. O Vicente J. Silva está em grande forma. Andou uns anitos um pouco despistado, mas hoje recuperou imenso. O que é muito agradável de ver e ler.É um " afrancesado "- como o Mega Ferreira ou mesmo o Pinto Coelho o são ou foram. Mas como só iam a Paris de " raspão", os factos políticos e teóricos profundos ficam fora do seu ângulo de visão e reflexão. E depois o jornalismo é mesmo só pó... V.J.Silva foi o grande orquestrador do Expresso-anos 80 e depois do fabuloso- único na Europa- processo de formulação do Público.Claro, ele cometeu erros " depravados " contra o Júlio Henriques, o João Martins Pereira...Os seus modelos, veros e puros, já se afundaram em Paris: o Serge July(Libération, fase II), o Julliard( acaba de se unir a J-F. ahn na Marianne) e mais uns quantos que fundaram o Politique-Hebdo ou mesmo o Le Point. Niet
é mentira? liberdade por acaso é sinónimo de segurança? quando uma pessoa se demite do trabalho para começar a própria empresa não entra numa situação precária? Quando uma pessoa sai de casa dos pais quando ainda não tem trabalho fixo não entra numa situação precária? quando se muda de emprego, de cidade, de família, não se entra em situações precárias e instáveis?
Pelo contrário a ausência de precariedade implica muitas vezes a ausência de liberdade.
Os escravos não tinham precariedade nenhuma. Tinham trabalho para a vida...
Então e quando uma pessoa tem um contrato de três meses e desempenha uma função permanente está a ser imensamente mais livre do que uma pessoa com um contrato sem termo que desempenha uma função permanente? Niet, calculo que você próprio esteja numa forma tão boa como Vicente Jorge Silva. Depois da "geração rasca" este "não há liberdade sem precariedade". É caso para dizer que cada escavadela uma minhoca.
Ricardo Noronha: Dizer mal é muito fácil, como sabe. O V.J.Silva abandonou o PS, saiu pelo seu pé do Público e fez duas ou três coisas muito boas na sua vida: ajudou com os meios que conseguiu arrasar com a supremacia estalinista na Cultura e no domínio do próprio Jornalismo diário, consagrou Eduardo Prado Coelho como filósofo e crítico literário único e bateu-se sempre pela diferença e a Redenção- no sentido de Adorno. Aliàs, o clichè da entrevista é pouco explicito e audível. Niet
Dizer mal é muito fácil quando do outro lado está uma pessoa que não pensa duas vezes naquilo que está a dizer. Para sua informação conheço bem o trabalho jornalístico de VJS. Simplesmente, ele já viu dias bem melhores. Se as palavras ao menos conseguissem exprimir o quão irrelevantes me parecem ser os méritos que você lhe atribui...
R.Noronha: Eu frisei as limitações objectivas- a vários niveis...- que condicionaram o trabalho jornalistico do V.J. Silva.E adiantei duas ou três coisas muito positivas que realizou.Não se exprimiu sobre isso, aponto. Actualmente, leio pouco os seus( dele VJS) artigos publicados em " O Sol", mas sei, que rectificou muito daquela retórica inadmissivel em que tinha navegado nos últimos anos...Geralmente, penso a escrever o que depois pretendo dizer: tudo isso constitui um tratado de hermenêutica onde a dialéctica só funciona negativamente, ao contrário do que a doxa comum nos quer impingir na coincidência perversa do pensar e do materializar...Isso são outros planos da Revolução, no entanto! Niet
Ricardo Noronha, peço desculpa mas não percebi. Que é uma função permanente? Pode dar um exemplo?
Uma pessoa sem contrato será mais livre que uma pessoa com contrato. Porque perante um contrato existe um compromisso e a quebra dele implica a cedência de uma parte em relação à outra. Agora a existência de um contrato pode dar um conforto maior, mais segurança, mais dinheiro ou mais estabilidade, mais possibilidades. Mas não dá mais liberdade.
O contrato de trabalho de duração indeterminada clássico permitia, pelo menos, como nota Robert Castel, a liberdade de fazer planos e projectos de longo prazo. Acresce que, com maior ou menor penalização financeira, podia ser interrompido pelo assalariado. É verdade que as garantias e estatutos que o "Estado Social" associava ao CDI e, por extensão, em muitos casos, à grande maioria da população, não faziam com que a esfera do trabalho deixasse de ser uma esfera de heteronomia e não-liberdade, cuja contrapartida eram as "indemnizações" negociadas pelos sistemas de contratação colectiva. Foi esta dimensão que as reivindicasções qualitativas, de inspiração mais ou menos "autiogestionária" e de "democratização do trabalho e da empresa" tomaram por alvo. Mas não com a tenacidade e a clareza de objectivos suficientes. Resta, no entanto, que o mundo do desemprego e da precariedade continuam submetidos, pela negativa ou a via da privação, à esfera do trabalho característica da economia política capitalista e hierárquica, à esfera do trabalho que lhe é inerente e consubstancial. A necessidade do rendimento e a de o assegurar através do trabalho (na grande maioria dos casos) tornam a não-liberdade do precário ou do assalariado sem garantias de segurança, sem protecções sociais, um caso agravado da subordinação hierárquica à necessidade económica.
não sei bem o ponto que defendeu, se é que defendeu algum. Se defende um mundo sem heteronomias e hierarquias ou um mundo com mais protecção para os assalariados.
Mas a linha de fundo que parece subjacente no seu discurso, é uma espécie de liberdade materialista, em que o rico tem mais liberdade que o pobre, porque este por razões económicas terá que se sujeitar a uma espécie de hierarquia e terá em consequencia uma visão do futuro mais curta. Ponto de vista com o qual não concordo. Entendo a liberdade como a acção voluntária do individuo e aquela que deve ser válida em termos políticos. Um acto de submissão tanto pode ser voluntário como coercivo e é essa a questão. Interpretar todos os actos de submissão como perda de liberdade não me parece correcto. (Tal como está presente na famosa canção dos Deolinda.) Do mesmo modo, encarar a segurança e a protecção na vida como um direito adquirido não me parece correcto.
não é preciso ser um materialista vulgar, para se reconhecer aristotelicamente que primum vivere deinde philosophari Outra linha de argumentação: suponho que o direito de formar uma família, ter filhos, etc., não seja considerado por si uma liberdade licenciosa. Mas é, sem dúvida, uma pequena liberdade mais garantida pela "segurança de emprego" do que pelos contratos neo-vitorianos da precariedade. Finalmente, posso concordar consigo em que uma definição forte de liberdade vai para além da permissividade: a liberdade seria assim a de nos darmos, reflectida e responsavelmente, as leis humanas por que nos governamos. A liberdade como responsabilidade de nos conduzirmos e governarmos. Muito bem. Mas levanta-se aqui a exigência democrática de universalização dessa liberdade: a liberdade responsável não pode ser só de alguns, mas terá de ser de todos por igual, para não se converter em privilégio e não se tornar instrumento de opressão. E sucede, portanto, que a liberdade-responsabilidade por oposição à liberdade-permissividade implica a igualdade, um grau substantivo de igualdade entre os que responsavelmente se governam e ajuízam das suas responsabilidades e das dos seus companheiros de humanidade. Como já terá visto, esta consideração obriga-nos a nem sequer nos darmos satisfeitos com a relativa redução das desigualdades promovida pelo "Estado Social", embora tenhamos de reconhecer que o agravamento das desigualdades de poder (de poder económico e de poder de decidir pelos outros, de decidir o que os outros terão de suportar) resultante da sua destruição neoliberal é inseparável de uma redução da liberdade-responsabilidade que, creio, é a que lhe interessa.
1- tem razão, não considero formar família como um direito. Uma pessoa não pode reclamar por ninguém ter tido vontade de procriar com ele/a. Por outro lado, ter familia não é ter mais "uma pequena liberdade". Se não, a poligamia seria mais livre que a monogamia. (exagerando)
2- Por a segurança no emprego permitir a formação da família que acrescenta? Que deve ser necessária a sua imposição?
3- a imposição de segurança no emprego, a partir de certos princípios e certas leis, causa necessariamente segurança no emprego? A inexistência de imposições é necessariamente insegurança no emprego? Estando incluídos nesta equação aqueles que procuram emprego.
4- a intenção de redução de desigualdades pelo Estado resulta em redução de desigualdades?
5- o Estado Social, aliado a um corporativismo (não sei o significado da palavra neo liberal...) são inseparáveis de uma redução da liberdade-responsabilidade. é isso que me preocupa...
1. se formar família não é um direito, porque exige a intervenção de mais do que uma parte, o mesmo se pode dizer de toda a esfera contratual. O seu argumento é excessivo. 2. A questão da poligamia escapa-me. Quer dizer, não compreendo o seu argumento. 3. O problema de garantir colectivamente os meios que permitem a cada um satisfazer a exigência que lhe é imposta de ganhar a vida através do trabalho assalariado não é mais do que uma afirmação (insuficiente) da necessidade de suportes (como lhes chama Castel) que permitam aos indivíduos alguma liberdade efectiva na orientação da sua vida. 4. A participação na actividade económica é uma imposição universal nas sociedades em que vivemos. Deve, pois, ser democraticamente investida e regulada pelo exercício democratizado e universalizado do poder político pelo conjunto dos cidadãos. Isto, claro, na perspectiva de instaurarmos e propmovermos as condições da liberdade responsável de todos e cada um. 5. Já deixei claros os limites do "igualitarismo" do "Estado Social". No entanto, parece-me um facto incontestável que o desmantelamento da sua ordem tem conduzido a um crescimento incontrolado das desigualdades. (Ver, a este propósito, um post que aqui publiquei há meses: "Economia, Ética e Política" - http://viasfacto.blogspot.com/2010/04/economia-etica-e-politica.html -).
1- Não é excessivo, apenas não falacioso. eu tenho o direito de reclamar se for roubado, agredido, se me controlarem a liberdade de expressão, se me proibirem de fazer o que bem entendo com o meu corpo, etc. Mas não tenho o direito de reclamar de contratos que envolvam outras pessoas. Isso como qualquer contrato deve ser voluntário e não imposto. 2-não foi feliz a minha comparação. o objectivo era demonstrar que ter mais possibilidades não é em si ter mais liberdade.
já deve ter reparado que temos pontos de vista diferentes. Eu parto dos direitos individuais de propriedade como base para uma sociedade livre, enquanto você parte de uma perspectiva colectivista - através do poder da maioria deve-se assegurar o mínimo de condições para toda a gente, de modo a poderem desfrutar das liberdades da vida.
im, temos pontos de vista diferentes. Mas, uma vez que os direitos de propriedade do indivíduo não são realidades naturais, mas resultam de todo um conjunto de leis e práticas institucionais historicamente formadas, V. é tão "colectivista" como eu. De facto, não me passa pela cabeça opor indivíduo e sociedade: é evidente que não há sociedade "livre" sem indivíduos livres, nem liberdade igual para todos os indivíduos que não seja garantida socialmente. O problema que deveríamos discutir é que condições promovem ou garantem melhor a autonomia individual, em que ambos estamos interessados (suponho). E, então, como já disse, eu sustentaria que a melhor (absoluta, não há) garantia da liberdade individual reside na atribuição ao indivíduo da condição de cidadão que participa, a partir da idade adulta e em pé de igualdade, na produção das leis e decisões que o vinculam. Ou seja, que participa no exercício do poder que o governa, tendo em vista que esse poder potencie e não coarte a sua liberdade e os seus direitos. Depois, tudo o resto, vem por acréscimo…
deixe-me discordar de si na primeira parte. Os direitos de propriedade são naturais. Não foi necessário estabelecer nenhuma lei ou nenhuma instituição para que existissem. O Homem desde o inicio que possui ferramentas e casa, para além do seu próprio corpo. Isso é anterior à formação de qualquer estado. Posteriores leis vieram legitimar e proteger esta evidência.
o direito e os direitos começam onde a natureza acaba ou não é suficiente. Repare, a propósito do caso que cita, os direitos de propriedade, na existência histórica de um fenómeno tão difundido como a escravatura. Para não falarmos nas restrições aos usos legítimos do próprio corpo, à liberdade de movimentos, à apropriação individual ou por certos grupos de determinados bens naturalmente acessíveis, etc., etc. Repare também, por favor, que isto não é um argumento contra a desejabilidade dos direitos de propriedade - apenas uma prova de que estes são sempre institucionalmente produzidos e ordenados.
Do mesmo modo, dizer que os mercados não existem na natureza, e são criados através de disposições institucionais historicamente variáveis, não é desconhecer que um mercado tem o seu lugar numa sociedade livre e de iguais. Do meu ponto de vista, isto implica que a democratização do mercado, através de uma política de rendimentos adequada, baseada na transposição modulada da lógica que nas assembleias que concede um voto a cada participante, seja uma das condições da extensão da autonomia. Mas suspeito que aqui voltamos a não concordar.
Ora, disse a Morsa ao Carpinteiro vamos ter muito que falar: de botas, e lacre, e veleiros, de reis, e couves da casa, de saber porque ferve o mar, ou se há porcos com asas.
Lewis Carroll
Alice do outro lado do espelho, cap. IV
16 comentários:
Tiro ao lado, como é evidente. O Vicente J. Silva está em grande forma. Andou uns anitos um pouco despistado, mas hoje recuperou imenso. O que é muito agradável de ver e ler.É um " afrancesado "- como o Mega Ferreira ou mesmo o Pinto Coelho o são ou foram. Mas como só iam a Paris de " raspão", os factos políticos e teóricos profundos ficam fora do seu ângulo de visão e reflexão. E depois o jornalismo é mesmo só pó... V.J.Silva foi o grande orquestrador do Expresso-anos 80 e depois do fabuloso- único na Europa- processo de formulação do Público.Claro, ele cometeu erros " depravados " contra o Júlio Henriques, o João Martins Pereira...Os seus modelos, veros e puros, já se afundaram em Paris: o Serge July(Libération, fase II), o Julliard( acaba de se unir a J-F. ahn na Marianne) e mais uns quantos que fundaram o Politique-Hebdo ou mesmo o Le Point. Niet
é mentira? liberdade por acaso é sinónimo de segurança? quando uma pessoa se demite do trabalho para começar a própria empresa não entra numa situação precária? Quando uma pessoa sai de casa dos pais quando ainda não tem trabalho fixo não entra numa situação precária? quando se muda de emprego, de cidade, de família, não se entra em situações precárias e instáveis?
Pelo contrário a ausência de precariedade implica muitas vezes a ausência de liberdade.
Os escravos não tinham precariedade nenhuma. Tinham trabalho para a vida...
Então e quando uma pessoa tem um contrato de três meses e desempenha uma função permanente está a ser imensamente mais livre do que uma pessoa com um contrato sem termo que desempenha uma função permanente?
Niet, calculo que você próprio esteja numa forma tão boa como Vicente Jorge Silva. Depois da "geração rasca" este "não há liberdade sem precariedade". É caso para dizer que cada escavadela uma minhoca.
Ricardo Noronha: Dizer mal é muito fácil, como sabe. O V.J.Silva abandonou o PS, saiu pelo seu pé do Público e fez duas ou três coisas muito boas na sua vida: ajudou com os meios que conseguiu arrasar com a supremacia estalinista na Cultura e no domínio do próprio Jornalismo diário, consagrou Eduardo Prado Coelho como filósofo e crítico literário único e bateu-se sempre pela diferença e a Redenção- no sentido de Adorno. Aliàs, o clichè da entrevista é pouco explicito e audível. Niet
Dizer mal é muito fácil quando do outro lado está uma pessoa que não pensa duas vezes naquilo que está a dizer.
Para sua informação conheço bem o trabalho jornalístico de VJS. Simplesmente, ele já viu dias bem melhores.
Se as palavras ao menos conseguissem exprimir o quão irrelevantes me parecem ser os méritos que você lhe atribui...
R.Noronha: Eu frisei as limitações objectivas- a vários niveis...- que condicionaram o trabalho jornalistico do V.J. Silva.E adiantei duas ou três coisas muito positivas que realizou.Não se exprimiu sobre isso, aponto. Actualmente, leio pouco os seus( dele VJS) artigos publicados em " O Sol", mas sei, que rectificou muito daquela retórica inadmissivel em que tinha navegado nos últimos anos...Geralmente, penso a escrever o que depois pretendo dizer: tudo isso constitui um tratado de hermenêutica onde a dialéctica só funciona negativamente, ao contrário do que a doxa comum nos quer impingir na coincidência perversa do pensar e do materializar...Isso são outros planos da Revolução, no entanto! Niet
Ricardo Noronha, peço desculpa mas não percebi. Que é uma função permanente? Pode dar um exemplo?
Uma pessoa sem contrato será mais livre que uma pessoa com contrato. Porque perante um contrato existe um compromisso e a quebra dele implica a cedência de uma parte em relação à outra. Agora a existência de um contrato pode dar um conforto maior, mais segurança, mais dinheiro ou mais estabilidade, mais possibilidades. Mas não dá mais liberdade.
Anónimo das 21 e 19
O contrato de trabalho de duração indeterminada clássico permitia, pelo menos, como nota Robert Castel, a liberdade de fazer planos e projectos de longo prazo. Acresce que, com maior ou menor penalização financeira, podia ser interrompido pelo assalariado.
É verdade que as garantias e estatutos que o "Estado Social" associava ao CDI e, por extensão, em muitos casos, à grande maioria da população, não faziam com que a esfera do trabalho deixasse de ser uma esfera de heteronomia e não-liberdade, cuja contrapartida eram as "indemnizações" negociadas pelos sistemas de contratação colectiva. Foi esta dimensão que as reivindicasções qualitativas, de inspiração mais ou menos "autiogestionária" e de "democratização do trabalho e da empresa" tomaram por alvo. Mas não com a tenacidade e a clareza de objectivos suficientes.
Resta, no entanto, que o mundo do desemprego e da precariedade continuam submetidos, pela negativa ou a via da privação, à esfera do trabalho característica da economia política capitalista e hierárquica, à esfera do trabalho que lhe é inerente e consubstancial.
A necessidade do rendimento e a de o assegurar através do trabalho (na grande maioria dos casos) tornam a não-liberdade do precário ou do assalariado sem garantias de segurança, sem protecções sociais, um caso agravado da subordinação hierárquica à necessidade económica.
msp
MSP,
não sei bem o ponto que defendeu, se é que defendeu algum. Se defende um mundo sem heteronomias e hierarquias ou um mundo com mais protecção para os assalariados.
Mas a linha de fundo que parece subjacente no seu discurso, é uma espécie de liberdade materialista, em que o rico tem mais liberdade que o pobre, porque este por razões económicas terá que se sujeitar a uma espécie de hierarquia e terá em consequencia uma visão do futuro mais curta. Ponto de vista com o qual não concordo. Entendo a liberdade como a acção voluntária do individuo e aquela que deve ser válida em termos políticos. Um acto de submissão tanto pode ser voluntário como coercivo e é essa a questão.
Interpretar todos os actos de submissão como perda de liberdade não me parece correcto. (Tal como está presente na famosa canção dos Deolinda.)
Do mesmo modo, encarar a segurança e a protecção na vida como um direito adquirido não me parece correcto.
Anónimo,
não é preciso ser um materialista vulgar, para se reconhecer aristotelicamente que primum vivere deinde philosophari
Outra linha de argumentação: suponho que o direito de formar uma família, ter filhos, etc., não seja considerado por si uma liberdade licenciosa. Mas é, sem dúvida, uma pequena liberdade mais garantida pela "segurança de emprego" do que pelos contratos neo-vitorianos da precariedade.
Finalmente, posso concordar consigo em que uma definição forte de liberdade vai para além da permissividade: a liberdade seria assim a de nos darmos, reflectida e responsavelmente, as leis humanas por que nos governamos. A liberdade como responsabilidade de nos conduzirmos e governarmos. Muito bem. Mas levanta-se aqui a exigência democrática de universalização dessa liberdade: a liberdade responsável não pode ser só de alguns, mas terá de ser de todos por igual, para não se converter em privilégio e não se tornar instrumento de opressão. E sucede, portanto, que a liberdade-responsabilidade por oposição à liberdade-permissividade implica a igualdade, um grau substantivo de igualdade entre os que responsavelmente se governam e ajuízam das suas responsabilidades e das dos seus companheiros de humanidade.
Como já terá visto, esta consideração obriga-nos a nem sequer nos darmos satisfeitos com a relativa redução das desigualdades promovida pelo "Estado Social", embora tenhamos de reconhecer que o agravamento das desigualdades de poder (de poder económico e de poder de decidir pelos outros, de decidir o que os outros terão de suportar) resultante da sua destruição neoliberal é inseparável de uma redução da liberdade-responsabilidade que, creio, é a que lhe interessa.
msp
1- tem razão, não considero formar família como um direito. Uma pessoa não pode reclamar por ninguém ter tido vontade de procriar com ele/a.
Por outro lado, ter familia não é ter mais "uma pequena liberdade". Se não, a poligamia seria mais livre que a monogamia. (exagerando)
2- Por a segurança no emprego permitir a formação da família que acrescenta? Que deve ser necessária a sua imposição?
3- a imposição de segurança no emprego, a partir de certos princípios e certas leis, causa necessariamente segurança no emprego? A inexistência de imposições é necessariamente insegurança no emprego? Estando incluídos nesta equação aqueles que procuram emprego.
4- a intenção de redução de desigualdades pelo Estado resulta em redução de desigualdades?
5- o Estado Social, aliado a um corporativismo (não sei o significado da palavra neo liberal...) são inseparáveis de uma redução da liberdade-responsabilidade. é isso que me preocupa...
Anónimo,
1. se formar família não é um direito, porque exige a intervenção de mais do que uma parte, o mesmo se pode dizer de toda a esfera contratual. O seu argumento é excessivo.
2. A questão da poligamia escapa-me. Quer dizer, não compreendo o seu argumento.
3. O problema de garantir colectivamente os meios que permitem a cada um satisfazer a exigência que lhe é imposta de ganhar a vida através do trabalho assalariado não é mais do que uma afirmação (insuficiente) da necessidade de suportes (como lhes chama Castel) que permitam aos indivíduos alguma liberdade efectiva na orientação da sua vida.
4. A participação na actividade económica é uma imposição universal nas sociedades em que vivemos. Deve, pois, ser democraticamente investida e regulada pelo exercício democratizado e universalizado do poder político pelo conjunto dos cidadãos. Isto, claro, na perspectiva de instaurarmos e propmovermos as condições da liberdade responsável de todos e cada um.
5. Já deixei claros os limites do "igualitarismo" do "Estado Social". No entanto, parece-me um facto incontestável que o desmantelamento da sua ordem tem conduzido a um crescimento incontrolado das desigualdades. (Ver, a este propósito, um post que aqui publiquei há meses: "Economia, Ética e Política" - http://viasfacto.blogspot.com/2010/04/economia-etica-e-politica.html -).
Saudações republicanas
msp
1- Não é excessivo, apenas não falacioso. eu tenho o direito de reclamar se for roubado, agredido, se me controlarem a liberdade de expressão, se me proibirem de fazer o que bem entendo com o meu corpo, etc. Mas não tenho o direito de reclamar de contratos que envolvam outras pessoas. Isso como qualquer contrato deve ser voluntário e não imposto.
2-não foi feliz a minha comparação. o objectivo era demonstrar que ter mais possibilidades não é em si ter mais liberdade.
já deve ter reparado que temos pontos de vista diferentes. Eu parto dos direitos individuais de propriedade como base para uma sociedade livre, enquanto você parte de uma perspectiva colectivista - através do poder da maioria deve-se assegurar o mínimo de condições para toda a gente, de modo a poderem desfrutar das liberdades da vida.
Anónimo das 17 02
im, temos pontos de vista diferentes.
Mas, uma vez que os direitos de propriedade do indivíduo não são realidades naturais, mas resultam de todo um conjunto de leis e práticas institucionais historicamente formadas, V. é tão "colectivista" como eu.
De facto, não me passa pela cabeça opor indivíduo e sociedade: é evidente que não há sociedade "livre" sem indivíduos livres, nem liberdade igual para todos os indivíduos que não seja garantida socialmente.
O problema que deveríamos discutir é que condições promovem ou garantem melhor a autonomia individual, em que ambos estamos interessados (suponho). E, então, como já disse, eu sustentaria que a melhor (absoluta, não há) garantia da liberdade individual reside na atribuição ao indivíduo da condição de cidadão que participa, a partir da idade adulta e em pé de igualdade, na produção das leis e decisões que o vinculam. Ou seja, que participa no exercício do poder que o governa, tendo em vista que esse poder potencie e não coarte a sua liberdade e os seus direitos. Depois, tudo o resto, vem por acréscimo…
msp
MSP,
deixe-me discordar de si na primeira parte. Os direitos de propriedade são naturais. Não foi necessário estabelecer nenhuma lei ou nenhuma instituição para que existissem. O Homem desde o inicio que possui ferramentas e casa, para além do seu próprio corpo. Isso é anterior à formação de qualquer estado. Posteriores leis vieram legitimar e proteger esta evidência.
De resto estou de acordo consigo.
Cumprimentos
Anónimo das 22 h 31
o direito e os direitos começam onde a natureza acaba ou não é suficiente.
Repare, a propósito do caso que cita, os direitos de propriedade, na existência histórica de um fenómeno tão difundido como a escravatura. Para não falarmos nas restrições aos usos legítimos do próprio corpo, à liberdade de movimentos, à apropriação individual ou por certos grupos de determinados bens naturalmente acessíveis, etc., etc.
Repare também, por favor, que isto não é um argumento contra a desejabilidade dos direitos de propriedade - apenas uma prova de que estes são sempre institucionalmente produzidos e ordenados.
Do mesmo modo, dizer que os mercados não existem na natureza, e são criados através de disposições institucionais historicamente variáveis, não é desconhecer que um mercado tem o seu lugar numa sociedade livre e de iguais. Do meu ponto de vista, isto implica que a democratização do mercado, através de uma política de rendimentos adequada, baseada na transposição modulada da lógica que nas assembleias que concede um voto a cada participante, seja uma das condições da extensão da autonomia.
Mas suspeito que aqui voltamos a não concordar.
Saudações democráticas
msp
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