05/01/13

Algumas notas muito breves sobre o sistema financeiro – I

Um comentador (Rui Santos) colocou no meu último post uma interpelação importante a propósito do que chamou de “semelhança estrutural” entre a forma como várias correntes perspectivam a fracção ou sector do capital financeiro no conjunto da economia capitalista.

Rui Santos defende no seu comentário que não é possível (ou seria muito difícil) defender uma semelhança estrutural entre a posição que correntes nacionalistas à esquerda têm apresentado sobre o capital financeiro e a posição que as correntes mais à direita apresentam sobre o mesmo assunto. Neste assunto em específico os extremos do campo político tocam-se não porque o ditado assim o diz (até porque ditado nenhum garante seja o que for), mas porque partilham fundamentos teóricos substantivos. E o que quero dizer com isto? Em suma, o problema para a esquerda nacionalista e para a direita nacionalista na actual economia não estaria nas formas de produção do excedente económico mas na especulação financeira. Ou no que alguns têm chamado de “feudalismo financeiro”, “economia de casino” ou simplesmente “roubo”. Portanto, para os que apenas concentram esforços na crítica à finança tudo estaria bem se o dinheiro deixasse a produção em paz e se os “agiotas” fossem menos gananciosos. Portanto, de um modo muito linear, a finança seria uma coisa e a economia seria outra. Ou dito por mim de um modo menos pueril e colocando as coisas nos seus devidos termos: para os defensores da tese do antagonismo produção versus especulação o capitalismo seria óptimo se não existisse a banca a impedir o normal funcionamento da “economia real”. No fundo, tudo se passaria como se a produção de mercadorias a partir da exploração da força de trabalho fosse uma “economia natural”. Esta sim permitiria “os ganhos lícitos na criação das riquezas” ao passo que a anterior estaria impregnada de "parasitismos" e pelo "despotismo do dinheiro", conforme escreveu o mais duradouro ditador fascista europeu do século XX.

Por conseguinte, que este enunciado da valorização da economia produtiva contra o que acham que é a pura especulação seja colocado no âmbito dos judeus (caso da extrema-direita nazi) ou no âmbito do IV Reich alemão da Merkel ou da colonização dos plutocratas europeus (esquerda nacionalista), esse aspecto da personificação parece-me ser secundário para o que está aqui em discussão.
Ora, no meu entender, esta tese do pretenso antagonismo da produção relativamente à especulação é politicamente grave o suficiente para que se ache que tudo isso não teria passado de mera coincidência semântica. E nem vou sequer aprofundar os exemplos da circulação de dezenas de milhares de membros entre o Partido Comunista Alemão e as SA (como Jean-Pierre Faye documentou) ou da transferência de apoiantes e de votantes entre Partidos Comunistas e partidos neo-fascistas (França, Itália, etc.). Não se trata de identificar abusiva e mecanicamente os partidos de raiz leninista ao fascismo mas de lembrar como a partilha de teses nacionalistas (e correlativamente produtivistas e anti-especulativas) permite que temas, pessoas e propostas políticas circulem entre extremos do panorama político.
E aqui vejo-me chegado à interrogação que o Pedro Viana coloca no seu último post: «os sistemas capitalistas existem em diferentes declinações. E que estes sistemas têm sofrido, nas sociedades ditas ocidentais, uma evolução nas últimas décadas da qual resultou uma concentração de Poder nas mãos daqueles que controlam o sector financeiro». Ora, parece-me que o caríssimo Pedro continua a subdividir a esfera financeira da esfera produtiva neste ponto apesar de correctamente lembrar a existência de interesses da primeira na segunda. Todavia, não aborda a existência recíproca da indústria na finança de que os exemplos dos bancos criados directamente pelas empresas industriais ou da preponderância que grandes conglomerados de origem industrial tiveram na expansão dos mercados dos eurodólares nas décadas de 70 e 80 e na aposta crescente em actividades ditas financeiras (General Motors, Chevron, General Electric, etc.). Mas nem é tanto isto que me interessa discutir.

Na realidade, o mais relevante nesta questão suscitada pelo que escreveu o Pedro Viana tem a ver com o que é que realmente define o sistema financeiro. Mas esse será o tema do próximo post…

16 comentários:

Anónimo disse...


Caro João,

1) Não quis, com o meu último post, dizer que essa identificação de uma "semelhança estrutural" fosse impossível ou muito difícil de encontrar, apenas que não é suficiente um exemplo (como o excerto que mostrou) para demonstrar essa semelhança.
Creio também que enquadrar essa crítica na ideologia que está por trás não é negligenciável mas antes fundamental. Fundamental porque torna mais complexo e creio que também mais exacto a compreensão destas semelhanças e diferenças.

2) Já agora não encontra essa mesma crítica ao que se chamaria predomínio da finança sobre a economia igualmente em parte de - principalmente - antigos líderes dos partidos sociais-democratas europeus(entre os quais o próprio Mário Soares)? Ou por exemplo, quando se defende a implementação de uma taxa-Tobin ou como Stiglitz/Krugman e outros economistas criticam a desregulação dos mercados financeiros ocorrida a partir dos anos 80 e principalmente na década de 90, não é essa crítica que em última instância estão a fazer?

Rui Santos

fec disse...

O problema do capital financeiro é que é muito mais volátil e concentrado; potencialmente muito mais desestabilizador. Quanto ao resto estou de acordo. Não há uma diferença substancial entre a banca e o resto da economia. Toda a economia deveria estar nacionalizada (à excepção de certas pequenas e médias empresas) ao nível mundial. Se não for a nível mundial, em virtude da concorrência mundial com um sistema economicamente mais eficaz (embora menos moral) como é o capitalismo, mais tarde ou mais cedo o socialismo desaba, burocratiza ou totalitariza-se.

João Valente Aguiar disse...

Rui Santos,

sobre o ponto 2)

claro que sim. Concordo com o que diz sobre este assunto. Apenas mencionei o caso da esquerda nacionalista e da direita mais extrema porque neste momento é o mais notório. Mas não o único evidentemente. Não por acaso os maiores defensores de uma saída do euro e que, em geral, também coincidem com as teses do capital especulativo encontram-se nos sectores nacionalistas à esquerda e à direita, mas também em figuras da "esquerda" do sistema político norte-americano (Stiglitz e Krugman).

Se a crise económica na zona euro não começar a ver alguma luz ao fundo do túnel (e se não ocorrer uma elevação das lutas sociais) temo que venha a ser possível esses sectores poderem partilhar pontes políticas práticas.

redutorzinho disse...

bolas a politica estupidifica

o mais duradouro ditador do século XX foi fidel que chegou ao XXIº vivo...

salazar foi um agrário pouco inteligente e muito dogmático que conferiu estabilidade económica que é sinónimo de estagnação

um estado que se demitia de investir
monopólios anti-naturais que se perpetuaram

e venda de putos e putas e sol

mais ou menos a economia actual
mais uns pozinhos

mas continua a ser como o haiti uma economia que consome mais do que produz

e agora colony free

mas podes aguiar o que quiseres...

Rocha disse...

Fascismo segundo a definição oficial soviética:

«…É a ditadura abertamente terrorista dos elementos mais reaccionários, chauvinistas e imperialistas do capital financeiro» («Documentos do XXII Congresso do P.C.U.S.»).
http://www.lamanchaobrera.es/?p=22291

Atente-se à palavra particularmente esquecida do chauvinismo, que significa a mentalidade colonialista e racista de potências hegemónicas, como a que emana do regime Alemão no seio do império UE-euro actualmente. Chauvinismo é a pseudo-ciência racista de quem se imagina parte de um povo superior e que por consequência pretende eliminar, deportar, separar ou escravizar os povos considerados inferiores. Esta é a verdadeira origem do racismo e colonialismo (que são irmãos gémeos) e a base ideológica na qual se constrói o fascismo.

Se o João Valente Aguiar percebesse o que é efectivamente o fascismo por esta definição tão simples, mas tão verdadeira e elucidativa, não diria tantas asneiras sobre a "esquerda nacionalista" - leia-se anti-imperialista - que pelo seu lúcido papel anti-racista e anti-colonial é o núcleo fundamental de resistência anti-fascista.

João Valente Aguiar disse...

O Rocha parte-me o coração. Basta a citação de um documentos vindo do congresso do PCUS para mostrar como os factos estão errados... Interessante a forma como os nacionalistas argumentam na base de princípios apriorísticos (ainda se dizem materialistas...) de forma a não terem de se defrontarem com os factos. Socialismo científico do socialismo real dizem eles...

Rocha disse...

Pois é meu caro, mas receio que não seja tão comovedor como ver o João Valente Aguiar a defender o capital financeiro - coitadinho, essa "vítima" do nosso tempo - com o pretexto patético de comparar revolucionários com fascistas.

Deixem os agiotas em paz... diz ele...

João Valente Aguiar disse...

Quais revolucionários? Os que sob pretexto de representarem os proletários mandaram milhões partir pedra para bem longe de casa? Os que sob o pretexto de "representarem" os trabalhadores mais não fizeram do que os manter na exploração? Ou basta estar um partido comunista no poder e desfraldar umas bandeiras vermelhas para que as leis económicas relativas à produção, apropriação e acumulação de capital deixem se aplicar por obra e graça do espírito santo?

Sobre a patética defesa do capital financeiro. Se não existe antagonismo entre finança e indústria pois ambos são constitutivos do capitalismo, quem critica apenas a finança está a defender inapelavelmente as relações de trabalho capitalistas. É esse o grandioso projecto "revolucionário" abraçado pelos marxistas(?)-leninistas: centrar a crítica no que chamam de agiotagem para remodelarem um capitalismo com bandeirinhas vermelhas, controlo da produção a partir do Estado e manutenção da condição subordinada dos trabalhadores na produção e na vida política. Os "lídimos representantes" do proletariado lá estarão para ensinar qual o caminho e lá estarão a decidir o que é melhor pelos e para os trabalhadores. E assim voltam a transformar os trabalhadores numa massa inerte obediente politicamente e explorada economicamente.

Mas calma, estamos a falar de... revolucionários.

Anónimo disse...

E que pensar da tese de Negri/Hardt inserta no "Commwealth",que sublinha: " A globalização capitalista- o mercado mundial, as redes de distribuição, as estruturas produtivas que lhe estão associadas,etc- ultrapassou para o bem e o mal as estruturas do poder capitalista ? O capitalismo nacional morreu e os suportes ideológicos que o sustentavam - o nacionalismo autárcico e o estalinismo - já nem no Terceiro Mundo usufruem de hipóteses de durável continuidade. " Quando nos confrontamos com a globalização crescente do capital, ou mais precisamente a intensificação e o enraizamento do capital global, é evidente que as estruturas nacionais por si só não são suficientes para regular, e ainda por cima não existe Estado global como os Estados-nações regulavam o capital nacional "... Salut! Niet

foram as classes médias que incendiaram dacca disse...

e o bangladesh que entrou em crise

a onda revolucionária veio da classe média que possui carros que consomem gasolina subsidiada

e taxistas e outros transportadores de bens por veículos que não são bicicletas nem carros de bois
(búfalos)

não são os operários das fábricas de fiação de algodão

nem os deserdados egípcios dos motins do pão de 2007 e 2008

que andam a levantar estas revoluções e motins

são as classes médias que o capitalismo fez ascender

tal como as revoltas de londres foram das baixas classes de desempregados

mantidas e subsidiadas por um sistema que passou da produção de bens para os serviços ....e imprimiu notas e titularizou dívidas afim de manter o nível de vida

que tinha quando impunha a sua lei no comercio mundial pelas armas

se um quilo de ópio vale 500 de chá
porque haviam de o pagar em prata ou outros bens

pela mesma ordem de ideias se um quilo de notas vale duas toneladas de lcd's e pc's e outros brindes

forma de ruído arbitrária aleatória ficava melhor...
se o ruído valesse sistemas económicos funcionais

tinhamos um mundo cheio de esfaimados

mas alguém inventou os futuros do trigo e da laranja

O TEU FLUVIÁRIO METE ÁGUA CAMARADA disse...

um bom sistema é o da troca...directa

dou 2 linhas de prosa por este magnífico esboço do mundo futuro

um monde plein d'idées

pouca comida mas muitas ideias
tá ao virar da quina
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é tudo uma questão de produtividade para manter a ociosidade

por enquanto tal existe em certos países
noutros nem por isso...

a tasmânia garante menos 3 dias nas reservas mundiais disse...

este anónimo tem uma visão corporativista heinleniana.....

num stresses pá ou o meteorito da semana que vem acaba com o capitalismo

ou a fome mundial dá cabo dele...

eu cá aposto na fome

o trigo australiano está a arder com as ovelhas

A argentina manda dizer disse...

que lá o capitalismo está kapput pela 2ªvez neste século

países cheios de comida e com pouca populaça são óptimos para o socialismo

ou com muito pitroil como angola e o iraque

já a china acho que não aquilo é só fascistas imperialistas

João Valente Aguiar disse...

Caro Niet,

Para abordar o Negri existe um membro ilustríssimo deste blog com muito melhor conhecimento do que eu :-)

Mas sobre o que você coloca aqui:

«O capitalismo nacional morreu e os suportes ideológicos que o sustentavam - o nacionalismo autárcico e o estalinismo - já nem no Terceiro Mundo usufruem de hipóteses de durável continuidade».

O capitalismo hoje organiza-se sobretudo numa base transnacional o que não quer dizer que os estados nacionais desapareceram. Não me parece que estes sejam alternativas ao capitalismo actualmente existente e que se organiza transnacionalmente. Pelo contrário a esperança e os suspiros pelo bom velho estado nacional corresponde a uma modalidade ainda mais retrógrada, arcaica e repressiva de capitalismo.

Abraços

Anónimo disse...

Caríssimo: Saúdo o seu gesto, a sua abertura e franqueza de grande sensibilidade. A minha velha Biblioteca mudou de instalações nesta hegeliana capital da poderosissima Suábia... Para me habituar, tenho estruturar o meu quotidiano ao compasso das esculturas de Niki-St.Phale...Como deploro os artigos que perco do Summers, do Kay e dos neo-monetaristas de Escola de Chicago. Nem o index do Project-Syndicate me ajuda, santo deus. E, como sei que o JVA é um libérrimo e heterodoxo economista, aqui lhe deixo a metáfora que Castoriadis endereçou a Richard Rorty numa polémica divina: " fazer sempre o melhor que se pode sem disso esperar proveito material- não tem lugar na armação imaginária do capitalismo ". Ousemos essa via e um combate sem tréguas. Aquele abraço! Niet

João Valente Aguiar disse...

Excelente a metáfora do Castoriadis!

Um abraço!