24/06/13

O vale-tudo da unidade contra a troika esconde um nacionalismo larvar

Excerto de um artigo publicado no Passa Palavra sobre as considerações acríticas que presidem aos discursos a clamar por um governo de esquerda.

«Enganam-se os que em várias circunscrições políticas à esquerda pensam que basta a unidade de todos os opositores à austeridade para se desenvolver um novo caminho político seja no plano parlamentar e governativo, seja no plano que nos interessa discutir: o do avanço das lutas sociais e da internacionalização das reivindicações e das lutas dos trabalhadores.
Aliás, enganam-se duplamente.
Por um lado, porque não há maior debilidade política do que o recurso a critérios vazios de substância como o da unidade frentista a todo o custo. Uma vasta coligação não implica um acréscimo de intervenção e de poder para todos os intervenientes. Os que pensam na participação a todo o custo num actual governo de esquerda, e pensam que isso será apenas mais um normal exercício de poder, esquecem não só que não basta ser governo para resolver o que quer que seja. Como esquecem que só os que têm consciência de que essa coligação frentista é um meio para reorganizar os pólos de poder no Estado e que só os que actuam numa tal coligação frentista com os seus reais motivos ocultos e bem definidos, só esses podem aspirar a vencer. E a vitória dos nacionalistas nunca será apenas uma vitória parlamentar. Será sempre uma vitória alicerçada na tentativa de instauração de um capitalismo assente nos mecanismos da mais-valia absoluta e num regime político estatista de contornos autoritários que, num caso extremo, podem abrir caminho a uma nova forma de fascismo.
Por outro lado, o abandono de uma linha reivindicativa própria da classe trabalhadora em torno do emprego, dos salários e da solidariedade internacional entre os trabalhadores, em prol da definição de linhas políticas assentes na “salvação da economia nacional”, do “bem do país” ou contra a troika que está a “destruir Portugal e os portugueses”, contribui apenas para povoar as estradas do nacionalismo.
A pretexto do enfoque unilateral da crítica política ao governo e à troika, os silêncios e as conivências de europeístas, internacionalistas e mesmo de anticapitalistas com os sectores nacionalistas do PCP e da CGTP são por si só demonstrativos de uma perigosa evolução. Se são poucos os anticapitalistas que realmente criticam os inimigos externos e internos no seio da classe trabalhadora, pode concluir-se que o campo nacionalista à esquerda já conseguiu neutralizar e amarrar grande parte dos que se designam como anticapitalistas.
A tragédia que ameaça os trabalhadores portugueses e os imigrantes residentes em Portugal não se resume à perda do emprego, de rendimentos e de condições de vida. À tragédia concreta da austeridade que assola a classe trabalhadora soma-se a tragédia política de uma esquerda que em Portugal é a ponta-de-lança da difusão de uma ideologia nacionalista e de soluções ainda mais nefastas para a vida concreta dos trabalhadores. A ausência de uma dupla crítica à austeridade desenvolvida pelos capitalistas, e aos elementos que se propõem combatê-la com o nacionalismo económico e político, só redundará num prolongamento da austeridade.»

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