23/01/13

Do direito(s) dos iguais à política da paisagem

O post do camarada Miguel Madeira aqui publicado há dias foi ocasião para mim de algumas reflexões preliminares, que talvez possam contribuir para redefinir o debate em torno, não tanto do "animalismo", que me parece dialogicamente pouco prometedor, como da "questão ecológica". Trata-se, muito esquematicamente, do seguinte.


Só a igualdade - mormente no exercício do poder e no governo colectivo - garante e institui direitos iguais (entre os que se instituem como iguais). Os restantes direitos, são-no de condições ou espécies protegidas, e a atribuição que desses direitos seja feita aos não-iguais confirma a sua situação de menoridade temporária (crianças) ou inferioridade persistente (animais ou grupos segregados e submetidos a um governo de cujo exercício são excluídos).

A primeira tarefa da democratização, em matéria de direitos e do direito, é pois assegurar a igualdade dos cidadãos no exercício (deliberações, decisões, etc.) do poder que os institui como sujeitos e objectos de direito(s).

Tal não significa que, sendo-nos interna, carne da nossa carne, a paisagem do que nos rodeia, seja indiferente o modo como nos relacionamos com o que nela antecede a sociedade e a história ou resta aquém e além delas e que decerto seria catastrófico para nós tratarmos indiscriminada e globalmente em termos não mais do que utilitários ou instrumentais.

Com efeito, recordando uma intuição de Merleau-Ponty, poderíamos dizer que a paisagem acima referida não é sujeito nem objecto, mas o seu tecido conjuntivo, no qual somos, os humanos, um acontecimento ou criação singular, e do qual somos parte - e ser parte significa aqui recriar activamente, saibamo-lo ou não, aquilo em que participamos.

Enfim, tudo isto nos levaria muito longe, mas creio que é a partir do que deixo enunciado como ponto prévio que uma sociedade democrática discutiria o problema, ou que devem discuti-lo os que estão apostados na democratização dos direitos e do direito enquanto instituição social-histórica incontornável.

4 comentários:

Anónimo disse...

"Só a igualdade (...) garante e institui direitos iguais (entre os que se instituem como iguais)."
a questão continua a ser: quem são os "iguais" e quem são os "não-iguais"? quais são os critérios e como se comprovam na prática?
"iguais" são-no em termos de família? tribo? nacionalidade? classe? raça? espécie? há respostas para todos os gostos, mas numa perspectiva humanista [convinha definir 'humanista'..] e ambientalmente consciente (e coerente), quem são os "iguais"?

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo,
se lesse com atenção, teria a resposta (a minha) à sua pergunta. Trata-se da igualdade no exercício do poder e do governo colectivo. Igualdade política e democrática. Igualdade de poder (não confundir com dominação, diga-se de passagem) e de responsabilidades. Esta exige capacidades linguísticas e reflexivas que, até ver, parecem ser exclusivas da espécie humana. Mas, atenção, esta igualdade não é natural, não decorre automaticamente da "natureza humana", e os direitos que institui e garante não são "naturais" (de resto, o que releva do direito, democrático ou não, nunca é natural, e o que é natural é anterior ao direito).

Espero tê-lo, senão convencido, pelo menos esclarecido.

Saudações democráticas (que naturais também não as há)

msp

Anónimo disse...

estou esclarecido e convencido.

Miguel Serras Pereira disse...


É muito lisonjeiro para mim que assim seja. Obrigado pelo seu comentário.

Saudações cordiais

msp